A FRUTA VIOLETA

1
 
 
        O menino estava muito triste, pensativo. Sentara-se na clareira, a cabeça baixa.
     Todas as árvores das redondezas estavam serradas. Haviam ateado fogo ao capim. A paisagem era desoladora. Em breve nada restaria da imensa floresta.
     O menino estava estarrecido, os olhos ardiam de dor.
     Abraçou-se a um tronco queimado e suas lágrimas pingavam sobre o chão ainda quente.
     Ficou por muito tempo ali, sem saber o que fazer.
     Ouviu um ruído estranho, como o assobio do vento, quando atravessa as areias do deserto. Levantou os olhos e então o viu.
     Vinha caminhando em direção à clareira. Era um ser enorme, colorido, encantado. As cores dançavam ao redor dele, a cada passo que dava. Tinha um porte majestoso.                             
     O menino sentiu a onda de paz que acompanhava aquele ser. Percebeu a importância daquele momento.
     Sua tristeza atraiu-me para cá — sua voz tinha uma ressonância mágica e o som das sílabas bailava, como repetido pelo eco.
     O menino olhava o seu doce olhar. Falou:
     Veja o que fizeram aqui. Não há mais uma única árvore que nos possa abençoar com seu perfume, com sua sombra, com seus frutos. Ele suspirou profundamente, continuou:
     — Nesta época do ano deveríamos ter um belo tapete amarelo cobrindo o chão. Poderíamos então ouvir o barulhinho das folhas secas sob os nossos pés, quando cruzássemos a floresta, o barulhinho do outono — calou-se, enxugando os olhos.
     — Nós gostaríamos que as árvores jamais fossem magoadas, não é assim, meu amigo?
     O menino piscou, olhou para os lados, olhou para trás. Via-se aflição em seu rosto.
    — A ternura de seu coração alcançou-me. Fiquei pensando em como poderia ajudá-lo e então lembrei-me das frutas violeta.
      — Frutas violeta?
     — Sim. Acho que é o único meio de resolvermos nosso problema.
     — Como assim?
     Ah! Que alegria poder olhar aquele ser! De onde vinha tanta luz?
     — Bem, quem come as frutinhas violeta nunca mais magoa a natureza, nunca mais magoa ninguém.
     — Que coisa maravilhosa!
     — Eu procurava, há muito tempo, um humano, que fosse um doador natural de ternura.
       — Um doador de ternura...
     — É essencial, meu menino, é absolutamente necessário que seja um humano.
      — Você acha que eu...?
     — Sim, tenho certeza de que encontrei a pessoa certa para ir buscá-las.
     — Eu quero ir. Diga-me, onde posso encontrá-las?
     — No seu sonho.
     — No meu sonho?
    — É claro. Tudo aquilo que você desejar, pode buscar no seu sonho. Está tudo lá.
     Ele caminhou a esmo. A harmonia caminhou com ele e as cores acompanhavam-no, cada vez mais intensas e belas. Quem seria ele?
     — Quem é você?
     Sou a essência das plantas. Em todo vegetal há um pouco de mim. Algo vivo que se move desde a raiz e chega ao topo de cada talinho de capim, de cada ramo de arbusto, de cada galho da mais alta árvore da floresta.
     As cores dançavam, parecia uma festa.
     — Como devo fazer para pegar as frutas violeta?
     Você deve fechar os olhos e adormecer em um pensamento de paz. Deve ir, então, ao Jardim das Alegrias, para colhê-las na Árvore da Ternura.
     — Como vou reconhecer a Árvore da Ternura?
     — Você vai reconhecê-la, não se preocupe quanto a isso, pois nada existe que se assemelhe  à  ternura, quando sentimos o seu perfume no ar. Suas frutinhas são miúdas e macias. Colha a quantidade que julgar suficiente para as nossas necessidades. E, lembre-se, seu coração indicar-lhe-á o caminho.
     — Devo levar um cesto?
     — Não é preciso. Apenas deseje um e ele aparecerá em suas mãos. É assim que as coisas acontecem no Jardim das Alegrias.
     — Essas pessoas que destroem a natureza e ferem os animais, vou conseguir que comam a fruta violeta?
     — Oh, sim! Ninguém resiste ao perfume da ternura.
     — Está bem. Vou agora mesmo.
     Deitou-se sobre a terra machucada e fechou os olhos. Pulou em um pensamento de paz e adormeceu. As cores flutuavam sobre a sua cabeça.
 
