Dama das neves
Era um lugar engraçado, onde nas noites de inverno a floresta branca e mórbida parecia iluminar-se com uma luz intensa e fluorescente que a fazia reluzir como a mais bela coisa que eu já havia visto. Aquela cena me encantara por 18 invernos e provavelmente sempre me deixaria extasiado, pois foi em uma dessas noites que eu a encontrei.
Ela estava vestida de luz e seus cabelos coloridos espalhavam-se a sua volta, luminosos em meio a neve que a encobria, seus lábios tornaram-se azulados, a cor da morte.
Eu não sabia que tipo de criatura ela era, seu cheiro era como o eucalipto fresco misturado com algo mais intenso e maravilhoso. Algo que eu desconhecia e que, portanto, me fascinava.
Seus olhos cerrados, de cílios longos pontilhados de neve, tremeluziam como se ela estivesse sonhando, mergulhada em véus de Morfeu, embalada em cantigas de ninar que eu jamais conheceria.
Cingi seu esguio corpo vestido de nuvens de tempestade junto a mim, seu coração em orquestra solista, lentamente tamborilava uma penosa balada, e seus braços arrastavam-se pela neve deixando um rastro de serpente por onde passávamos, assim como seu vestido.
Carreguei-a por um longo tempo, enquanto uma tempestade formava-se no horizonte e aproximava-se, cada vez mais perigosa e próxima. Eu precisava encontrar um abrigo, a vida dela dependia disso.
Levei-a para uma caverna que em várias ocasiões me servira de abrigo e me protegera dos dedos frios e pálidos da dama de negro, que possui uma adaga prateada presa a cintura. Soltei-a no chão, sob um montículo de galhos e folhas que algum grande animal havia feito para manter-se aquecido, dias atrás.
A luz que descia multicolorida do céu, tocando a neve com dedos de fantasia iluminava o rosto daquela criatura grande talhada da mais pura porcelana. E como porcelana, ela claramente poderia quebrar mais facilmente do que aparentava, e sua pele, aquecer-se-ia com o toque.
Estirei-me a seu lado, colocando meu corpo junto ao seu para aquecê-la. Aquela criatura banhada em luz fluorescente me fascinava, eu poderia observá-la para sempre, enquanto a lua crescente brilhasse no firmamento.
Na claridade efervescente, vaga-lumes dançavam na noite, como se pequenos flocos do céu estivessem caindo e derramando-se sobre a neve cinzenta. Mas aquilo não me assustava. Aquela sempre fora minha época preferida do ano, pois o mundo parecia envolto em magia, e a magnitude dessa obra divina era mais perceptível em momentos como esse.
A ninfa de gelo mexeu-se suavemente abaixo de mim, seus pequenos lábios arroxeados abriram-se em um singelo som angustiado, seu corpo, coberto por uma fina camada de água, encolhera no tempo em que estive observando as luzes mutantes ascenderem na escuridão. Ela estava derretendo.
Desesperado, arrastei-a para fora da caverna. Do alto, a neve começou a cair, lentamente cobrindo tudo a nossa volta com pequenos flocos de esperança. Afastei-me para observar abismado, um brilho cinzento quase imperceptível rodeava seu corpo que lentamente se recompunha conforme a temperatura caia.
Eu queria permanecer ao lado dela, ser a primeira criatura que ela visse quando aquelas pestanas finalmente se abrissem para o mundo, não importando quanto tempo levasse.
Juntei todos os galhos e folhas que pude reunir e fiz uma espécie de ninho próximo a ela, para que pudesse observá-la enquanto navegasse pelas encantadas terras do mundo dos sonhos. Eu não queria adormecer, mas lentamente meus olhos foram fechando-se de cansaço.
Quando acordei um brilho palidamente dourado tingia tudo a minha volta, mas ela não estava mais lá. O formato de seu corpo ainda gravado na neve era o único vestígio de sua existência.
Em desespero procurei-a por toda parte, mas não havia qualquer sinal dela, eu a perdera pra sempre, a minha dama das neves, partira.