FANTASIA

O sol ainda não havia despontado. Saltou da cama, afastou as cortinas e abriu os braços. O mar lambia os alicerces da casa e explodia em ondas de gozo. O som mal chegava a seus ouvidos, devido à altura da casa. Na linha do horizonte, a luz alaranjada formava uma grande bola, metade céu, metade mar. Respirou fundo. Voltou-se para o leito. A amada dormia, com a coxa de fora dos lençóis de cetim. Sorriu lembrando cenas da noite. Era uma gata esfomeada, mas ele sempre tinha o alimento necessário, até ouvi-la dizer chega. Fechou as cortinas.
No closet, escolheu o terno preto Kiton, confeccionado pelo mestre-alfaiate chamado da Itália especialmente para isto; gravata e camisa de seda, sapatos Berlutti e dirigiu-se ao banheiro.
Ao sair, foi à parede-espelho do quarto e contemplou-se. O sorriso largo era de admiração, como se fosse a primeira vez que se via em tal elegância. Imagens de homem, semelhantes a ele, iam e vinham em relâmpagos. Procurou afugentá-las. Este sim era ele, este sim era o homem, sucesso da cabeça aos pés
Deu mais uma olhada na mulher que dormia. Sobre o penteador, os diamantes brancos do pequeno fraco do perfume Imperial Majesty N°1 piscaram. Era um chamado. A luxuosa fragrância, obtida por encomenda, era um agrado que seu corpo merecia.
Fechou a porta do quarto com cuidado e desceu a escada, sem qualquer som, passos abafados pelo macio tapete. Dos lados, as pérolas e os filetes de ouro refletiam luzes, iluminando o caminho.
Deu uma olhada na cozinha, onde havia movimento dos empregados, e saiu para garagem. Olhou para as duas mais recentes aquisições e vacilou. Qual dos dois? A Ferrari 599XX, vermelha, era tentadora. Passou a mão no retrovisor, numa carícia, e voltou-se para o Bagatti Veyron Supersport preto, com o rodado e a base amarelos. Parecia irreal, uma nave, um veículo interplanetário. Escolha feita. A máquina realmente valia seu peso em ouro.
Deu voltas pelas alamedas do jardim. No canil, escolheu o Rottweiler de maior porte, acomodou-o no banco traseiro, e ganhou a rua. Não tinha destino. Só, sem seguranças a importuná-lo, sentia-se livre. Pensamento na mulher, nos filhos, nas empresas, nos aviões, nos iates e na grandiosidade que seu nome impunha, enquanto pegava a autoestrada, sem destino. Tão somente o prazer de voar no bólido preto, deixando as árvores correrem apavoradas, enquanto riscava o chão. Sentia vontade de gritar: o mundo é meu, sou o maior, o mais importante, o senhor dos senhores, enquanto pisava mais fundo.
Então, o asfalto incomodou-se, a curva entortou-se mais e a árvore completou a vingança.
Ficou tempo desacordado. Sem pernas, sem braços, o corpo amassado nos ferros retorcidos, o sangue escorrendo, quente, a vida esvaindo-se.
Uma lambida molhada, o fedor do cusco e os latidos fizeram-no abrir os olhos. Deu risadas estridentes, chamando a atenção dos transeuntes. Mexeu braços, pernas, endireitou-se, ficou de pé, sacudiu os trapos. Olhou para o cão companheiro que participava da alegria.
– Pompom, preciso parar com estas fantasias – disse o homem.




MADAGLOR DE OLIVEIRA
Enviado por MADAGLOR DE OLIVEIRA em 27/04/2013
Reeditado em 27/04/2013
Código do texto: T4262571
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