Mistério Desvendado _ " Não tem cantiga sem lelê"
Saboreando aquele bolo de aipim com coco e o costumeiro cuscuz no café da manhã, os dois irmãos conversavam com a avó sobre o que tinham ouvido à noite. Teria ela percebido uns galopes em volta da casa e o relinchar dos dois cavalos?
_Sim. Mas pode ser que eles tenham se assustado com algum animal, talvez até uma cobra.
Saíram para examinar e quando viram o cansaço deles e os trançados nos rabos e nas crinas, falaram quase a uma só voz: _ O Saci!_ E se lembraram do que lhes havia sido contado desde crianças, isto é, que em certas noites, o Saci saía a montar em cavalos, que corriam a mais não poder. Enquanto isso, ia trançando... trançando. E eles, os cavalos, amanheciam esgotados pelo esforço noturno.
Chico, que era o mais velho, recusava-se a acreditar naquilo. E dizia:
_ Será possível, gente, um troço desse? E Toninho:
_ Mas você não está vendo?
_Eu já tinha ouvido dizer, mas ver mesmo, só agora.
_ O que a senhora acha, vó?
_ Bem. Desde criança, eu ouvia contar essas estórias. Às vezes, o caboclo velho que morava perto de nossa casa, juntava a criançada daqui e contava tanta coisa esquisita! Dizia que tinha a mula que vivia correndo por aí sem cabeça, aliás, disse que quando ele era menino, chegou a ver quando um dia ela tentou subir num barranco. Dava um medo danado na gente. Contava também que às seis horas da tarde a mata parece se lamentar e os sons que sobem da floresta são tristes como um soluço de saudade. Um dia, quando ele estava pertinho da mata fazendo xixi, sem mais nem menos, ao olhar pra trás viu uma mulher fininha como uma vara e alta, com uns dois metros mais ou menos. Saiu correndo e viu um braço com mão e tudo voando sozinho ao lado dele na estradinha. Chegou em casa esbaforido.
Depois passava a falar do Saci Pererê que para aborrecer a cozinheira, escondia as coisas, derrubava as panelas. E ainda fazia outras coisas como isto aqui ( os trançados )com os cavalos...E a gente vinha pra casa com um medo medonho de encontrar o negrinho perneta com a carapuça vermelha.
Mas depois que eu cresci e ouvindo outras pessoas ( na nossa casa , meu pai recebia de vez em quando, uns agrimensores ou outros trabalhadores estudados), lendo tudo o que eu podia, fui compreendendo que aqueles eram contos em que os índios acreditavam. Diziam até que o Saci era guardião da floresta! E que pra não ser perturbado, quem quisesse entrar no mato, tinha que pedir licença pra ele.
E aí, vocês querem saber o segredo destas tranças nos cavalos? Não tem nada a ver com Saci, que é apenas um ser imaginário. Todo o
trabalho de trançar é feito por MORCEGOS que sugam o sangue do animal enquanto trançam. E é por isso que eles, os cavalos, galopam e ficam enfraquecidos ao amanhecer.
_ E por que a senhora nunca nos revelou isso?
-Quando vocês eram pequenininhos, eu gostava muito de contar histórias . E havia as lendas do Saci , do Curupira, que era um índio de cabelos vermelhos e pés virados pra trás, que afugentava os destruidores da floresta e protegia os animais.
Eu sabia que era tudo imaginação e que aqueles seres nunca existiram. Mas pra mim, era tão bom brincar com vocês , fingindo que eles assobiavam pra nós lá do meio da floresta!
Vocês não lembram? A gente saía correndo do quintal pra dentro de casa, nos escondendo deles... e depois eu acalmava tudo e ia fazer bolinhos de chuva pra tomar café. Ai, que saudade daquele tempo!
Se vocês descobrissem que não era verdade, nós não poderíamos brincar mais.
Acho que todos precisamos da fantasia. Principalmente as crianças.
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