Os Ghulbts

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Acordei atordoado depois da noite mal dormida. Teria sido pesadelo? A última lembrança que persistia era a de estar numa ilha – eu e dezenas de mulheres... Qual seria, entretanto, a origem de tudo? Como eu havia chegado ali?

Levantei-me. Lavei o rosto. Olhei-me no espelho... Infelizmente, não estava em nenhuma ilha nem havia dezenas de mulheres ao meu redor, todas só para mim!

Aos poucos, conduzido a um passado aparentemente remoto, percebo-me no furor de estranha discussão:

– Entendo que a escolha dos ghulbts seja natural. Por que buscar explicações em ervas? Com o tempo eles se tornaram assim e pronto! – esbravejava eu para um amigo.

– Não é natural, não mesmo! – respondia meu interlocutor, impacientemente.

De repente, ele me surpreende:

– Você acredita em Telos, o nosso Deus?

– Claro! – respondi, de plano.

– Você acredita que tudo o que Ele faz é bom?

– Óbvio, meu amigo! Seja mais claro – aonde você quer chegar com isso?

– Se tudo o que Telos faz é bom e, em sendo bom, deve perpetuar-se, proponho a você, nobre amigo, um desafio! Aceitá-lo-ia?

– Proponha-o!

– Você viajaria para a ilha de Delphos levando dezenas de ghulbts-fêmeas. Deixá-las-ia lá e retornaria.

– E? – meu espanto parecia turvar-me a solidez da consciência. Meu amigo, percebendo minha inquietação, continuou:

– Noutra ilha, a ser definida, enviaria você e milhares de ghulbts-machos. Todos saudáveis, lépidos, serelepes, fagueiros, viçosos, em idade de reprodução... Do mesmo modo, você os deixaria lá e regressaria.

– E? – ansiava que continuasse. Afinal, o temor também nos exaspera a curiosidade da alma!

– E que todos, em cada ilha, fiquem isolados de tudo, por longos duzentos anos! Ao final desse período, mandarei meus melhores soldados resgatar os sobreviventes.

– Até lá estarão todos mortos! O povo de Ghulbt não vive muito mais que um Século! Duzentos anos é tempo demais! – esbravejei.

– É justamente essa a missão da descendência, meu caro! Se as mutações forem obras de Telos, como você insiste defender, os descendentes, que certamente haverá, perpetuarão nossa espécie, não parece razoável? E, no futuro, saberão que em algum momento passado nos preocupamos com as causas dessas mutações que ora nos aflige.

– Aceito a proposta, mas imponho uma única condição:

– Qual, meu ilustre amigo?

– Que numa terceira ilha permaneçam comigo milhares de ghulbts-fêmeas, todas saudáveis, lépidas, serelepes, fagueiras, viçosas, em idade de reprodução...

– Por que a preocupação?

– ...

Tornei do transe, sobressaltado. Joguei-me embaixo de forte ducha fria e me pus a imaginar: dezenas...

Nijair Araújo Pinto
Enviado por Nijair Araújo Pinto em 02/05/2013
Código do texto: T4271150
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