FUTEBOL NO CÉU

Era uma bela tarde de sexta-feira e eu estava pensativo olhando o pôr do Sol pela janela do apartamento.

Ao longe, bem no horizonte, onde o verde e o azul se encontravam, flutuavam “stratus” coloridos variando seus matizes entre o violeta e o dourado... Era uma obra de arte digna de se contemplar, com os olhos do espírito, em agradecimento à generosidade do Eterno Artista.

Duas garças brancas, em vôo preguiçoso, cruzavam os ares em direção ao lugar onde costumavam se reunir, com as outras, para o empoleiramento diário. Eram graciosas, esguias e, sobretudo, muito brancas. Quiçá levassem algum alimento para os filhotes barulhentos, na segurança do ninho.

Em contraste, aqui ou ali, um ou outro rolo de fumaça negra, aos poucos, iam se dissipando. Eram sinais da cultura local, onde o despreparo e a falta de consciência incitam alguns proprietários de terra a cuidarem dos seus pastos, plantações e animais, à custa das queimadas.

Algumas estrelas mais insinuantes insistiam em se adiantar às irmãs celestes. Exibiam o brilho, ainda lampejantes, ansiosas por enciumar as outras que pareciam estar, ainda, na adolescência e sem o feitiço capaz de superar as irmãs mais velhas.

A paz e o encanto, todavia, eram quebrados pela agressividade comercial invadindo as moradias e violentando os ouvidos das pessoas. Carros de som vociferavam em alto volume, propagando as benesses e as utilidades ofertadas pelas lojas da cidade. Completando a cena, uma viatura policial com a sirene a pleno, em desabalada carreira, abria espaço entre os outros veículos trafegando em zigue.-zague.

Estava absorto, nessa contemplação, quando minha neta se aproximou, sorrateira, influenciada pelo espírito midiático da Copa do Mundo.

-- Vô?

-- Oi, querida!

-- Eu queria saber de uma coisa!

-- De que se trata? Vamos ver!

-- Lá no céu também tem futebol? Para que time Deus torce?

-- Hum! Mas que pergunta complicada, essa? Nunca pensei nisso! Pelo que sei, o céu é um lugar de muita paz, tranqüilidade e sossego. Acho que lá, não existe nada desse atropelo que vemos, aqui em baixo, em torno do futebol!

As pessoas que tiveram o merecimento de ir para lá não devem ter nenhum interesse nesse tipo de coisa que só serve para separar, acirrar ânimos, atirar as pessoas umas contra as outras e dar margem para as mais baixas manobras e interesses de que se tem notícia! Definitivamente, acho que lá nem se fala em futebol! Deve ser um pecado daqueles!

Assim imagino que seja o céu! Acho que lá não deva ter nada disso e nem qualquer outro tipo de jogo! De onde é que você foi tirar essa pergunta?

-- É por causa das “vuvuzelas”, vô?

-- Vuvuzelas? E o que têm as vuvuzelas a ver com Deus e com o céu?

-- Você tem visto, pela televisão, os jogos da Copa do Mundo, não é?

-- Sim! Tenho acompanhado! Afinal, é um acontecimento que ocorre somente a cada quatro anos e mobiliza todos os países do planeta! Mesmo aqueles que não são afeitos a esse tipo de esporte acabam se envolvendo, de uma ou de outra maneira!

-- E você já viu o barulhão que o pessoal, nos estádios, faz com a vuvuzela? Já percebeu que é mais de uma hora e meia de barulho sem parada? E que barulho, vô! E que barulho!

-- Sim! Querida! Você tem toda a razão! Mas, o que tem isso a ver com jogo de futebol lá no céu? Você ainda não explicou a razão da sua pergunta!

-- Eu vou explicar. Mas, antes, quero que você me diga o seguinte: O que vem a ser essa tal de Copa do Mundo, vô?

-- Bem, Júlia! A resposta não é nada técnica. É uma explicação minha, de como eu vejo isso tudo!

No meu modo de pensar, acho que a Copa do Mundo, no estágio atual, não é nada mais nada menos do que um instrumento auxiliar do “modelo de globalização planetária” que está sendo construído no mundo. Assim penso que, de esporte, esse encontro mundial não tem mais nada. É, apenas, uma forma de aglutinar interesses políticos e econômicos de grandes empresas e corporações multinacionais que tratam de dar continuidade aos seus objetivos...

Como você mesmo pode ver, por trás disso, há o patrocínio e o controle, fechadíssimo, de grupos multinacionais. A FIFA, que é uma “organização multinacional” dentro do futebol, já se mostra capaz de influenciar, até mesmo a política interna de países que a ela são filiados. O presidente da FIFA já ensaia “pitacos” em governos, impondo determinadas condições, sobre ameaça de retaliações...

