Místico
O mundo pulsava durante a madrugada juntamente com as árvores, os juncos, as pedras anciãs, os sacrifícios, as pessoas pulsavam dançando com seus corpos seminus escondidos por brumas e fumaças. As ervas queimavam formando ilhas de identificação, o tambor regia a floresta qual regia os espíritos. A fogueira alta unia as dimensões dispersas de uivos e mortos, o xamã sentava-se ao ponto mais nobre da festividade, estava coberto de penas, plumas e sangue selvagem, a pela enrugada cheirava a solidão de uma vida dedicada à espiritualidade.
As palavras saiam indômitas pela boca, a língua desconhecida era recitada, berrava, chorava para então a paz substancial. A vida em sua essência mais pura e divina corria em forma de energia contornando as pessoas embriagadas pelo sagrado. Elas marchavam entre as árvores recriando os ensinamentos da ordem natural, um a um ia afastando-se do curador rumo ao lago de água cristalizada e fértil.
Ao mesmo tempo todos a postos na margem davam um passo a frente para na batida seguinte o retirar e nesta coreografia vagarosa adentrar toda a vitalidade até desaparecerem, só lhes era permitido retornar quando a manhã despertasse cálida e sombria. O xamã rumava sozinho na floresta invocando os chistes abençoados dos animais, sob o luar mais baixo, alma por alma repousou ao seu lado sussurrando os segredos, derramando poder e esperança, caminhavam para o povo, juntos assistiam ao nascer do sol.
Os cabelos longos e negros das mulheres flutuavam retornando a vida, a deusa se levantava primeiro, as águas tocavam-lhe os ombros. Os homens erguiam-se carregando tudo que o lago os transmitia, o xamã embevecia cada ser mostrando sua alameda. Era o primeiro a voltar para os longos troncos, atrás se mexendo como caça e caçador. Ofereciam a ultima oferenda. Somente ele podia ver o misturar racêmico dos animais e homens, até estes serem possuídos e seus corpos dominados por instintos desconhecidos e irracionais.
A fogueira apagara-se tão só quanto existira, os corpos seminus deitavam entre as folhas das estações cerrando os olhos deixando-se transportarem para muito além de onde a brisa gelada seria capaz de fustigá-los. O chefe deitava ao centro, os braços cruzados sobre o peito em sinal de respeito e proteção, os olhos perdiam as cores tornando-se transparentes. A ultima recordação seria dos raios de sol os acariciando de forma a redimir os pecados. Os seus espectros estariam doces e puros pela ultima vez, antes do alvorecer eterno.