AS ESTRELAS ESTÃO CAÍNDO
Quando escutei o primeiro estrondo, ao longe, eu estava sentada em frente à TV. Achei que fosse uma trovoada e não me importei. O segundo veio em seguida. Bem mais perto. Talvez fosse alguma tempestade.
Não era.
Corri até a janela de onde eu avistava parte da minha grande cidade. E o que eu vi foi assustador. O grande meteoro – aquele mesmo que todas as redes de televisão noticiaram que iria cruzar os céus do planeta – vinha se aproximando velozmente. Por onde ele passava deixava cair pedras incandescentes. Muitos prédios em diversos pontos da cidade queimavam. O fogo caía do céu.
Seria o fim do mundo?
Outro barulho, agora quase ensurdecedor, e uma pedra enorme caiu três ruas à frente de onde eu morava. Um prédio de aproximadamente 20 andares começou a incendiar em uma velocidade alucinante. Ouvi gritos e choros desesperados. Buzinas. Os cachorros latiam. Fiquei por cerca de 3 segundos, os mais longos da minha vida, agarrada na cortina, acreditando que a qualquer momento eu seria acordada pelo barulho irritante do meu despertador.
A batida de dois ônibus na esquina, seguida de mais gritaria me arrancou do meu torpor. Precisava sair dali, do meu prédio, salvar minha família. Entrei em todos os quartos, sala, cozinha. Onde estariam meus irmãos e meus pais? Não havia ninguém em casa. Eu estava sozinha em um lugar que estava prestes a ser consumido pelas chamas.
Abri a porta do meu apartamento e me lancei escadas abaixo. Seriam oito andares de descida a mil quilômetros por hora, senão fossem minhas pernas que se recusavam a me obedecer. Por mais que eu tentasse correr, eu me movia à marcha lenta. Fiquei desesperada. Esperava encontrar alguns vizinhos passando pelo mesmo terror que eu. Mas somente eu estava lá, tentando descer aquelas escadas a passos de tartaruga. Apoiei-me nas paredes quando uma grande explosão, talvez ao lado de onde eu morava fez tudo balançar.
A luz apagou.
Fiquei no escuro total e entrei em desespero na hora. Tentei gritar por socorro, mas minha voz não saiu. Eu podia escutar gritos e choro vindos de algum lugar. O fim do mundo acontecia lá fora e eu continuava presa dentro do prédio. Para onde quer que eu fosse o caos me esperava.
De alguma forma consegui chegar ao andar térreo. Quando empurrei a porta corta-fogo para sair para o hall do edifício, caí no chão, atordoada. Não apareceu ninguém para me ajudar. Não havia ninguém.
Ainda sem forças para caminhar com a velocidade que eu desejava, saí do prédio e ganhei a rua. No asfalto vários buracos e escutei gritos horrendos de quem havia despencado lá dentro. Rachaduras haviam engolido carros inteiros. Árvores repousavam sobre cadáveres e o céu continuava sendo riscado por luzes brilhantes.
Caminhei alguns passos em direção a lugar nenhum. A visão era atordoante. Construções simplesmente haviam desabado e virado pó. Era difícil caminhar quando os obstáculos eram corpos. O pior de tudo era não saber onde estava minha família. Teriam caídos todos dentro de um buraco sem fundo e agonizavam esperando minha ajuda? Ou também haviam se transformado em partículas de poeira, a mesma que ofuscava o brilho do sol?
Em pânico, sentei no meio fio da calçada ou do que havia restado dela. Sentia sede, desespero, frio. O fim do mundo começara com uma chuva de meteoros. Para meu azar, eu restara viva. Lembrei da profecia, a terrível profecia:
“As estrelas irão cair e dos escombros surgirá o Salvador, a quem caberá iniciar um Novo Mundo.”
Era mais ou menos isso. Havia lido alguma coisa há um tempo, contudo nem me importei na época. Mas agora, enquanto olhava em volta e somente encontrava corpos aos pedaços atirados por todos os lados, pensei na hipótese de que o Salvador pudesse ser eu.
Que honra. Por onde começar? Deus, e agora?
Um clarão vindo do céu me fez olhar para cima. A luminosidade era tamanha que nem mesmo as partículas de poeira foram o suficiente para afastá-las. Eu mesma mal podia fixar a visão. Tentei proteger meus olhos enquanto um disco voador lentamente aterrissava onde um prédio de 30 andares havia virado sucata, há poucos metros de mim. Luzes brilhantes e multicoloridas piscavam ao redor da nave, imensa e prateada. A visão era fascinante. Pensei em levantar e fugir, mas meus pés ficaram colados no chão.
Sem pressa, como nos filmes de ficção, a porta do disco voador foi se abrindo. Fiquei esperando que saíssem criaturas com três olhos e cabeças enormes, braços longos e pernas mais ainda. No entanto, nada aconteceu. Somente o silêncio imperava na minha cidade devastada.
Uma luz prateada com pontos dourados era a única coisa que saía da nave. Levantei-me. Mesmo sem ter forças, fui em direção ao disco, atraída por alguma força magnética. Tentei me segurar em alguma coisa, eu não queria ir para lá. Mas o magnetismo era maior. Minhas pernas se moviam por conta própria. Pela primeira vez eu consegui berrar, porém meus gritos não causaram efeito nenhum. Não havia sobreviventes na Terra. Eu era a Profecia. E a única coisa que eu queria era a minha vida de volta. Aquela mesma que eu reclamava todos os dias, o chefe chato, o colega fofoqueiro, o irmão pentelho.
A luz me puxava com força e eu me debatia. Subitamente me vi muito perto da entrada e mãos fortes me empurraram para o interior da nave. A porta se fechou com um estrondo terrível e eu percebi que o disco começou a se mover para cima, em linha reta.
Cobri minha cabeça com as mãos, com o rosto enterrado no piso frio. Uma campainha intermitente começou a tocar, ferindo meus ouvidos. Senti-me sacudida e virada para cima. Não queria abrir meus olhos. Eu não queria ficar frente a frente com os alienígenas.
De repente me vi encarando o irmão pentelho. O despertador tocava enlouquecido. Na sala, som de vozes. Na rua, lá embaixo, o barulho normal de trânsito. Nada de meteoros, fogo e disco voadores.
Um sonho de dimensões gigantescas.
- Tem algum prédio incendiando lá fora?
- Não.
- E nenhuma nave pousou aqui na frente?
- Até agora não - meu irmão me olhava como se eu tivesse bebido algo alucinógeno.
Suspirei aliviada. Meu sonho poderia render um filme, não é mesmo?