A Ponte (Parte final)
Capítulo X
O reencontro com Lúcia se deu na empresa no dia seguinte, era inevitável, as duas ficaram um pouco acanhadas uma com a outra, mas procuraram trabalhar e agir com se tudo estivesse normal. Na hora de ir almoçar ela procurou por Lúcia, para irem juntas, mas a amiga já havia saído. Ficou triste e foi almoçar em casa. Ao chegar no apartamento Ernestina avisou que sua amiga Ana Maria havia ligado e pedido para ele entrasse em contato, porque estava com saudade. Não sabia o que fazer, pois não se recordava nenhuma amiga, falou com a empregada que disse ser Ana Maria uma antiga colega dela da faculdade. “-Não se lembra?”, questionou Ernestina curiosa. Ela disfarçou e disse que ligaria mais tarde.
A noite passada com Lúcia não lhe saia da cabeça. “Será que o que fizeram era tão errado assim?”. Sentia muita a falta da amiga que nos últimos dias tinha estado tão junto dela, ela lhe dava segurança, seria uma pena perder a amizade, Se ela não quisesse mais fazer o que fizeram naquela noite, tudo bem, mas sumir assim, acabar assim, ela não aceitaria sem conversar de novo, pelo menos. Assim pensava enquanto tomava um banho e depois almoçava. Depois de se alimentar foi para seu quarto, tirou a roupa e ficou na varanda perdida em pensamentos olhando o céu. Dali ninguém poderia vê-la e ela podia ver a praça e os carros em baixo.
Muitas coisas ainda não se encaixavam em sua mente, aquela ponte estranha continuava sendo sua lembrança mais antiga, por mais que procurasse conhecer e entender as pessoas a sua volta. Agora essa amiga de faculdade que não se lembrava, aliás, sequer se lembrava de ter estado em uma faculdade, mas estava se saindo bem na empresa, claro que lá todos parecia, ajuda-la, mas se sentia capaz de tocar o negócio deixado por seu pai, do qual também não se lembrava a não ser pelas fotos que tinha. Ouviu os passos de Ernestina e vestiu um roupão, ela viera se despedir apenas. Voltou a ficar nua e sentada na varanda. Seus tios também a preocupavam, todos diziam que sua família não iria acreditar que seu tio teria roubado a empresa e iriam fazer pressão contra ela, mas já se passara um mês e não havia acontecido nada, ninguém aparecera depois que mandou os tios saírem de sua casa.
Sabia que duas tais avós ainda estavam vivas, as vira em fotografias que estavam entre as coisas que recolheu do quarto de seus pais, talvez elas a procurassem para saber o que houvera, mas até agora nada e isso a angustiava. “Lúcia, como seria bom se estivesse comigo” pensou. Ia nestes pensamentos quando o telefone tocou. Correu para atender no quarto mesmo, em princípio ninguém respondeu ao seu “alô”, insistiu, era Lúcia, parecia estar chorando. “Posso te ver?”, perguntou. “Claro respondeu ela aonde quer ir?” Disse Gabriela. “Está sozinha?” Perguntou a amiga. Com a confirmação disse que iria dar uma passada por lá para conversar. Ficou feliz com o telefonema e foi logo procurando uma roupa para esperar por Lúcia, embora preferisse ficar como estava, nua.
Pouco depois o interfone tocou, era Lúcia que chegava no prédio. Foi aguarda-la com a porta já aberta. Estava ansiosa por vê-la. Lúcia chegou e elas se abraçaram emocionadas, ambas choraram. “Senti saudade de você”, disse Lúcia, e ela confirmou que também sentira muito sua falta. Entraram abraçadas na sala, Lúcia pediu desculpas, mas que estava muito confusa com seus sentimentos e se sentia culpada, mas não sabia de que. Ela também estava confusa, mas disse que sentira muito, sua falta e que sua amizade era muito importante para ela. Lúcia também a considerava muito como uma grande amiga. Terminaram se abraçando e com um grande beijo.
Capítulo XI
Os dias passavam e ela ia ao escritório pela manhã e lá ficava até o almoço, que saia co Lúcia, almoçavam em sua casa ou em um restaurante. Lúcia voltava a empresa ela em casa esperava a amiga, agora um pouquinho mais do que amiga, que por volta das cinco horas da tarde chegava, às vezes saiam para jantar, outras mandavam vir alguma coisa e comiam em casa mesmo. Lúcia nunca ia embora antes das onze da noite, morava próximo, mas muitas vezes ela levava a amiga até em casa. A filha de Lúcia, Carolina gostava dela e se davam bem, embora nada soubesse ainda do que existia entre ela e sua mãe.
Naquele dia, já estava escuro e ela e Lúcia faziam um lanche. Quando a amiga perguntou pelo telefone celular de Gabriela. “Não sei”, respondeu um pouco assustada, nunca havia pensado nisto, desde aquele dia na ponte. “Acho que perdi”, falou. “Não tentou ligar para ele?", perguntou Lúcia. “Esqueci o número”, respondeu um pouco encabulada. A amiga tirou o seu celular da bolsa e procurou na agenda. “Aqui está vou ligar e vamos saber logo”, disse sorrindo. Ela sorriu também, mas preocupada. Logo um som abafado de celular se ouviu no quarto onde ficava o computador. “Acho que você perdeu em casa bobinha” falou Lúcia. E ambas foram atrás do som. Logo encontraram dentro de uma gaveta, que ela, por esquecimento não via mexido. Lá estava o aparelho. “Que bom”, disse para a amiga. Pegou o aparelho e o atendeu, mandando um beijo para Lúcia através dele. Ambas sorriram muito e se abraçaram com doçura.
Naquele dia Lúcia chegou em casa, sua filha já dormia há muito tempo era já de madrugada e ela estava muito feliz. Gabriela em casa buscava informações no celular que encontraram, agora que estava sozinha. Descobriu muitos nomes e números que não lhe diziam nada, apenas os da Lúcia mesmo, de seu tio, e de outros funcionários da empresa. Nas últimas ligações recebidas constava uma de seu tio, que não vira desde o dia em que pusera e ele e sua esposa para fora de sua casa, há duas semanas. Outras, não sabia de quem era. O dia já começava a clarear, quando decidiu largar o celular e dormir.
Acordou com Ernestina chegando, perdera a hora que se impusera para ir ao escritório. Tomou um banho e se alimentou rapidamente, sob os protestos da empregada, que queria que ela comesse mais devagar. “Comer assim faz mal, menina”, zangou-se Ernestina. Pediu ao porteiro que a levasse de carro até a empresa, mas chegou, já todos estavam lá, passava das nove e meia. Assim que entrou em sua sala, Lúcia veio vê-la. “Pensei que não viesse hoje”, falou sorrindo. “Quero levar isto aqui a sério”, respondeu e levantou-se para abraçar a amiga. Durante o expediente, entre documentos para assinar e outras para ler, se decidiu a contar, naquele dia mesmo, para a amiga sobre sua amnésia, quase total, e que estava lhe angustiando e vinha causando sérios problemas. Precisa dividir isso com alguém e concluiu que a amiga era a melhor pessoa, para lhe compreender.
