A Ponte(1ª parte)

A PONTE

Capítulo I

A ponte estava lá, com uns cinco metros, coberta, telhado em cumeeira, laterais fechadas, sem janelas ou aberturas. O rio corria, mansamente sob ela, o dia findava e ele imaginava como havia chegado até ali.

Há dois dias, à noite resolvera sair para por a cabeça no lugar, ou tentar. A ansiedade e o desespero de uma vida sem emoções, sem tristezas ou alegrias. Dívidas? Algumas, mas pagáveis. Amor? Bem, achava que sim, embora às vezes fosse, fosse... Monótono. Em pensamentos perdidos, os passos levavam, a não sabia onde, por horas. Postes, automóveis, algumas pessoas passavam. Bares com movimento, padarias fechando, crianças, jovens velhos, mulheres, homens, todos eram estranhos, sem rostos. Não ouvia sons, apenas seus pensamentos. Aquela figura aparecera não sabia de onde, nem por que, mas estava de repente ali na sua frente, branca luminosa. Pensou estar tendo uma alucinação, esfregou os olhos, beliscou as mãos. Mas nada a imagem estava ali sim, a sua frente, luminosa. Ficou parado, embevecido, na podia crer no que seus olhos viam.

Mas a imagem falou-lhe. “– Sou o destino, o hoje e o amanhã, vejo tudo, sei de tudo o que procura”. Atemorizado balbucia que gostaria de mudar a vida, ser outra pessoa, começar do zero. “Sei disso e posso faze-lo, depende de você”, disse a imagem, e lhe falou da ponte, onde o impossível pode acontecer. “Não leve ninguém consigo, e será outra pessoa após atravessa-la, mas não terá volta, é com você”, finalizou aquela luminosa figura, e sumiu como aparecera.

Por dois dias aquela imagem e palavras não lhe saíram da cabeça. Foi até ao local indicado e de longe pode ver que havia realmente uma ponte, como a imagem dissera, mas não teve coragem de se aproximar, por duas vezes no primeiro dia. Voltou para casa, não pode dormir, sua mulher não notou nada, mas de repente ao amanhecer do segundo dia tomara a decisão, sentia-se feliz e pela primeira vez em muitos anos com uma excitação enorme, coração batendo forte. À tarde vestiu-se para sair, se despediu da mulher com um beijo na face, e ao afastar-se uma lágrima lhe escorreu, sentiu que nunca mais a veria. Mas não estava triste e caminhou resoluto. Pensamentos como em redemoinho lhe percorriam a mente, e agora estava ali, bem próximo da ponte, podia vê-la em detalhes.

Olhou do outro lado, não via ninguém, um certo tremor lhe percorreu o corpo, mas era o que vinha desejando há anos, mudar, ser outra pessoa. Tateou os bolsos, chaves documentos, como a imagem lhe dissera, ou não. Não lembrava ao certo, mas sentia que devia trazer essas coisas consigo. As pernas pareciam cada vez mais pesadas ao se aproximar da cabeceira da ponte. Procurou ver seu interior. Não via nada, era escuro, olhou melhor caminhando em direção a entrada. Viu um ponto luminoso, que crescia ao se aproximar mais. Era a imagem que vira naquela noite, que estava lá dentro, e lhe fazia sinais para entrar. O coração parecia lhe pular do peito, seu corpo todo tremia, uma emoção incontrolável, lágrimas.

Entrou na escuridão em direção aquela imagem brilhante, Uma paz enorme sentiu, seu corpo ficou leve, seus pés caminhavam como se sobre nuvens, embora não os pudesse ver, tamanha a escuridão. A imagem lhe sorria e convidava a continuar. Não sentia mais medo e caminhou resoluto.

Capitulo II

Sentia-se tonta, o que estava fazendo ali? Não conhecia aquele lugar, aquela ponte estranha, coberta e fechada, e quem era ela? Sentou-se em um banco próximo. Engraçado como sentia algo estranho em seu corpo, suas mãos, suas pernas, cabelo. No bolso da saia jeans, encontrou uma chave e uma carteira. Tirou – as, a foto era ela no documento, mas aquele nome não lhe dizia nada, mas de alguma forma se reconheceu. Na chave, um papel com um endereço, sabia onde era, mas não lembrava de ter estado lá.

Levantou-se e começou a caminhar, a noite já chegava. Sentia um corpo mais leve e menor, do que imaginava ser o seu. Chegou ao centro da cidade, muita gente, correria da volta para casa, carros, ônibus, buzina, não sabia aonde ir. O endereço pensou. Pegou as chaves e leu novamente o endereço. Sentiu que deveria ir para lá. Era perto.