 
2
 
       Viu a pradaria imensa a sua frente.
     O céu estava azul, com uma nuvem aqui e outra ali.
     Em dúvida sobre qual seria o caminho a seguir, pôs-se a caminhar e a cantar:
             "Desejo ir
              ao Jardim das Alegrias,
              onde toda fantasia
              é real no coração.
              Desejo ir
              ao Jardim das Alegrias,
              onde os sonhos todo dia
              vêm pousar
              nas minhas mãos."
      Após um tempinho, ele chegou.
     O jardim era lindo. Havia árvores magníficas, havia arbustos com folhas de todas as cores e havia muitas, muitas flores.
     Caminhou lentamente, olhando cada recanto; parou ao lado de uma árvore não muito alta, mas de grandes ramos. Ele soube imediatamente que era  ela, por causa do cheiro  da  ternura. Suas frutinhas eram tão lisinhas que brilhavam. Tocou-as e admirou-se com sua maciez.
     Era delicioso o cheiro daquele lugar. Sentia-se tão bem! Seu coração parecia explodir de alegria.
     Desejou um cesto e ele surgiu a seu lado. Colheu as frutas, uma a uma. Quando o cesto estava cheio, colocou-o sobre o chão relvado, abraçou a Árvore da Ternura e agradeceu por seus frutos. Começou, então, a voltar sobre os próprios passos.
 