Almoçaram juntas em um restaurante, próximo ao prédio do escritório. Durante a refeição ela flou para amiga que tinha uma coisa muito importante que precisava dividir com ela. Lúcia ficou curiosa e preocupada. “Não pode me adiantar nada?", falou. Explicou que era algo em sua cabeça, nada de doença ou coisa ruim, mas que a angustiava muito e precisa falar, mas seria necessário algum tempo. Lúcia resolveu ligar para filha e pedir que ela fosse para casa da avó, pois precisava resolver assuntos importantes e dormiria em casa naquela noite. A menina adorava ir para a avó, e opôs nenhum argumento à mãe. Gabriela estava tão ansiosa que não voltou para casa, ficou na empresa, e esperou Lúcia para que fossem juntas.
Capítulo XII
Depois de fazerem um pequeno lanche foram para o quarto de Gabriela sentaram na varanda, e ela começou a lhe contar sobre o total esquecimento de seu passado. “- Minha memória começa naquela ponte estranha, nada mais me lembro”. A amiga a ouviu preocupada. “- Por isso mudou sua assinatura?”, perguntou, e ela confirmou, “- Não lembro sequer de minha infância”, e começou a chorar sendo consolada pela amiga. “Talvez você devesse procurar ajuda médica, uma psicóloga o que acha?” Gabriela concordou, mas disse que sentiu fisicamente muito bem, porém angustiada, e sempre preocupada com o que ou quem iria encontrar, a cada minuto. Lúcia disse compreender o que sentia e se comprometeu a ajuda-la.
“- Minha família é quem mais me preocupa, amiga”, disse entre lágrimas. Lúcia garantiu que ela havia agido muito bem em relação a seu tio, mas que estranhava a falta de reação do resto de sua família. “-Você tem mais duas tias que moram em outras cidades, mas já devem saber que Artur foi demitido por você, e posto para fora de sua casa. E aquela Andréia a mulher dele é fogo, deve estar planejando alguma”, contou-lhe. “Preciso me consultar com um médico de confiança, e que não comente nada com ninguém, podem usar esse esquecimento para me prejudicar”, disse Gabriela. A amiga concordou, mas falou-lhe que tinha uma amiga psicóloga, muito competente e de estrita confiança, que ela poderia, e deveria procurar logo.
Resolveram no dia seguinte ela iria procurar a tal psicólogo e iriam juntas, e que ficariam juntas a maior parte do tempo que fosse possível. “- Carolina está de férias e vou deixa-la viajar com o pai, assim... se você me quiser posso me mudar para cá”, e sorriu encabulada. “- Pôxa será ótimo, amiga quando virá?”, entusiasmou-se Gabriela. Acertaram que logo que Carolina viaja-se dentro de dois ou três dias, Lúcia se mudaria para o apartamento de Macia. “Você precisa tomar algumas precauções. Não atenda telefone e diga a Ernestina para não deixar ninguém entrar aqui, sem que eu e você estivermos”. Recomendou. Gabriela concordou com a amiga.
Depois de muito conversar forma navegar na internet até quase madrugada, enquanto bebiam uma garrafa de vinho branco, e comiam biscoitos com patê. Entraram em sites, que falavam da beleza e da suavidade do amor entre mulheres. O que as estimulou a dormirem e se amarem com uma intensidade que jamais haviam feito. Gabriela se sentiu aliviada por ter enfim desabafado sua preocupação e logo com quem, sentia amar profundamente e era correspondida. Lúcia sentia na sinceridade da amiga que lhe confiara tão importante segredo, um amor e confiança que a faziam chorar de felicidade.
Ao acordarem resolveram não ir ao escritório para cuidar de encontrar a psicóloga e pedir seus conselhos, além de outros médicos para que Gabriela fizesse um check-up completo. Ernestina não estranhou a presença de Lúcia quando chegou, já estava a nos últimos dias a vê-las acordarem juntas, e mesmo com idade podia perceber pelo estado em que ficava a cama de Gabriela quando Lúcia dormia lá, que eram mais do que simples amigas. Embora não aprovasse esse relacionamento de sua menina com outra mulher, gostava de Lúcia, e procurava relevar e não pensar muito no que faziam ou deixavam de fazer. Depois que elas saíram, mais uma vez pode ver o estado do quarto do computador e do quarto grande, onde a menina dormia agora. “- Esta noite a festa foi de arromba”, falou consigo mesma a empregada, que sentia uma grande mudança na sua menina nas últimas semanas. “Em tudo para melhor, menos para essas sem-vergonhices, há se dona Mara estivesse aqui?”, pensou Ernestina alto, lembrando-se da mãe de Gabriela.
Capítulo XIV
Após telefonarem foram logo cedo, ao consultório da psicóloga amiga da Lúcia. Seu nome era Cíntia e aparentava ter trinta e poucos anos, baixinha. Gabriela contou seu problema, sem rodeios, Cíntia pediu para que Lúcia aguardasse na recepção, e ouviu Gabriela por mais de uma hora contar sobre sua amnésia total e sobre a ponte, sua mais antiga memória, “-Sabe aonde é esta ponte?”, perguntou a especialista. “Não, nunca mais a vi, e tenho procurado pela cidade toda, não existe a tal ponte fechada em lugar algum”. Cíntia ouviu e não fez mais nenhum comentário, apenas sorria e acalmava Gabriela que chorava. Chamou Lúcia e aconselhou às duas que fizessem um exame de DNA, para comprovar logo que houver qualquer dúvida, por parte da família de que Gabriela era Gabriela mesmo. Marcada nova consulta para dali a dois dias à tarde. As duas amigas saíram à procura de médicos para fazer os exames e agora mais esse de DNA.
Na clínica que procuraram após exames preliminares o médico garantiu estar Gabriela gozando de perfeita saúde, mas prescreveu exames completos, como foi pedido pelas duas amigas, quanto ao DNA precisariam de alguma coisa de seus pais, como fios de cabelo, por exemplo, para a comprovação, o que seria difícil conseguir, já que estavam mortos. “- Mas minhas impressões digitais são as mesmas, posso provar quem sou”, disse para Lúcia, que concordou com a amiga. Saíram da clínica e Gabriela lembrou-se do bilhete assinado por ela mesma que encontrara no primeiro dia. Resolveram voltar para casa e rever este papel antes de almoçar.
O bilhete falava de uma imagem que ela havia visto, da ponte e de mudança de vida. “- Deve mostrar isso para Cíntia, não acha?”. Disse Lúcia e Gabriela concordou. O interessante é que no bilhete havia a antiga assinatura da Gabriela e que ela não sabia mais fazer, sua letra mudara. “-Interessante é esta imagem que você diz ter visto e que poucos acreditariam em você”, ponderou Lúcia. Gabriela respondeu que não se lembrava de nada disso, nem tão pouco de ter escrito este bilhete, e lhe contou de como havia chegado em casa através de um papel preso na chave que encontrou no bolso da saia, junto com sua carteira e seus documentos. “Muito misterioso tudo isso, não acha?” Disse Lúcia e Gabriela concordou.
Após o almoço, sentadas na cama, Gabriela pegou o celular e mostrou os números que haviam ligado para ela. “- Veja se reconhece algum”, pediu à amiga. Lúcia reconheceu o primeiro como sendo do ex-namorado de Gabriela. “- Este é de Eduardo seu ex”, falou com um que ciúmes no olhar. “- Ora amiga não sei quem é, e nunca vi mais gordo”, respondeu Gabriela. Outros reconheceu como sendo de seu tio, que Gabriela já sabia e outro que parecia ser de uma de suas tias. “- Pena que não podemos saber de quando foram esses telefonemas, mas deve ter sido dos dias em que telefone estava perdido, pois não há nenhuma ligação feita por você na memória”, disse Lúcia. “- Pode ser, uma vez pelo menos, eu pensei ter ouvido um telefone tocando, muito longe, pode ter sido ele”, respondeu.
