A Guilda dos Caçadores - Capítulo 4

Sentia a cabeça pesada e dormência nos membros, tudo estava escuro ao seu redor, a pouca luz que entrava no velho galpão vinha principalmente da janela que ficava no alto da parede a sua frente. "Eles sabem que eu tenho a outra metade, se não, já estaria morto".

Tinha os quatro membros amarrados firmemente a duas grossas vigas de madeira que sustentavam o teto, de modo que era difícil ficar em pé sem forçar as cordas contra suas articulações. Seus pulsos ficaram em carne viva após várias tentativas de manter-se em uma posição "confortável", se é que isso era possível. Estava sem sua fina cota de malha ou sua cobertura de couro fervido, o frio golpeava-lo e sentia arrepios percorrer todo o corpo. Cerca de uma hora se passou após despertar quando a porta á suas costas abriu com um forte rangido que ecoou pelas paredes. Pelo som dos passos contou três pessoas, estava debilitado mas mantinha a mente aguda e atenta a qualquer coisa que seus sentidos captassem.

Sua visão acostumou-se com a iluminação e reconheceu Kalidú em meio aos seus dois guardas parados a sua frente. O gêmeo da direita deu forte soco direto em seu estômago fazendo-o arquejar, lutava para devolver o ar ao seu corpo mas um vazio formava-se e roubava seus sentidos. Não sendo o bastante, o da esquerda deu outro forte soco, porém tendo como alvo seu olho esquerdo que rapidamente começou a sangrar obstruindo sua visão. Sua cabeça pendeu e sentiu o mundo girar a sua volta.

- Hahaha! Senhor Powling, o caçador novato. Azimute não o treinou bem ãhm? - Quando se era recrutado para a Guilda dos Caçadores cada aluno recebia um mentor, um caçador já formado, geralmente de primeira classe. Powling fugindo a regra fora treinado por Azimute, um caçador de quarta classe, grau considerado elevado dentro da guilda.

- Não sei como me descobriu, mas de mim não vai conseguir nada! - Estava mentalmente preparado para o que viria a seguir, caçadores eram não só treinados para caçar e matar como também para resistirem a torturas. A dura seleção para se entrar na renomada guilda escolhia em média um candidato em cem, e guardar um segredo que era contado no começo da seleção era um requisito posto a prova constantemente.

- Veremos nobre caçador, veremos - Mandou seus capangas apertarem mais as cordas dos braços de Powling, então sacou sua maça de guerra e começou a gira-la ferozmente - Filho, serei objetivo. Onde está a outra metade do mapa? Não adianta falar que não está com você, tenho olhos nas florestas bravias e sei que pegou ela de um de meus capangas.

Powling manteve-se em silêncio olhando para o chão, com a cabeça atormentada pelas dores dos pulsos e do olho sangrando. Kalidú pegou em seus cabelos e puxou rudemente sua cabeça para cima, sem parar de girar a hedionda maça de guerra na outra mão.

- Vamos, não tenho o dia todo - Largou a cabeça de Powling que pendeu jogando sangue proveniente do supercílio cortado no chão. Apontou com mão para o meio das pernas dele - Diga onde está, ou nunca mais será reconhecido como homem.

O silêncio perdurou mas a paciência de Kalidú esvaiu-se. Inclinou-se para a direita jogando o braço para trás, preparando para dar um golpe para onde havia apontado. Porém a coreografia foi interrompida por um chiado de ar sendo cortado por algo veloz, e uma ponta afiada de metal brotou da garganta do gordo salteador. A maça voou quando seus dedos relaxaram em volta do cabo, batendo em uma das paredes onde ficou presa, ambos gêmeos sacaram suas espadas tentando entender o que havia ocorrido ao seu chefe. Encostaram-se de costas um para o outro, girando e procurando o inimigo invisível, foi então que Powling deslumbrou mais uma flecha em velocidade atravessar a janela na parede a sua frente, abrindo caminho no olho do gêmeo de frente para ela.

- Filho da puta! Mas que merda é essa? - Seu irmão jazia morto aos seus pés, o terror tomou conta de sua mente, largou sua arma e desatou a correr em direção a porta que abriu com violência quando recebeu uma forte trombada.

Tudo que Powling ouviu após isso foi outra flecha em voo e um grito, interrompido pouco depois pelo som de aço rompendo carne. "São salteadores de salteadores? Não, isso não faz sentido." Sua mente ainda trabalhava tentando entender o que acabara de ocorrer quando uma sombra formou-se a sua frente. "É agora, morrerei aqui mesmo".

- Tomaria mais cuidado por essas terras se fosse você - Powling achou aquela voz familiar. "Não, não pode ser ela". Quando as cordas que prendiam-no foram cortadas, equilibrou-se nas bambas pernas virando-se para trás, vislumbrou uma figura de longos cabelos pretos. Suas suspeitas foram confirmadas. Era a mesma moça que havia informado o local do Clube Vermelho, só que em vez dos panos grosseiros trazia cota de malha e couro fervido, traje igual ao que Powling usava.