O edifício não era novo, mas também não era velho, bem conservado, dez andares. Olhou de novo o papel, 1010, décimo andar, o último concluiu. Meio indecisa tocou o interfone, o porteiro solicito veio lhe abrir o portão de ferro. “- Esqueceu a chave senhorita?” Perguntou. Fez que sim com a cabeça e continuou caminhando até a portaria. O porteiro lhe seguia. “-Está se sentindo bem, senhorita?” Fez que sim com a cabeça. “Tem a chave da porta”, lhe mostrou as chaves. Ele abriu a porta do elevador e ela entrou. Ficou parada um momento e apertou o décimo andar, se sentiu melhor longe daquele estranho que lhe conhecia.

Testou duas chaves e a segunda abriu a porta. Estranho parecia familiar, acendeu a luz, mas embora familiar não reconhecia os objetos. Sofás, mesa, um corredor. Caminhou reconhecendo o lugar. Entrou no corredor e sem saber por que foi direto a um quarto. Acendeu a luz, em cima da cama um papel, uma carta parecia. Pegou com as mãos tremulas e sentando-se na cama abriu e começou a lê-la.

“Não sei o que acontecerá comigo, por isso deixo esta carta para quem não sei bem. Não vejo mais razão em minha vida após a morte de meus pais, este apartamento me faz mal, as pessoas me fazem mal, coitadas, sei que procuram me ajudar, tratei muito mal meu tio, ontem, mas não estou arrependida, queria ficar sozinha apenas e talvez tenha sido bom. Sai e tive uma experiência fantástica, talvez quem ler não me acredite, mas vi uma imagem linda na rua que garantiu que posso mudar de vida entrando em uma ponte que descreveu. Ela existe mesmo fui ver ontem. É igualzinha a que figura descreve. Resolvi ir lá hoje. Não sei o que pode acontecer”.

Então sou mesmo ela, pensou. Estar naquela ponte, era a única memória que tinha. Quem era esse tio, quem eram seus pais que morreram, nada lhe fazia lembrar. Releu a carta, bilhete. Levantou-se e percorreu o quarto. Fotos dela em cima da cômoda, junto a perfumes e maquiagens, abriu as gavetas, roupas, muitas roupas. Armário calças, vestidos, saias, roupa de cama, toalhas, nada lhe parecia ser seu, embora uma estranha familiaridade com tudo aquilo.

Resolveu percorrer o apartamento. Foi ao outro quarto. Uma cama de casal deveria ser o quarto de seus pais. Abriu os armários, vestidos de uma senhora, diferente dos que vira no outro quarto, que deveria ser o seu, e roupas de homem. Seu pai? E por que estava tudo ali ainda? Não haviam falecido? Tinha muitas perguntas e poucas respostas, mas uma certeza já tinha, aquela era sua casa. Foi ao banheiro e a cozinha sentiu fome, abriu a geladeira, leite, queijo, mas não havia pão, biscoitos no armário, comeu com leite. Um cansaço enorme se abateu sobre ela depois da refeição, voltou ao quarto que era seu pegou toalhas e resolveu tomar um banho.

No banheiro nua parecia estar vendo seu corpo pela primeira vez. Seios pequenos, marcas de biquíni, se olhou no espelho e achou bonito o que viu. Entrou no chuveiro e tomou o que parecia ser o melhor banho de sua vida, mas molhou os cabelos que eram compridos, não sabia como seca-lo depois. Usou muitas toalhas e o deixou húmido ainda, o que lhe era desconfortável. Permaneceu nua, gostou de estar assim, foi na sala deitou no sofá e ligou a TV, nada a interessou. Foi a um outro quarto que não entrara e lá havia um computador e aparelhos de som. Achou que aquele computador poderia lhe dizer um pouco mais de sua vida, mas estava muito cansada. Vestiu uma camisola que encontrou em uma gaveta e deitou-se, deixando o apartamento todo acesso.