Conversaram ainda um pouco, e Lúcia resolveu ligar para o escritório e ver com estava andando o serviço lá. Constatou que tudo estava indo bem, sem problemas, apenas que no dia seguinte haveria trabalho em dobro para ela. “- Precisamos resolver isso Lúcia, não quero mais ficar nem um só minuto sem você aqui em casa, quero que saia junto comigo do escritório. Não há ninguém que possa delegar poderes na sua ausência?”, perguntou Gabriela. Lúcia respondeu que dependia dela decidir. “- Converse com Rui, ele merece uma promoção, coloque-o no lugar do seu tio, aí posso sair quando quiser e tranqüila”, pediu. Gabriela respondeu que no dia seguinte resolveria isso.
Capítulo XV
Já escurecia e Ernestina já havia saído, quando o telefone fixo, que há dias não tocava, chamou. As duas se olharam, apreensivas e Lúcia atendeu, enquanto Gabriela pegava a extensão com cuidado Era a tia Mara, esposa de Arthur o tio demitido. Lúcia informou que Gabriela estava no banho, se poderia deixar o recado que transmitiria, logo que ela saísse. “Diga a aquela mal-agradecida que não esqueci do que ela nos fez não, e que vai pagar caro ainda, e não adianta ficar aí protegendo a coitadinha Lúcia, que sua hora também chegará”. Gabriela se enfureceu e respondeu a tia, com toda a fúria que conseguira. “- Venha falar na minha frente sua vagabunda, que te faço engulir cada palavra, sua vaca...” Lúcia ficou espantada com a reação repentina da amiga, a tia ainda respondeu alguma coisa que Lúcia não ouviu e Gabriela continuou a ofender pesado a mulher, que ao que parece se assustou também com a reação. Tanto ela, quanto Lúcia jamais imaginaram, que a meiga Gabriela, um dia usasse daquelas palavras para com alguém, quanto mais de sua família, principalmente.
Depois de acabada a ligação, Lúcia disse da surpresa com a reação da amiga. “-Nunca pensei querida, que você tivesse este tipo de reação”, falou assustada. “- Desculpe Lúcia, mas minha paciência com esta mulher é zero, só preciso que você me diga quem são as pessoas, tenho certeza que sei me virar, com qualquer um, sem medo, amiga”, respondeu Gabriela. Lúcia aproximou-se dela e a beijou com sofreguidão. “- Estou cada vez mais apaixonada por você Gabriela, tudo em você me atrai de uma maneira incontrolável, me sinto protegida, é estranho sou quinze anos mais velha, e com todos os seus problemas, eu é que me sinto protegida”, e sorriram juntas.
Abraçadas as duas amigas foram para a sala assistir televisão. A programação as entediou e ainda era cedo. “Vamos sair um pouco”, propôs Gabriela. “Nunca sai com você à noite, será que não haveria um lugar onde poderíamos ir sem nos incomodar, ou melhor, sem que nós incomodemos aos puritanos? Perguntou. "Tem um pequeno restaurante fora da cidade que soube é freqüentado por gente... Como nós, gls, podemos tentar, o que acha?”. Gabriela concordou, prontamente, e foram se arrumar no quarto.
Com Lúcia dirigindo chegaram rápido ao tal restaurante, muito discreto. Na entrada um rapaz as atendeu e levou o carro para o estacionamento e um porteiro de uniforme vermelho as conduziu até ao interior. A primeira vista que tiveram as surpreendeu. Perceberam muitas duplas femininas juntas, com que namorando, mas rapazes também, embora em menor número, namoravam aos abraços e beijos. Foram conduzidas a uma mesa vaga e atendidas por um rapaz, muito delicado, que lhes apresentou o cardápio. Escolheram pizza e vinho que não demorou a serem servidos. Perceberam que ninguém se importou com a presença delas e entraram no clima, comendo bem juntinhas e trocando um beijo a cada garfada.
Chegaram em casa já era mais de meia-noite, exaustas, mas felizes. Haviam encontrado o local ideal para suas noites, boa comida, bom vinho e total liberdade. “- Vi algumas pessoas conhecidas lá, você não percebeu?”, perguntou Lúcia. Gabriela sorriu cansada e respondeu que não poderia reconhecer de nenhum modo. “- Apenas tive olhar para você, querida”. Lúcia lhe contou que até uma menina que trabalha no escritório estava lá, com uma namorada. “-Mas, tenho certeza que não nos viu”, assegurou. “Além disso, duas advogadas famosas, que ninguém poderia desconfiar, estavam lá”, completou. “- Assim como nós”, respondeu Gabriela, sorrindo muito.
Capítulo XVI
Alguns dias se passaram, Gabriela e Lúcia passavam, praticamente o dia todo juntas, pela manhã na empresa e depois em casa ou na rua juntas. O Sr. Rui foi efetivado na função do tio, de modo que liberava Lúcia, pra apenas um expediente. Ele ficou muito agradecido à menina, como chamava a Gabriela, que lhe falou da confiança que depositava nele.
Os exames feitos na clínica deram todos resultados os mais positivos possíveis, Gabriela gozava da mais perfeita saúde. Quanto às consultas com a psicóloga, continuavam sem que a moça percebesse nada de melhora em sua memória, tentava lembrar-se de sua infância, mais nada, era impossível, apenas aquela ponte estava em sua mente, mas lhe fazia bem essas consultas, principalmente no que tocava ao seu relacionamento com Lúcia, a ponto de Cíntia propor que Lúcia também passasse por um acompanhamento, muitas vezes as duas iam juntas na mesma seção. O mês passara rápido e a filha de Lúcia logo voltaria das férias na casa do pai e o relacionamento das duas amigas já se tornava quase irreversível, e pelo menos suspeito por muitas pessoas. Chegaria a hora que Carolina também perceberia alguma coisa, e Lúcia não sabia qual seria a reação da menina, quando isso acontecesse. Cíntia prometeu tentar ajudar e pediu que Lúcia convencesse a menina a também ter consultas com ela.
Naquele dia, após votarem juntas do consultório de Cíntia, e poucos dias antes da volta de Carolina, chagaram ao apartamento de Gabriela cedo, Ernestina ainda estava acabando de fazer a limpeza da cozinha. Conversavam sobre a empresa quando a campainha tocou e a empregada foi atender, as duas ficaram apreensivas sobre quem seria. Ernestina voltou dizendo que era sua tia Lívia. Olhou assustada para Lúcia, que a acalmou, essa tia era irmã de seu pai, viúva e vivia sozinha em uma casa a beira mar, pois a altitude não lhe fazia bem ao coração.
Foram para a sala receber a visita. A tal tia uma senhora de boa aparência, embora já passasse dos setenta e poucos anos as olhou de alto a baixo com um jeito de reprovação. “-como vai Lili, e você Lúcia?”, perguntou a senhora enquanto beijava a sobrinha. Após os cumprimentos formais, sentaram nos sofás, Gabriela e Lúcia em um e a tia em frente a elas. “- Vamos logo ao que interessa”, disse a tia. “Um absurdo o que fez com Artur e o modo como tratou Mara, não foi desse modo que a criaram. Deve ser esse ai que anda te virando a cabeça e contra sua família”, falou dirigindo-se a Lúcia.