Saiu do galpão em busca de ar fresco e luz do sol, repousando um tempo sob o calor para recuperar-se do turbilhão ocorrido e alongar as rijas articulações doloridas. A mulher saiu também, sentando-se em uma grande pedra e pegando outra menor do chão para afiar sua karambit.

- Espere um pouco. Você é mesmo uma caçadora?

- É tão difícil acreditar? Ou acha que roubei essa roupa e armas de alguém?

- Não, não é isso. É só que ... você agora a pouco era uma vendedora, e é ... mulher. Aliás, como se chama?

A caçadora soltou uma breve risada, após o que pôs-se de pé guardando sua karambit.

- Me chamo Lory. Concordo que é difícil encontrar caçadoras por aí. Me passei por homem na seleção da minha vila, Numlock, fui a melhor do grupo. Revelei ser mulher após ser aprovada, houve certa relutância de alguns, mas minha habilidade falou mais alto.

- E por passar tão bem disfarçada na seleção, foi enviada em missões de infiltração não é?

- Exatamente, jovem caçador - Powling não gostou muito de ser tratado como um novato - Estava já a um tempo atrás de Kalidú. Minha missão era dar fim a ele. Enquanto ele trazia você para esse galpão velho revistei seus aposentos e encontrei isso muito bem escondido - Ao lado de sua aljava trazia uma sacola de couro, quando abriu-a tirou de dentro a preciosa metade do mapa que antes estava em poder de Kalidú.

- Chegamos a um impasse.

- Na verdade não, sei que você está com a outra metade mas, somos da mesma guilda, apenas de batalhões diferentes. Poderíamos nos juntar e procurar juntos pelo tesouro.

- E você ficaria com metade dele?

- Não me interesso pelo ouro. Apenas quero ser lembrada por achar a fortuna de Nudge I. Pode ficar com tudo - Nesse momento entregou a metade a Powling - Além disso, você me deve uma.

- Bem, uma boa ajuda é sempre bem-vinda - Powling sabia que era praticamente impossível ir em busca do tesouro sem nenhuma ajuda, e igualmente difícil encontrar ajuda de uma caçadora tão habilidosa sem fins lucrativos com a caçada.

Tomou um tempo para examinar a metade em mãos. O tubo tinha um diâmetro bem menor do que sua semelhante e possuía o mesmo mecanismo de sete rodas com letras, Powling logo que começou a observa-la olhou em suas bases porém nada havia escrito. "É claro que não tem nada escrito, a palavra-chave está dentro dela".

- Vamos ver se essa coisa velha ainda funciona - Com certa dificuldade rodou o mecanismo até formar a palavra "blizzar". Quando a ultima letra encaixou no lugar o tubo soltou um estalo de peças destravando-se e duas alças surgiram em cada base. Powling segurou ambas e puxou, e o cilindro abriu-se em duas metades. Dentro havia uma espécie de chave de prata ornamentada em cuja lateral estava escrito "sleutel". "Literalmente palavra-chave, ou uma chave com uma palavra". Lory impressionou-se com a maquinaria do artefato.

- Então essa é a chave para abrir o mapa.

- Segundo se diz, é sim - Powling lançava longos olhares para Lory.

- E aliás, o que fará com o tesouro?

- Pretendo ajudar minha vila. Ela foi destruída quando eu ainda era pequeno por um ataque de salteadores. Perdi meus pais naquele dia - As memórias do ataque ainda pairavam em seus sonhos.

- Sinto muito, também perdi minha mãe quando era pequena.

- Já faz muito tempo. Bom, queria descansar antes de pegar a outra metade, tudo bem pra você? - Esperava ganhar tempo para firmar sua confiança em Lory com isso, além de que estava realmente muito cansado.

- Tudo bem. Não sendo no Clube Vermelho está ótimo! - Um tímido sorriso brotou em sua bonita face.

Lory entrou na vegetação ao fundo do galpão e trouxe outra sacola de couro, de dentro tirou os itens que tinham tirado de Powling. Após os itens serem restituídos, foram para uma estalagem na margem da cidade, ao chegarem a lua já estava alta. Depois de lavar-se em uma casa de banho, Powling sentiu-se extremamente cansado, como se não dormisse a dias. Teve os ferimentos cuidados por Lory que os tratou com ervas. Pagaram quartos separados e após uma minguada conversa dirigiram-se aos seus humildes aposentos.

Enquanto deitava, Powling divertia-se em sua mente com a ideia de ir a procura do tesouro no dia seguinte. "Mas não estou feliz só por causa disso. Será que estou apai...melhor ir dormir". E forçou-se a não pensar mais nela, mas viu-se infeliz em tal tarefa.

Gabriel Freitas
Enviado por Gabriel Freitas em 30/04/2013
Reeditado em 30/04/2013
Código do texto: T4267591
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