Capítulo III

Acordou com o sol batendo em seu rosto, pois deixara as cortinas abertas, sentia-se bem, o cabelo ainda estava um pouco húmido. Levantou-se foi ao banheiro, tomou outro banho, mas procurou não molhar os cabelos. Não se cansava de olhar para seu corpo, achava lindo. Voltou ao quarto e escovou o cabelo deixando o sol seca-lo direito. Estava distraída olhando a paisagem pela janela, quando ouviu o som de um telefone, parecia vir da sala. Foi até lá titubeou um pouco para atende-lo. “Alô é Gabriela?” Uma voz falou do outro lado, aquele nome ainda não lhe parecia o seu, mas disse que sim. Era o tal tio perguntando se estava bem, como havia dormido e perguntou se podia ir vê-la, concordou sem saber direito o que dizer, sentiu um alívio quando ele desligou. Ao mesmo tempo uma campainha tocou na cozinha, correu até lá, viu pelo olho mágico uma senhora na porta dos fundos, esqueceu que estava nua e abriu a porta. Oi Gabriela, tudo bem? Não sabia o que responder. “Vai por uma roupa menina, enquanto preparo seu café”, a mulher disse. Sentindo-se um pouco envergonhada correu ao quarto, mas não sabia o que vestir. Demorou a decidir por uma saia e blusa que encontrara e calçou um chinelo, a mulher já lhe chamava da cozinha.

Ao chegar lá ela estranhou o que vestira. “Nunca te vi assim de manhã, vai sair?” Perguntou. Disse-lhe que não e a mulher deu de ombros. Havia café, leite, pão estas coisas na mesa, estava com fome e comeu com vontade, quase tudo. “Muito bem menina vejo que está se recuperando, quer mais?”, perguntou a mulher. Respondeu que não, e agradeceu. O que lhe pareceu a mulher estranhar. A mulher começou a fazer uma faxina com vassouras, aspiradores, etc. Foi para o quarto do computador onde tinha certeza poderia saber mais de si mesma.

Tinha razão, entre os documentos abertos havia muito de sua vida. Tinha 25 anos, era advogada e seu tio, que era um homem de mais 40 e poucos anos casado, com um filho e uma filha, possuía um escritório de advocacia e administração de imóveis, junto com seu falecido pai. Tivera um namorado, mas haviam terminado antes do acidente com seus pais, e nunca mais o vira. Havia uma foto do rapaz e não simpatizara com ele. Seus haviam sofrido um acidente de carro há cerca de seis meses e ela sentia-se muito só, mas não quisera deixar sua casa, nem um só dia, embora os tios insistissem para que fosse morar com eles, por isso discutira com o tio há dois dias. Os nomes estavam todos ali, fotos e dados pessoais como aniversário etc.

Era ela mesma, mas parecia que tivera uma espécie de amnésia, só se recordava mesmo, a partir daquela ponte. O resto estava conhecendo agora. A faxineira que agora já sabia o nome, Ernestina, a conhecia desde menina e era cozinheira também, vinha todos os dias fazer o almoço e deixava um lanche para tarde, à noite, quando tinha fome, comia na rua ou mandava vir alguma coisa. Distraiu-se no computador por muito tempo e a Ernestina lhe avisou que seus tios haviam chegado e a esperavam na sala.

Capitulo IV

Ficou apreensiva, mas nada havia a fazer além de ir ter com eles na sala. Ao chegar deparou com um homem alto de bigodes grossos e uma mulher aparentando ser bem mais nova do que ele. Assim que entrou o tio se aproximou dela para beija-la no rosto e perguntar se estava mais calma. Respondeu que sim e no mesmo instante a tia lhe falou que estava suando uma roupa muito que mostrava muito seu corpo. “-Você não deve andar assim”, disse que um ar autoritário que a irritou, mas não respondeu nada perguntou apenas o que queriam. Ficaram se olhando, como se não entendessem o que ela dizia. Até que a tia falou com o mesmo ar autoritário. “– Você está louca menina”. E continuou falando sobre a discussão que havia todo entre a sobrinha e o tio há dois dias e que ela pensava que era para trata-los dessa maneira.

O modo agressivo da tia a irritou muito, com mesmo tom respondeu que eles não tinham o direito de trata-la desde jeito e que não estava disposta a ficar ouvindo desaforos. A tia ficou lívida parecia quere voar em cima dela, mas foi segura pelo marido. “A Marcinha não está ainda bem, querida. É melhor deixar que ela se recupere para poder conversar e conduziu a esposa em direção a porta. A tia ainda disse:” -Esta menina é muito mimada e mal-agradecida, depois de tudo que fizemos nos trata assim “Mas já chegavam à porta, ela ficou parada como que paralisada de ódio daquela mulher, que para ela não passava de uma estranha”.