Embora pega de surpresa Gabriela não se assustou com o modo agressivo da tia. Lúcia sim estava, visivelmente constrangida. “- Bem tia, o tio Artur roubou a empresa de meu pai por anos, tenho provas e quanto a Lúcia, não apenas não tem nada com isso, como ninguém tem nada com a minha vida”, disse Gabriela. A tia ficou chocada com a resposta da sobrinha, muito diferente do modo como a conhecia, parecia estar lidando com uma desconhecida. Gabriela continuou. “- Se veio aqui para tentar me convencer de voltar atrás na decisão que tomei, está perdendo o seu tempo”. Nisso Ernestina chegava com uma bandeja de café para servir. A tia Lívia tinha as mãos tremulas ao segurar a chícara. Tomaram o café em silêncio, as duas se olhando com firmeza, enquanto Lúcia abaixava os olhos para a senhora, quando esta a olhava. “- Nunca pensei ouvir coisas assim de você e esta falta de vergonha de vocês duas, todos já sabem..”, Gabriela cortou suas palavras. “- Se veio para me ofender dentro de minha casa é melhor sair, pois não respondo por meus atos se ouvir mais alguma coisa da senhora”. Horrorizada a tia Lívia se levantou bruscamente e sem despedir-se se dirigiu à porta acompanhada por Ernestina e saiu. Lúcia estava gelada.
Capítulo XVII
A visita da tia de Gabriela e o que ela falara sobre o relacionamento das duas amigas, deixou Lúcia preocupada, e dividiu seus temores com Gabriela. “Todos já sabem sobre nós, já não é mais nenhum segredo, minha preocupação é a reação de minha filha”, falou. Gabriela ficou realmente preocupada com a amiga, realmente era um problema sério e menina estava para chegar. Abraçou a amiga e tentou a consolar, depois falou firme. “-Lúcia se realmente, sabemos de nossos sentimentos, devemos encarar os problemas que surgirem. Sei que para você é difícil, mas não devemos esconder nada de Carolina, porque, mais dia menos dia alguém vai contar e com maldade, você sabe”. A amiga receosa concordou, mas não sabia como fazer. “Não quero mais viver sem você, mas ela é minha filha e amo da mesma maneira, não quero faze-la sofrer”. Gabriela nada respondeu, sabia que nada poderia fazer iria depender de Carolina e não dela e sequer da mãe, algumas pessoas compreendem, outras não.
Um rasgo de memória lhe passou pela cabeça. Sabia de um caso em que uma mãe abandonou o marido indo morar com uma outra mulher e o filho adolescente a acompanhou. Mas com lembrava disso? Não disse nada para Lúcia, mais tarde se tudo corresse bem contaria para ela que as seções de análise pareciam estar funcionando, lembrara-se de algo que não apenas aquela ponte.
Lúcia ficou extremamente nervosa a partir daquele dia, Gabriela compreendia e procurava ajudar a amiga, conforme se aproximava o dia do retorno de Carolina, Lúcia fica cada vez mais nervosa, a ponto de não conseguir dormir. Mas o tempo é inevitável e o dia do retorno da filha chegou.
Muito tensa Lúcia foi para a sua casa, deixando Gabriela também muito preocupada. “Me liga assim que puder, querida, por favor”, pediu. Lúcia concordou e com lágrimas nos olhos desceu do carro, em frente a seu prédio. Com o porteiro Manoel dirigindo, Gabriela voltou para casa e aguardou com o coração apertado. A noite passou triste sozinha sentindo falta da amiga. Logo pela manhã bem cedo já estava de pé e foi umas das primeiras pessoas a chegar no escritório, Lúcia não estava e não apareceu durante toda a manhã. Por volta do meio dia recebeu um telefonema, era Lúcia, ficou eufórica. “- Como está? Tudo bem”, falava apressadamente. “- Calma querida, falou Lúcia, está tudo bem, mas não quero falar por telefone, vem almoçar aqui conosco”, convidou Lúcia. Aliviada com a calma da amiga Gabriela concordou, dizendo que iria em seguida. “- Estamos esperando”, falou Lúcia desligando.
No caminho para a casa de Lúcia, Gabriela pensava mil coisas, na amiga, no que lembrara e na ponte, além de outras coisas mais do dia a dia. Na portaria do prédio tomou fôlego e entrou, embora estivesse com o coração disparado, tentou disfarçar quando foi recebida por Lúcia e a filha, que lhe parecia ter crescido neste mês que não a viu. Embora aparentassem calma, Gabriela percebeu que as duas também estavam tensas. Trocaram palavras banais, mas Lúcia segurou-lhe a mão com força e a olhou fixo nos olhos, com para lhe confortar. Isso realmente a acalmou um pouco. Enquanto a empregada servia a mesa, não trocaram palavra. E evitava olhar Carolina nos olhos, embora esta a olhasse quase que fixamente.
As mãos de Gabriela tremiam, mas algumas imagens estranhas passavam em sua mente, como um filme de suspense. Uma imagem clara, brilhosa falava em destino e segurava sua mão. “O que era isso?”, pensava, mas a memória lhe parecia muito real, e de novo aquela ponte. Tentou lembrar de mais alguma coisa, mas sua cabeça doeu, quando sentiu uma mão segurando a sua.
Capítulo XVIII
Era Carolina que lhe segurava a mão, as primeiras palavras que a menina lhe disse não ouviu, mas aos poucos foi voltando a realidade. “- Lili você está bem?”, perguntou Lúcia, disse que sim que havia sido apenas uma mal estar passageiro, mas que estava tudo bem. Foi Carolina quem tomou a palavra. “- Minha mãe me contou tudo que existe entre vocês”, disse a menina, o que deixou Gabriela um pouco assustada. “- Mas já disse a minha mãe que quero que vocês sejam muitas felizes e que ninguém, tem, nada com isso”. Gabriela olhou para Lúcia que sorriu. “-Vai ser tão difícil para mim, ver minha mãe namorando e dormindo com outra mulher, como seria com outro homem, que não fosse meu pai, mas acho que com você vou me acostumar logo”, e sorriu para Gabriela, que sentiu uma lágrima lhe escorrer pelo rosto. O almoço terminou em choro das três.
Após o almoço mais calmas, e sentadas na varanda. Gabriela e Lúcia juntas de mãos dadas e Carolina em frente decidiram que todas iriam morar no apartamento de Gabriela. “- É do lado do meu colégio”, dizia Carolina. Gabriela reparou bem na menina e viu que ela havia amadurecido muito mesmo, não parecia mais uma menina e sim uma mulher, afinal pensou “Ela tinha 16 anos”, e novamente uma lembrança lhe passou pela cabeça. “Uma menina grávida lhe sorria”. Voltou a realidade com um beijo de Lúcia, a menina não estava mais sentada a sua frente. “O que foi querida, parece que esta sonhando acordada”, perguntou Lúcia. “- Preciso lhe contar umas coisas, mas onde está Carolina?”. “- Foi atender ao telefone, por isso lhe beijei, vai ser difícil acostumar com ela por perto”, sorriu.
Gabriela lhe contou os fachos de lembranças que teve, desde o dia anterior. “-Tomara que você consiga se lembrar de tudo”, disse Lúcia. Nisso Carolina voltou e perguntou a mãe se podia sair com uma amiga e dormir na casa dela “-Ainda estou de férias”, acrescentou ao pedido. “- Mas você mal chegou, filha”. “- Deixa mãe, vai”, insistiu Carolina.”Então nós vamos para a casa da Lili”, disse Lúcia. “- Então quando sair da casa da fulana vou para lá, ta?”, Lúcia concordou e a menina saiu feliz.
