Doce Sangue
A janela estava entreaberta, as cortinas amordaçadas aos lados, o aroma de café evoluía caminhando pelo quarto, as almofadas decoravam o parapeito. E a noite adentrava o quarto dançando junto à lua e gemidos. Gemidos frios e cautelosos, como os de um animal atordoado e voraz. Katherine escorou o livro no travesseiro, as folhas escaparam e ele se fechou, bufou calçando seus chinelos, fechando o rôbe os dedos deslizaram pelo vidro. A visão era declaradamente atormentadora.
Sobre as telhas avermelhadas de sua casa, um homem estendia-se, as roupas pareciam tecidas sob medida para ele, de porte esbelto, uma camisa cinza por baixo do colete preto e uma calça deliberando entre o social e esportivo, o cabelo loiro mesclado ao grisalho, o rosto perfeito como um anjo e os olhos. Grandes olhos de demônios. Negros amendoados, fortes e compulsivos, nervosos. Dos lábios cortados ecoava a voz mais pérfida e efluente quais seus ouvidos haviam captado.
- Ah... – Kath gritou tapando seguidamente sua boca qual se abria em uma grande surpresa.
- Ajude-me – implorou a criatura de olhos obstinados, embora se assemelha a uma ordem.
Kath gostaria de ter recuado, e essa talvez fosse sua única chance de fugir, era a ponte de transição entre dois mundos, mas ela simplesmente avançava, tolamente, com a pulsação acelerando, os pensamentos desaparecendo da lógica esperada. Porque o estranho da noite enfeitiçava-lhe causando uma atração inimaginável. E poucas coisas são tão irresistíveis quanto o poder induzidor de um senhor nevrálgico.
- Ajude-me – Ele repetiu.
Katherine sentiu cada célula de seu corpo vibrar numa nova sintonia. E esta nova frequência alucinante arrepiava-lhe o corpo, chegando à espinha.
- O que aconteceu? – Ela já transcendia os limites seguros, as mãos estendidas para trazer-lhe dentro do quarto. Até uma ideia saltar, os passos da mãe. – Espere um segundo... – Correu a porta trancando-a seguramente, pôs seu peso atrás, voltando apressada tirando a mecha de cabelo esvoaçante.
Se todo o conjunto lhe era estranho e impróprio seu toque não havia de ser diferente. Ela precisou respirar fundo segurando-se para não desmaiar com a onda incomoda invadindo suas fronteiras. Antes de qualquer expectativa ele puxou-lhe desequilibrando-a, o tombo com a metade da bacia na metade da janela doeu, ela teria causado um estardalhaço caso não houvesse o manto hipnótico recobrindo-a de paciência.
- Sou Nikollaus, estou sendo caçado, preciso que me ajude.
Pessoas normais não são caçadas. Pessoas normais não são tão belas aquele ponto divino. Pessoas normais não surgem em telhados próximo à meia noite, expelindo sangue. E acima de tudo, pessoas normais não tinham ares pomposos. Logo Kath concluiu que ele não era comum, entretanto nenhuma das características reverentes a causar medo atiçavam-na.
- Como faço? – Solicitou melíflua.
- Dê-me sangue!
Ela lembra-se vagamente de piscar nesse ponto, incontáveis vezes até o tom róseo natural voltar a preencher suas bochechas.
- Eu... Eu... Não... – Kath balbuciou, desfrutando de um cansaço terrível.
- Kath, estenda seu braço, por favor, é indolor – O tom dúbio de educação quase escapara no final.
Ela soltou um muxoxo, concordando, ou somente executando os comandos de seu bulbo cerebral. O cotovelo dobrou-se estendendo deitada pela metade do telhado, no breu o braço esquerdo, o pulso alcançava a proximidade de seus lábios. Nikollaus inclinou-se mais a frente escalando, os olhos endemoniados desceram em direção à pele branca capaz de expor as veias facilmente.
Seus lábios machucados roçaram asperamente no primeiro gesto, em seguida foram abrindo-se, de seus caninos presas anormais desceram, houve uma comoção silenciosa; então a mordida foi efetuada. Nada nesse instante poderia tirar-lhe do transe, porque o mundo girava em torno do ser estoico grudado em suas veias. A face de Kath contorceu-se em uma careta, pois a dor irradiava pelo rasgo, o liquido quente e férreo escorrendo, até que segundo depois a sensação fora mudando, criando uma conexão, uma singularidade.
O vampiro sugara-lhe a vitalidade, a atenção e também seu sangue. Ele não se assemelhava aos contos qual havia lido, era mais perfeito. Ele fora enrijecendo, enchendo, apertando-lhe mais ao ponto de manchas roxas surgir. Kath começou a franzir o cenho, a sensação maravilhosa havia passado, o terror gotejava trazendo-a ao mundo onde isso fosse inaceitável e incoerente. Ela tentou puxar o braço, isso o fez levantar o rosto, estava sujo, sedento, uma verdadeira besta...
Na troca de observações entre senhor e saco de sangue ambulante, Kath corajosamente mordendo os lábios prendendo na ultima barreira possível o berro desesperado recolheu-se, o hematoma, os furos, os escorrimentos, o vidro chocando-se, ela tropeçando contra a cama. Ao contrário do esperado, ele não entrou, não bateu, não reagiu, Kath aproximou-se para checar deparando-se com nada além de um pedaço de pano rasgando, uma recordação.
A porta de seu quarto, os três dedos da mãe batiam nervosamente.
- Katherine, já é tarde, deite-se, e destranque essa porta!
- Claro mãe, boa noite. – Respondeu entorpecida, correndo ao banheiro passando água.
Porém nem todas as águas dos oceanos poderiam limpar uma alma recém-corrompida. Passara uma pomada, fizera curativos e correra vestir um pijama de mangas longas, que esconderia, destrancou a porta, arrumou o cabelo, sorrindo a mãe esta lhe beijou a testa, deu-lhe uma repreensão no olhar, indo embora.
Katherine sequer tinha noção de como fora capaz de realizar tanta coisa, mentir a mãe e conseguir silencio após ter o encontro incomum com a criatura na janela. Totalmente diferente dos livros e filmes, aos modos de um asteroide devastador extinguindo chances de só sobreviver. Sua ultima recordação seria a de estar sentada na cama incrédula e abduzida.
Era a primeira marca deixada por ele e seria eterna em seu eu lírico repleto de incertezas pelo restante da vida a espera da estranha criatura que nunca chegaria por acasos outra vez.