Tempo
“O barulho aproximava-se ‘O crocodilo está chegando’; este pensamento impregnava o ar como um óleo.”
(J. M. Barrie)
Tic-toc, tic-toc, o som do relógio deixava o velho pasmo, sem reação, o tempo passava lentamente, tal como uma lesma atravessando um asfalto quente.
- Ele está vindo! Está vindo!- o velho falava baixo, seu sussurro se espalhava pelo ar, mas ele devia falar mais baixo, senão... Senão aquela coisa podia escutar.
A sala onde o velho estava era de uma escuridão total, um silêncio mortal deixava a situação ainda mais tensa, ele não tinha boa audição, mesmo assim ele ainda escutava o tic-toc soando sala adentro.
TUM! TUM!
-Filha? É você? - Não, não era a filha dele, ela não poderia, não deveria estar naquele lugar.
TUM! TUM!
As paredes começaram a tremer, uma vibração estranha, amedrontadora. O velho tossiu, pó de reboco entrara nas suas vias respiratórias, as velhas paredes pareciam não aguentar mais nada, nem mesmo o teto... Teto? O velho olhava para o alto, não via nada, a não ser escuridão.
- Não! Você não! - Os sussurros temerosos pareciam atrair o ser que tanto se chocava com as paredes, enquanto isso, o barulho do tic-toc aumentava gradativamente.
CABRUM!
A parede ruiu facilmente. Uma luz forte entrou na sala antes escura. Um crocodilo sujo de pó de reboco surgiu vagarosamente pelo buraco iluminado, ele olhava diretamente para o velho. Seus olhos estranhos, quase humanos, olhavam com compreensão, pena e sabedoria para o homem acuado no fundo da sala.
Tic-toc... O som aumentava enquanto o crocodilo se movia... O som emanava do animal.
Então a fera abriu boca, o velho forçou seus olhos gastos para ver melhor, então ele conseguiu ver, próximo a garganta, um pequeno e gasto despertador, que apesar de tudo soava alto perante a sala com seu teto infinito... Tic-toc
- Tem de ser agora? - perguntou o homem idoso, parecia agora uma criança fazendo um pedido a alguém mais velho.
Os olhos do crocodilo responderam com sinceridade e sabedoria. Era a hora.
- Tudo bem - O velho fechou os olhos, esperava que não doesse muito, uma pequena lágrima rolava agora pela maçã de seu rosto, sua filha...
Não doeu.
***
A sala de espera estava quase vazia, apenas ela estava lá, os outros parentes estavam dormindo ou lanchando. Já quase começava a cochilar quando a porta se abriu, um médico saiu dela com o rosto cansado.
- Senhora Roiz? - perguntou o médico.
- Sim - sua voz era embargada de esperança e até de saudades de algo que ainda não havia perdido, ainda...
- Bem... Tentamos de tudo, mas seu pai não suportou, sinto muito.
A filha se sentou na cadeira, expirou um pouco de ar, demorou um pouco para as lágrimas começarem a sair, lenta e copiosamente. Entre os soluços a filha escutou um estranho som, um despertador... O soar de um despertador.
- Que barulho é esse? - ela perguntou ao médico.
- Me desculpe, senhora? Escutou alguma coisa? - O médico achou aquela pergunta muito estranha...
TRIMM!TRIMM!
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