Chegaram no apartamento de Gabriela abraçadas e sorridentes. “- Que, que foi, viram passarinho verde?”, perguntou Ernestina. “- Não, Carolina vem morar aqui conosco”, disse Lúcia. A empregada se mostrou entusiasmada, “- Adoro aquela menina, que bom, não entendo muito vocês duas não, mas espero que sejam felizes e com Carolina por perto ninguém é triste”, disse Ernestina. Foram sentar na sala e fizeram planos de como decorariam o quarto que havia sido dela para Carolina. “- Vamos mudar tudo, móveis cortinas, tapetes, tudo”, disse Gabriela. “– Aliás, quero mudar essa casa toda para nós”, completou. Decidiram no dia seguinte providenciar o que fosse preciso, para a nova decoração do quarto da menina e da sala. Decidiram também levar o computador para o quarto, que agora era delas, definitivamente e fazer do quarto onde ele estava um quarto de estudos para a Carolina.
Assim que Ernestina saiu, correram para o quarto. A saudade de um dia sem se verem era enorme. “-Nunca mais vamos nos separar”, disse Lúcia. “- Não sei porque, mas alguma coisa me dizia que Carolina não seria um empecilho para nosso amor”, respondeu Gabriela.
O sol poente, entrando pela varanda viu impunemente o amor entre aquelas duas mulheres, que os caprichos do destino haviam unido e parecia ser eterno, como fala o poeta. “ Eterno enquanto dure, posto que é chama”.
Capítulo XIX
Algumas lembranças como um facho de luz em sua mente aconteciam em certos momentos, como os de muita ansiedade, assim Gabriela e descreveu para a psicóloga Cíntia, que a fazia brincar com jogos de memória por sobre a mesa do consultório. Sobre o bilhete e o papel preso à chave, Cíntia nunca falara nada e ela também não perguntava, mas tinha uma grande curiosidade. Repentinamente ela disse para a psicóloga. “- Estou lembrando, eu caminhava numa rua escura e uma imagem brilhante aparecia, mas é só isso, também uma menina grávida sorrindo para mim, mas... parece que eu estou diferente, não consigo lembrar direito”. “- Chega Gabriela, por hoje, você está muito cansada, não está?”. Ela concordou, sua cabeça doía, toda vez que lembrava de algum fato. “- Por isso não se esforce muito, deixe que aos poucos você lembrará”, e Cíntia encerrou a consulta.
Lúcia a aguardava na sala de espera, como sempre. Foram caminhando para casa, mas Gabriela ia calada. “- O que foi querida?”, perguntou Lúcia. Ela disse que não era nada em especial, mas essas lembranças lhe incomodavam, ao passarem por uma galeria, Lúcia segurou a amiga e apontou um rapaz, que estava dentro de uma loja. “- Aquela era seu namorado”, apontando disfarçadamente. “- Não lembro mesmo, Lúcia”, disse, “- Mas me parece feio”, concluiu Gabriela. Perguntou o nome dele e Lúcia disse que era Carlos, “- É mesmo eu vi na agenda, desculpe”, falou Gabriela.
O apartamento já estava totalmente redecorado, a sala com novos sofás, armários, tapetes e cortinas, assim como o quarto delas, que tinha agora uma cama nova, com um colchão que achavam delicioso, novos armários e cortinas também, apenas a varandinha continuava como sempre, gostavam de ficar ali. O antigo quarto de Gabriela, agora de Carolina estava todo novo, como a garota quis, nada de rosa, tudo em amarelo claro, a sala de estudos também estava pronta e o computador de Gabriela estava em seu quarto, ali estava agora o de Carolina. Ernestina em princípio não aprovara a idéia das mudanças, mas depois de pronto aprovou e estava feliz com a Carolina em casa, adorava a menina, fazia tudo que ela pedia.
A família não a procurara mais, havia visto a tia Mara na rua apenas uma vez e de longe, mas elas sabiam que as vigiavam, Algumas vezes o telefone tocava e ninguém, falava nada, estavam pensando até em trocar o número, e seu Manoel porteiro e motorista, contava que via às vezes seu tio e sua tia passando olhando para o prédio, e uma vez até tentaram tirar alguma informação dele, que se fez de desentendido, segunda contara a Ernestina.
Carolina estava bem com elas, evitavam demonstrações mais fortes de carinho na frente da moça, mas já se beijavam naturalmente e ela achava lindo. Com Gabriela a chamava de tia, o que não a agradava muito, mas acabou acostumando, pouco ficava em casa, principalmente nos fim de semana, sempre saindo com amigos, tudo indicava que estava namorando.
Quanto a sua memória Gabriela via fleches, alguns que a incomodavam muito, como o de estar usando roupas masculinas e uma casa com uma mulher loura e uma menina, a que estava grávida, mais nada. Contava tudo a Lúcia que ria muito e acabavam se divertindo. Uma vez Gabriela até vestiu roupas masculinas, que pertenceram ao ex-marido de Lúcia, mas não achara nada legal. Ser mulher, e bem feminina a agradava muito, assim como a sua querida Lúcia, cada vez mais dependente da amiga para fazer ou escolher qualquer coisa, mas as duas se davam muito bem assim. Gabriela adorava ficar se olhando no espelho, assim como ver o corpo de Lúcia, quase nua. Ficavam se olhando, às vezes por muito tempo sem dizerem nada, apenas pelo prazer de ver o corpo uma da outra.
Capítulo XX
Poucos dias depois, em uma manhã no escritório apareceu um oficial de justiça, com uma intimação para que Gabriela comparecesse a uma audiência em juízo. Ficou preocupada e chamou logo por Lúcia. Esta tentou acalma-la dizendo que poderia ser alguma da empresa, mas que o departamento jurídico logo resolveria.
Mas não foi bem assim, tratava-se de uma ação impetrada por seu tio, onde questionava a sanidade da sobrinha, questionando suas atitudes diferentes dos últimos meses e principalmente sua mudança de assinatura, pedia inclusive a interdição da moça e a nomeação de um tutor. Embora Lúcia achasse tudo uma grande besteira da família. Gabriela ficou preocupada por que continuava com problemas de memória, e isso poderia compromete-la. Além dos advogados da empresa, um escritório de advocacia foi contratado para cuidar do caso. A maior preocupação era de que uma liminar retirasse Gabriela da direção da empresa e colocasse alguém com seu tio em seu lugar, coisa que os advogados logo abortaram como ações preventivas.
Ao mesmo tempo, uma ação por danos morais estava sendo preparada para logo após a audiência, de modo a reparar os prejuízos pessoais e da empresa com a ação, considerada totalmente despropositada por todos o advogados. Mas mesmo assim Gabriela estava muito preocupada, apenas a companhia de Lúcia a acalmava. Com o passar dos dias a coisa foi se acalmando, afinal seria um processo longo e a vida precisava continuar.