 
 3
 
      O ser encantado acariciava seus cabelos, quando abriu os olhos e percebeu que regressara. O cesto estava a seu lado, cheio de frutas violeta. Ele falava palavras que o menino entendia em seu coração.
     ¾ Uos mu ohlif odama ed Sued. Et oma e ohnet sairgela arap et rad.
     O som das sílabas volitava, as cores dançavam.
     O menino sentou, olhou o incrível ser.
       ¾ E agora, como posso reconhecer as pessoas que devem comer a fruta violeta?
      ¾ É fácil. As pessoas que destroem e ferem são sempre zangadas, porque são tristes.
      ¾ Está bem. Eu já vou. Você vai ficar aqui?
     ¾ Vou. Preciso convocar meus auxiliares, para que me ajudem a recompor a clareira.
     ¾ Você tem auxiliares? Aqui?
     ¾ Sim. Eles estão em toda parte onde haja vegetação. São os elementais: os gnomos e os duendes. São eles que cuidam da regeneração das plantas e do solo. Eles têm tido muito trabalho nesta floresta.
     ¾ Isto não pode continuar, ou a floresta será completamente destruída. Eu preciso ir.
     ¾ Uma última observação, meu amigo. Todo aquele que comer a frutinha violeta se tornará um doador de ternura. Será um aliado que teremos conquistado. Para cada um deles você recitará as palavras da Doação: "Toda a ternura que puder dar, dê agora, porque você não passará duas vezes pelo mesmo caminho". Não esquecerá?
       ¾ Não, não esquecerei.
     ¾ Vá agora. Até breve, querido amigo. Você vai conseguir ¾ esticou os braços em sua direção.
     O menino tocou o espantoso ser. Sentiu as cores nas palmas das mãos.
     Caminhava há mais de meia hora, quando encontrou a primeira pessoa. Era um homem muito moreno, queimado pelo sol, com as mãos calosas de trabalhar com a madeira. Os olhos eram  zangados  e os ouvidos cheios do zumbido da serra.
        ¾ Senhor, aceita uma frutinha?
     O homem voltou-se para ele com o intuito de desfeiteá-lo mas, de repente, sentiu o cheiro bom da ternura.     
     ¾ Que cheiro  delicioso! Aceito sim. Quanto custa?          
     ¾ Não custa nada. 
    O homem pegou a fruta na mão do menino.
      ¾ É muito gostoso isto. Posso pegar outra?      
    Seu rosto ia se transformando, à proporção que comia: o franzido da testa se desfez, as linhas em torno da boca afrouxaram, surgiu em seus lábios o prenúncio de um sorriso.
    ¾ Sirva-se à vontade ¾ o menino esticou a mão, com o cesto, e o homem pegou várias frutinhas.
    Quanto mais ele comia, mais atenuava-se a brutalidade, que o menino sentira, pouco antes, em seu rosto. Parecia mágica. O mais surpreendente, porém, foi ver a mudança que ocorrera em seu olhar. Havia-se transformado em um doador de ternura.
    ¾ Para onde o amigo estava indo?
   ¾ Não sei para onde estava indo, mas resolvi ir para minha casa. Preciso procurar minha família, que não vejo há muito tempo.
   ¾ Há algo de que eu gostaria que você se lembrasse. Toda a ternura que puder dar, dê agora, porque você não passará duas vezes pelo mesmo caminho.
    Despediram-se. O homem foi andando, a repetir aquelas palavras.
    O menino seguiu pela estrada. Era preciso encontrar a sede da companhia madeireira que, há quase um ano já, devastava a região. Em que direção deveria ir? Não sabia. Seguiu para o norte.
    A tarde ia avançada quando avistou o acampamento.
   De longe ouviu o barulho das serras, as marteladas e o vozerio dos operários.
   Aproximou-se de um grupo de homens e mulheres que descansavam, sentados pelo chão.  Estavam todos calados, ausentes.  "Como são tristes!" ¾ pensou.
   Aceitam umas frutinhas? ¾  Sua voz era gentil, ele falava timidamente.
    Eles o olharam sem entender o que desejava.
   O menino pegou algumas frutas e colocou-as nas mãos dos operários, que olharam-no e, em seguida, comeram.
   O ar ficou impregnado de ternura.  Vinham pessoas de todos os lados, atraídos por seu perfume.
   Comeram todo o conteúdo do cesto.
   As serras foram desligadas.  Eles sacudiram a serragem das roupas e saíram para os campos.  O garoto caminhava entre eles.
   Iam conversando e rindo.  Seus ouvidos haviam-se esvaziado do ruído das serras.
   Um deles parou no meio da estrada, falou para os outros:
   ¾ Estou pensando em plantar, colher e viver do fruto da terra.  O que vocês acham disso?
   Todos aprovaram. Seguiram fazendo planos.
   ¾ A terra é muito generosa ¾ disse o menino. ¾ Vocês vão ser muito felizes.
   Já se aproximavam da aldeia, quando começaram a se separar.  Seguiam em direção a suas casas, em sua nova condição de doadores de ternura.
   Para cada um que se despedia, o menino recitava a Doação, que o Ser das Cores lhe ensinara.  Ficava ouvindo o novo amigo a se afastar, repetindo suas palavras.
    Ao entrar na aldeia, já se havia despedido de todos.
    A noite caía.  Esfriava.
   Ele viu uma mulher com duas crianças pálidas, que pedia esmolas junto ao muro da igreja.  Mais adiante passou por um homem que seguia sobre uma charrete e chicoteava seu cavalo marrom.
   Continuou a andar e a alegria fugia de seu coração.
   A vitrine da loja da esquina exibia tortas que muitas crianças jamais poderiam provar.
   Olhou para as belas casas, que guardavam tanto calor atrás de suas portas fechadas ao próximo.
   Parou no meio da praça e imaginou quanta terra e quanta riqueza havia na vastidão do mundo. Todas as pessoas poderiam viver com dignidade.  Pensou que o egoísmo destruía a ternura no coração do Homem da mesma maneira como a serra destruía as árvores no meio da floresta.
   Sabia que precisaria voltar muitas vezes ao Jardim das Alegrias.
   Deitou na grama macia de um canteiro.  As estrelas cintilavam no céu rosado. Fechou os olhos, pulou em um pensamento de paz e se foi.
 
LuciaArmenioLeal
Enviado por LuciaArmenioLeal em 31/05/2013
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