Repito! Na Copa do Mundo, o que menos existe é o esporte. Há, sim, um tremendo estardalhaço da mídia que também está envolvida nesses interesses até à medula dos ossos... Os jogos e o espetáculo apresentados ocultam transações e interesses econômicos, políticos e financeiros, aos quais o público não tem acesso.

-- Puxa, vô! É toda essa sujeira? Com certeza, lá no céu não poderia haver coisa parecida, né?

-- É isso mesmo, querida! É isso mesmo!

Mas, o que tem a vuvuzela com isso tudo?

-- Bem. Vô! É que outro dia, fui à missa com minha tia Andréa e vi que o teto e as paredes da igreja eram todos pintados. Em uma pintura que parecia ser a mais importante, vi que Deus estava deitado em uma nuvem branca e achei que Ele estivesse com vontade de dormir.

Deus era um homem bem velhinho, com barbas brancas e compridas. Não vestia pijama! Estava nu coberto só com um lençolzinho de nada!

-- Vai ver que lá no céu faz bastante calor!

-- Embora aparentasse estar com muito sono, Suas feições eram as de um velhinho muito paciente e bonzinho!

-- Por que você diz isso?

-- É porque em volta da nuvem em que Ele estava deitado, tinha uma porção de anjinhos, todos eles tocando vuvuzelas! E tinha cada uma enoooooormeeeee! Como é que Deus ia dormir com aquilo bem nos ouvidos d´Ele? Eu não conseguiria e acho que nem o senhor, também!

E tem mais, vô! Nas outras pinturas de dentro da igreja também estavam anjos tocando vuvuzelas. Uns eram magros, outros gorduchinhos, de bochechas rosadas, uns estavam nus e outros com fraldas. Era anjo tocando vuvuzela por todo o canto!!!

Como Deus é bem mais velho do que nós aqui da Terra pensei que fossem os anjos lá do céu que tivessem inventado a vuvuzela, para fazer barulho nos jogos de futebol lá entre eles!

Aí fiquei imaginando como é que Ele poderia dormir com aquela barulhada toda, durando pela eternidade a fora? Ainda por cima tinha uma porção de outros anjos, aumentando a zoada, tocando harpa! Acho que lá no céu eles gostam bastante de música! Será que foi lá que inventaram, também, a harpa?

-- Aquele instrumento que os anjos tocam não é harpa, querida! Parece com harpa, mas é chamado de lira!

-- Está bem, vô! Mas, agora, veja só! Como é que as pessoas ficam fazendo tudo direitinho, para irem lá para o céu e, depois, têm que passar a eternidade inteirinha ouvindo anjinhos tocando vuvuzelas e liras? Já pensou, vô? Acho que eu não iria gostar nada daquilo!

Olha, Júlia! Embora não possa concordar com o seu raciocínio, admito que você seja muito observadora e criativa! Posso garantir que se eu estivesse no lugar de Deus, iria ficar furioso da vida e botar todos aqueles anjos para fora das imediações da minha nuvem!

Acho que o sono é sagrado e ninguém tem o direito de ficar atrapalhando a gente de tirar aquela boa soneca, com direito a um bom sonho e tudo o mais...

-- Pensando bem, vô, aqueles anjos todos que vivem lá no céu só fazem isso? Tocar vuvuzela e lira o tempo todo? Como é que Deus agüenta um negócio desses?

-- Ah! Eu também não ia agüentar, não senhora! Mas, Deus é bom demais! Ele não se zanga por qualquer coisa!

A conversa estava nesse pé, quando minha nora chamou, lá de dentro da sala de jantar: Podem vir! O lanche está na mesa!

Junto com a voz dela vinha lá da sala um cheiro bom de café quente misturado com o delicioso perfume de um bolo de mandioca, fresquinho. Paramos nosso papo e fomos cuidar dos petiscos que ainda fumegavam...

À noite, já deitado, preparando-me para dormir, pensando na conversa com minha neta, fiquei imaginando a cena, como se aquilo tivesse acontecido comigo mesmo...

Fingi que estava no lugar de Deus, deitadinho sobre a nuvem, louco para mergulhar em sono solto. De repente, aquele som insistente de milhares de vuvuzelas invadiu meus ouvidos.

Levantei-me fulo da vida e dei meia dúzia de berros com aqueles anjinhos desocupados que, num instante, desapareceram batendo as asinhas... Achei graça do tombo que um arcanjo desajeitado levou, ao se atrapalhar com as asas, no momento de alçar vôo...

Voltei para minha nuvem dando boas gargalhadas do susto que tomaram. Apavorados, muitos deles deixaram cair as vuvuzelas que ficaram espalhadas pelo chão do céu...

Dormi como um deus. Acordei na manhã seguinte, ainda rindo dos

anjinhos espavoridos e do belo tombo do arcanjo...

Ahahahahahaha!!!

Amelius
Enviado por Amelius em 03/06/2013
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