Não conseguindo de imediato seus intentos, os tios de Gabriela tentaram entrar em contato com a sobrinha com a intenção de um possível acordo e terem algum benefício dos bens de Gabriela, que ela mesma ainda não sabia exatamente quanto possuía. Através de um velho amigo de seu pai o senhor Jarbas, que por telefone uma noite entrou em contato com ela. Marcaram para o dia seguinte no apartamento à tardinha. Gabriela procurou através de Lúcia saber quem era esse Jarbas, que se dizia amigo de seu pai, e descobriu que realmente eram amigos antigos, que inclusive haviam viajado juntos de férias várias vezes. Lúcia o conhecia pouco, mas tinha uma boa impressão do homem, embora aconselhara a amiga para que tivesse cuidado com o que diria.
O senhor Jarbas chegou pontualmente a hora combinada, e as amigas o receberam com cortesia, O homem ficou bastante impressionado com a beleza de Gabriela, que não via há algum tempo. Após Ernestina servir um cafezinho, sentados na sala o homem propôs abertamente um acordo entre Gabriela e o tio Arthur. “Seu tio propõe a retirada de toda a ação em troca de receber alguns bens que lhe desse uma tranqüilidade para o final da vida”, disse o senhor Jarbas, e complementou dizendo, que seu tio estava com dificuldades financeiras desde que havia sido demitido da empresa pela sobrinha e que demonstrava arrependimento de tudo o que fizera.
Gabriela em princípio ficou indignada com a proposta, mas aos poucos percebendo a boa intenção do amigo de seu pai e com a ajuda de Lúcia resolveu não dar nenhuma resposta imediata, mas que discutiria com seus advogados, mas nada prometia. O homem antes de sair ainda disse que seu tio era um bom homem, mas que se deixava levar muito facilmente, pela esposa, essa sim, disse era muito ambiciosa, mas que estavam agora conscientes do erro que cometeram, levados por amigos e advogados inexperientes. Gabriela, em poucos minutos passou da indignação pura e simples, por um certo pragmatismo, que Lúcia considerou cínico, mas não discutiram por isso.
Capítulo XXI
Na manhã seguinte as duas amigas reuniram-se com os advogados, na sede da empresa e lhes expuseram a proposta recebida no dia anterior, todos disseram que as chances do tio em vencer a demanda eram praticamente nulas, mas que seria um processo longo e talvez sofrido para todos, e que qualquer acordo deveria ser muito bem feito, inclusive do ponto de vista jurídico. Ficou acertado então os termos de um possível acordo, que de modo algum envolveria qualquer seção de bens de Gabriela, que deixaria passar alguns dias para entrar em contato com o tio.
Na semana seguinte Lúcia ligou para o senhor Jarbas, propondo um encontro na sede da empresa para discutir um possível acordo entre Gabriela e o tio Arthur, ficando marcado para o dia seguinte a reunião. Como sempre pontual Jarbas chegou ao escritório e foi recebido por Gabriela, Lúcia e dois advogados. A proposta apresentada foi de que o tio receberia cotas no estatuto da empresa, que lhe permitiriam fazer retiradas mensais, como se diretor da companhia, mas não teria nenhum tipo de ingerência nos negócios, não deveria nem aparecer lá, tudo seria resolvido através de uma conta bancária. Por seu lado Arthur, sua esposa e os filhos deveriam firmar documento em juízo abrindo mão de todo e qualquer possível demanda futura. O senhor Jarbas ouviu tudo e pareceu concordar com o oferecido, mas disse precisar conversar com o amigo Arthur, porém garantia uma resposta o mais breve possível.
Realmente, dois dias apenas haviam se passado, quando Gabriela recebeu um telefonema do tio pedindo que ela o recebesse no escritório para acertarem o acordo. Gabriela respondeu que ele deveria acertar com os advogados primeiro, depois poderiam conversar e passou a ligação para Lúcia, que acertou alguns detalhes com o tio de Gabriela. Marcaram para o dia seguinte com o jurídico.
Gabriela preferiu não ir a companhia naquele dia, não estava disposta a encontrar seu tio, como o qual cada vez mais antipatizava, Lúcia resolveria tudo, e passaria o dia todo na empresa Resolveu sair um pouco e caminhar pelas ruas da cidade, apreciando a paisagem e olhando as novidades nas lojas de moda e calçados. Fez algumas compras e escolheu um lugar para almoçar no centro. Um restaurante simples, mas aconchegante a chamou a atenção, nunca havia entrado ali antes e resolveu experimentar.
Escolheu uma mesa no canto, que achou ótima, veria a todos que entrassem e não seria vista com facilidade, ao se aproximar da mesa, um garçom muito educado lhe disse que aquela mesa era reservada para um senhor que todos os dias almoçava ali, se ela não se importaria em escolher outra. Gabriela estava calma e embora um pouco contrariada escolheu uma mesa ao lado, e pediu o cardápio. Ainda não havia sido servida quando um homem sentou naquela mesa que escolhera. Ficou curiosa, e sem jeito disfarçou quando o estranho a encarou. Ficou com raiva, pois sabia que de lá ele podia vê-la, sem que ela pudesse fazer o mesmo, mas sua curiosidade era enorme e a todo o momento virava o olhar em direção ao homem, que parecia muito concentrado no pedido que fazia ao garçom.
Durante todo o tempo em que esteve no restaurante aquele homem a magnetizava, era impossível não olha-lo, mesmo disfarçadamente, mas o cidadão parecia não perceber sua curiosidade. Ele não era muito alto, mas também não era baixo, possuía cabelos curtos bem escuros e pele muito clara, aparentava algo em torno de trinta e tantos ou quarenta anos, mas muito bem disposto. Usava uma camisa social azul clara, e se alimentava com educação, mas demonstrava estar com fome e bebia vinho tinto em pequenos goles.
Capítulo XXII
À noite por algum motivo, não contou nada a Lúcia sobre o homem no restaurante, achou que ela poderia ficar com um ciúme sem propósito algum. Conversaram sobre a reunião com seu tio e ficou sabendo que sua tia Mara estivera presente, mas não falara nada. “- Acho que foi a melhor decisão, querida”, disse Lúcia a amiga que tinha o olhar meio perdido, Lúcia não ficou preocupada, pois sabia que Gabriela às vezes ficava assim meio aérea, em divagações que só ela sabia. Mas o que Lúcia não sabia era que, na mente de Gabriela, a imagem daquele homem no restaurante não lhe saia da cabeça. Por ora lhe parecia familiar, conhecido, mas por mais que tentasse não conseguia lembrar-se de onde ou quando, outro momento lhe parecia um estranho completamente. O certo é que tinha que voltar aquele restaurante e vê-lo novamente.
Durante toda a noite mal pode dormir, além do pensamento que não saia daquele restaurante, a possibilidade de esconder alguma coisa de Lúcia a angustiava, mas queria estar sozinha naquele lugar de novo, alguma coisa naquele homem a atraia, mas como falar com Lúcia? Viu o dia amanhecer insone, Lúcia ao despertar a encontrou na varanda, com o olhar perdido no horizonte. Preocupada foi até ela, e lhe perguntou o que a angustiava. Com os olhos marejados pediu a amiga que confiasse nela e acreditasse no seu amor, mas que precisava fazer uma coisa sozinha e lhe pedia compreensão. A amiga disse que confiava nela de todo o coração, que ela podia fazer o que desejasse que sua confiança não se abalaria, assim como sua amizade acima de tudo. “- Pode dizer o que a preocupa querida, confie em mim”, disse Lúcia. Gabriela enfim contou o que acontecera no restaurante e que precisava voltar lá sozinha, sentia isso e pedia que a amiga compreendesse. Preocupada Lúcia aceitou o que pedia, mas pediu que se comunicasse com ela, logo que pudesse, pois ficaria preocupada.
Quando Lúcia saiu para trabalhar, mais despreocupada, voltou para a cama e tentou dormir um pouco. Acordou já quase na hora do almoço, com Ernestina preocupada a seu lado. “- O que foi menina?”, Respondeu que estava ótima, apenas não tinha dormido bem à noite e resolvera ficar na cama até mais tarde. Levantou-se rapidamente e para espanto da empregada saiu apressada, dizendo que almoçaria fora, antes ligou para Lúcia para acalma-la como combinaram.
Saiu apressada, pois estava quase na mesma hora do dia anterior, quando estivera no restaurante. Quando chegou a mesa ainda estava vazia e o garçom pareceu lhe reconhecer e lhe indicou uma mesa, desta vez mais afastada da que quisera e onde o homem que a deixara tão curiosa sentara. Não tinha fome, mas pediu um suco e algo leve para comer, sua ansiedade era enorme e ela mesma não sabia o por que. Alguns minutos se passaram e a mesa em que o homem esteve, continuava vazia. Gabriela já se achava ridícula, ali sem vontade de almoçar e esperando ver um estranho. Mas sua espera não foi em vão, distraída em seus pensamentos, não percebeu que ele chegara já estava sentado, fazendo seu pedido ao garçom.
Seu coração parecia querer sair do peito. Que seria aquilo? Por que se sentia assim e seus olhos teimavam em olhar o estranho, que não parecia ser tão estranho assim. Tentou disfarçar concentrando-se em seu quarto, quando percebeu que o homem a olhava também, mas quando seus olhares e cruzavam ele baixava os olhos. Parecia tímido de mais. O desejo de Gabriela era de ir até lá, e perguntar quem era, se acaso se conheciam, ouvir sua voz, mas não podia seria o cúmulo e além do mais o que poderia ele pensar dela.
Capítulo XXIII
Estava se sentindo ridícula e chamou o garçom para fechar a conta e ir embora. “Aquilo era uma loucura” pensou. O rapaz vinha com a conta quando o estranho se levantou e parecia vir em sua direção, Sentiu as mãos gelaram e o coração disparar. O homem se aproximou de sua mesa e ela de olhos baixos, como se não o tivesse visto, tremia. “Perdoe senhorita, mas meu nome é Anselmo, tenho uma estranha impressão que nos conhecemos, mas minha memória nos últimos tempos não tem andado boa”, falou e esperou uma resposta, como Gabriela não sabia o que dizer, ela já ia se retirando. “-Por favor, senhor sente-se”, disse sem refletir bem o que dizia.
O homem voltou-se e pedindo licença puxou a cadeira em frente a ela e sentou-se, um pouco sem jeito. Por momentos ficaram se olhando sem saber o que dizer. Um monte de coisas passavam pela cabeça de Gabriela, mas agora tinha certeza que conhecia aquele homem. Quando falaram foi ao mesmo tempo, e ambos sorriram. “- Fale a senhorita primeiro”, disse Anselmo. Gabriela estava sentindo uma emoção que não lembrava de nunca ter sentido, com custo conseguiu dizer que sentia o mesmo. “- Também tenho a impressão de lhe conhecer e minha memória também não anda boa, nos últimos tempos”, falou e tentou se acalmar. “- Não sei o que pensar, mas sua imagem me parece muito familiar, e eu perdi a memória há uns meses, e procuro tentar me lembrar de coisa do meu passado e não consigo”, disse Anselmo.
Gabriela por mais que tentasse se controlar tremia, e lágrimas lhe escorriam no rosto, tinha vontade de sumir dali, mas não conseguia se levantar, aquele homem a magnetizava. “-Pelo visto temos um problema parecido, talvez possamos nos ajudar, não sei”. Disse Anselmo. Gabriela concordou com a cabeça e lhe contou que estava tendo seções com uma psicóloga, mas que não havia tido progressos, apenas imagens soltas, lhe voltavam na mente. “- Coisas estranhas, como uma moça grávida e... uma imagem brilhante”, falou. Anselmo parecia estar tonto, não conseguia falar, apenas olhava para Gabriela, com um jeito que a amedrontou um pouco.
O garçom esperava com a conta, já impaciente. Gabriela aproveitou para quebrar um pouco a tensão e atendeu ao rapaz, pegando sua bolsa e lhe passando o cartão de crédito. O homem aproveitou também para pedir ao garçom que fechasse sua conta também. Quando o garçom se afastou ele então conseguiu falar. “-Senhorita é assombroso o que me diz, tenho uma filha de 16 anos que esta grávida, na minha memória também, existe apenas uma figura brilhante e..., não me considere louco, por favor... uma ponte”. Gabriela deu um grito, sem querer. Anselmo se levantou, pensando que ela sentia alguma coisa grave, mas ela sem ar o acalmou, como pode. “-Uma ponte fechada, como uma casa?”, conseguiu com esforço perguntar Gabriela. Visivelmente emocionado Anselmo respondeu que sim.
Neste instante o garçom voltou com o cartão de Gabriela para que ela assinasse e a conta de Anselmo, sua chegada foi um alívio para os dois que estavam no máximo de uma emoção quase incontrolável. “-Precisamos conversar mais senhorita, talvez uma outra hora, em outro lugar”, disse Anselmo e lhe estendeu um cartão. “Anselmo Nascimento, publicitário, um endereço e telefone”, viu Gabriela, que de dentro da bolsa pegou um cartão seu e lhe ofereceu também, “-Seu nome é Gabriela”, disse Anselmo, o que deixou a moça um pouco encabulada, havia esquecido de se apresentar. Alguma coisa de repente fez com que ela quisesse sair logo daquele restaurante, se despediu do homem e saiu apressada, o deixando sem ação. Na rua sentiu-se aliviada, e correu para casa.
Capítulo XXIV
Estava sem saber o que pensar era tudo muito estranho, como aquele homem tinha as mesmas lembranças que ela? E como ele era tão familiar na sua memória? Tudo estava muito confuso na mente de Gabriela, o que queria agora era estar com Lúcia e contar-lhe tudo, talvez ela conseguisse lhe tranqüilizar. As imagens da ponte e da figura brilhando a sua frente estavam bem claras e ele tinha as mesmas lembranças e tinha uma filha de apenas 16 anos e grávida, seria tudo muita coincidência apenas? E a lembrança do rosto dele e até o nome Anselmo, lhe parecia conhecido. Precisava estar com Lúcia, ligou para a amiga, ela ainda estava no escritório e lhe pediu para ir para casa, pois precisava muito conversar, lhe contar o que acontecera. A amiga ficou preocupada, e lhe disse que sairia em seguida e a encontraria em casa.
Quando chegou no apartamento Lúcia ainda não estava, aproveitou para tomar um banho e trocar de roupa, ficar mais à vontade, o dia estava quente. Ainda se encontrava no quarto se trocando quando a amiga chegou, e logo perguntando o que acontecera. Gabriela ainda um pouco nervosa contou-lhe tudo e se abraçou à amiga chorando. Lúcia procurou consola-la, como pode, mas também ela estava preocupada. “-Tem o cartão deste Anselmo? Precisamos conversar mais com ele, o que acha?” Perguntou Lúcia. “- Tenho medo, você vem comigo?” Suplicou-lhe Gabriela com os olhos vermelhos de chorar. Lúcia respondeu-lhe que sim. “-Claro meu amor estarei sempre de seu lado, mas não chore, se não eu vou chorar também”, e ambas acabaram sorrindo.
À tarde foram à psicóloga, e Gabriela contou tudo que havia acontecido. Cíntia achou bastante interessante e disse que ela deveria procurar conversar mais com esse senhor, afinal ele poderia, por coincidência, ter estado presente no mesmo momento em que ela, por uma emoção muito forte perdera a memória. Gabriela confessou ter achado o desconhecido com alguma coisa familiar, algo que não sabia explicar o que. A conversa de Cíntia acalmou Gabriela, quando esta saiu da sala e encontrou Lúcia, já demonstrava estar calma e mais segura de si mesma.
Já escurecia quando deixaram o consultório da psicanalista e resolveram se distrair um pouco, afinal o dia fora estressante, Pegaram o carro em casa e com Lúcia dirigindo, como sempre, foram jantar no bar e restaurante freqüentado pela tribo gls da cidade. Lá mais à vontade as duas conversaram sobre os acontecimentos recentes. O acordo com seu tio fora celebrado, no dia seguinte Gabriela deveria ir a empresa para assinar uns documentos. “-Sua tia acompanhou o marido e ensaiou algumas exigências, mas os advogados a acalmaram, com a ameaça de um processo por injúria, e fim do acordo”. Contou Lúcia. Gabriela quis saber afinal com ficara a situação. “- Seu tio será readmitido com o salário de diretor, mas sem função alguma, e sua entrada fica proibida na empresa, além disso assinou um documento onde renúncia a qualquer pretensão futura contra você”. Explicou. “- Ótimo assim, fico bem com a família e sem dor na consciência”, Replicou Gabriela. Depois conversaram sobre o tal de Anselmo e resolveram que no dia seguinte ligariam para ele. “-Acho que encontrarei com ele respostas para algumas coisas, e quem sabe recobro a memória completamente”, disse e suspirou Gabriela.
As duas amigas após jantarem, onde beberam um pouco de vinho a mais, resolveram chamar um táxi para lhes levar em casa, deixando a chave do carro com a gerente do local, que se prontificou a ajuda-las, na manhã seguinte Manoel viria pegar.
A bebida e o cansaço fizeram com que as duas dormissem logo ao deitar, Gabriela mais tranqüila e calma nos braços de quem amava, verdadeiramente.
Capítulo XXV
Ao acordar Gabriela sentiu-se ansiosa por encontrar novamente a Anselmo, mas não quis preocupar Lúcia e decidiu que procuraria o homem sozinha, algo a impelia a agir assim. Lúcia saiu para trabalhar e Gabriela logo ligou para Anselmo. Este se prontificou a encontra-la logo cedo, pois dizia sentir a mesma necessidade que ela, marcaram se encontrar em uma praça próxima do centro, antes do almoço.
Gabriela chegou ansiosa à praça combinada e logo avistou Anselmo, onde combinaram. Nervosos contaram um ao outro as pequenas lembranças que tinham de seus passados. Enquanto ela lembrava de uma menina grávida ele de um casal que parecia serem seus pais. Em comum as lembranças de uma imagem brilhante e de uma ponte fechada, que tentaram, mas nunca mais encontraram.
“- O que será que houve conosco, ou entre nós”, disse Anselmo preocupado. “Tenho uma esposa e uma filha, que parecem estranhos para mim”, e um pouco envergonhado, confessou sentir-se homossexual. Gabriela ouviu tudo com muita excitação, lágrimas lhe corriam incontrolavelmente pelo rosto. Contou a Anselmo sobre seu caso com a amiga Lúcia, que ele conhecera, que aconteceu depois que perdera a memória. Nada tinha um sentido muito claro para os dois, que se sentiam perdidos em suas vidas, sem passado. Por momentos permaneceram calados de cabeça baixa, absorvidos por seus próprios pensamentos.
Foi Anselmo quem percebeu que o tempo passara, sem que se dessem conta. A tarde já caia e resolveram caminhar juntos, não sentiam fome nem sede. Calados trocando apenas poucas palavras andavam sem saber bem aonde iam. Sombras, carros, pessoas passavam, até que a noite os envolveu. Gabriela sentiu um pouco de frio, mas continuou caminhando ao lado de Anselmo, como que conduzida a algum lugar. Tudo que lhe acontecera nos últimos dias lhe passava pela mente como um filme, no qual ela vivera apenas um personagem. Anselmo lhe dizia sentir o mesmo, e as lembranças e sentimentos comuns, os fazia sentirem-se cúmplices de uma trama do destino.
A imagem lhes apareceu, como se a esperassem, sem sustos ou sobressaltos, linda brilhante em meio à escuridão da noite. O destino que os fizera mudar os aproximou, e isto o tempo e o espaço não lhes permitiam, compreenderam sem que nada ouvissem ouvido da imagem. Uma sensação de paz envolveu aos dois, que caminharam em direção a imagem, que os envolveu.
A luz de uma lua cheia cobria dois corpos estendidos na rua deserta, tinham sorrisos nos lábios, como se a morte os tivesse aliviado de um sofrimento maior. Mortos e de mãos dadas, como namorados que pactuaram o próprio fim, glorioso na pureza de sentimentos e desejos apenas sonhados. Um vento frio sacudia os cabelos e a saia de Gabriela, como balança as árvores e os arbustos ao redor, a natureza os envolvia em uma só criatura.
Não havia mais brilho, imagem, nada apenas o luar a dissipar um pouco a escuridão de uma noite longa, pedras, cimento, capim, um poste com sua luz amarela e fraca, ao longe, luzes de residências denunciavam a existência de pessoas, que dormiam ou viam televisão, ou ainda navegavam na internet, como tantos, alheios aos caprichos do destino, vivendo com se fossem eternos, até ao último dia de suas vidas. Paixões se realizavam e naqueles momentos de êxtase bastavam a si próprias, no egoísmo do amor pela carne, a beleza, os gostos e os cheiros.
Capítulo XXVI
Algumas pessoas disseram ter ouvido apenas um grito, mas não tinham certeza. Lúcia tinha os olhos vermelhos de um pranto incontrolável e convulsivo apoiada em Ernestina, que também tinha os olhos marejados.
Policiais examinavam os corpos, onde não encontravam nenhum sinal de agressão, e mantinham como que um sorriso nos lábios. Separar-lhes as mãos foi difícil, pois devido ao frio da noite os corpos já estavam enrijecidos. Foi muito difícil para Lúcia e Ernestina reconhecerem o corpo de Gabriela. Duas mulheres, uma mais idosa e uma quase menina, em estado bastante adiantado de gravidez, choravam por Anselmo.
As quatro mulheres acabaram por se aproximar no desespero da perda final de seus entes tão queridos. Lúcia as convidou para voltarem juntas, em seu carro para a cidade, que acordava ainda. Após as autopsias que constatou parada cardíaca nos dois falecidos, o que deixou surpresos a todos os médicos e policiais.
Os enterros foram acompanhados por poucas, mas verdadeiramente sentidas pessoas. Lúcia não conseguia se conformar com a perca da amiga e amante, e Ernestina com a falta da menina que vira crescer. Ao sair do cemitério Lúcia pensou ter visto uma estranha luz, por sobre o mausoléu de Gabriela, voltou-se para se convencer que era apenas uma ilusão. Mas isso, estranhamente a consolou e secou suas lágrimas, como por encanto.
Uma nova história começava.