Assim que se viu só caminhou de volta ao quarto do computador, mas deu de cara com a Ernestina, que parecia ter escutado tudo escondida no corredor. “Muito menina, até que enfim deu um basta nesta mulher, eles quere é se aproveitar de você, e do jeito que você vinha fazendo ia acabar dando tudo para eles”. Sentiu que podia confiar naquela na empregada, que sabia agora quase a vira nascer. Foi com ela para a cozinha e se abriu com ela. Contou que sua memória não estava boa e queria que ela lhe contasse algumas coisas para clarear a mente, sobre sua vida. “- Pobre menina”. Disse Ernestina e lhe abraçou. Pediu para que lhe contasse o que os tios queriam com ela. “Você esqueceu?” Assustou-se a empregada. Disse que um pouco sim e pediu, por favor, que lhe contasse. Meio sem jeito a mulher contou que seu tio era empregado no escritório de seu falecido pai e que este pouco antes do acidente havia descoberto que o irmão o enganava no escritório, e há muito tempo e que eles querem agora é ela o faça diretor, gerente. “- Sei lá”. Disse. E para isso insistiam para que ela assinasse um documento e foi por isso que ela havia discutido com o tio há dois dias. “Você deveria ir lá e tomar o que é seu, minha menina, é o que seu pai gostaria que você fizesse”, concluiu a empregada, um pouco encabulada.

Percebeu que talvez essa discussão com o tio é que poderia ter lhe afetado a memória. As dúvidas agora eram, onde é esse escritório, como é, o que se faz lá. Quanto a ale ser advogada, não lembrava nem de ter estudado, quanto mais como ser uma advogada, mas não quis partilhar essas preocupações com a nova amiga, pois ela poderia achar que ficara louca ou coisa parecida, algo que ela mesma já desconfiava de si. Abraçou a empregada e agradeceu o que lhe contara e que faria tudo do jeito que ela falara. Percebeu uma lágrima escorrendo nos olhos da Ernestina, que tentou esconder virando-se para continuar preparando o almoço.

Capitulo V

Voltou para o computador e procurou mais pistas de seu passado e informações que precisava ter. Descobriu o endereço do escritório de seu pai, que sabia onde era, era engraçado que não imaginava que aquilo era dela, mas estava ali ela tinha que fazer alguma coisa a Ernestina tinha razão, e aquela tia dela, que ódio sentia do modo como a tratou, do tio nem lembrava mais o rosto, mas também não gostara de seu jeito de lhe abraçar e beijar sentiu algo estranho nele, falso e mal intencionado. Ia nesses pensamentos quando a empregada lhe chamou para almoçar já passara muito meio do dia ela sentia fome mesmo.

A refeição estava servida na mesa da copa, comeu bem e percebeu o espanto da empregada. “Nunca te vi comendo bem assim, benza deus, quero te ver em forma de novo querida, levanta a cabeça que a vida continua, para de ficar só pensando em seus pais”, e calou de repente, como se tivesse tocado em um assunto proibido levando a mão à boca e desculpando-se. Consolou a empregada dizendo que ela estava certa e para espanto dela disse que não pensava mais nisso e que iria mudar sua vida. Ernestina ficou muito feliz ao ouvir aquilo e continuou dizendo que ela devia dar um jeito naquele quarto dos pais. “Tanta precisando de roupa e aquilo tudo lá com um museu”. Falou. Concordou e disse que ia pensar nisso sim.

Acabada a refeição quis ajudar a empregada a guardar as coisas, no que foi impedida, delicadamente por ela. “Isto é minha obrigação, querida prometi a sua mãe que cuidaria de você enquanto tivesse forças e vou fazer”. Ficou emocionada com as palavras da empregada, mas disfarçou e voltou para o computador sabia que ali estavam muitas repostas para sua vida. Algum tempo passou e a empregada veio se despedir. “-Já vou Gabriela, amanhã preciso de dinheiro para compras, está tudo acabando”. Concordou sem pensar direito e deu adeus a empregada e um “Até amanhã”. Depois que ela saiu ficou pensando como faria para ter dinheiro, não lembrava de nada e não tinha dinheiro nenhum. Mas deveria ter alguma pista em algum lugar e aproveitou estar só para revirar tudo em seu quarto, com certeza acharia alguma coisa.

Não foi difícil encontrar alguma coisa, logo na primeira gaveta de cômoda, encontrou cartões de banco e de crédito, talão de cheques e uns trocados. As roupas é que era interessante, não se recordava de nenhum, como se não fossem dela. Algumas gostava, outras não. Muitos sapatos, tênis, sandálias, que achou lindas, botas e uns de bico fino que não simpatizou. Achou um secador de cabelos. “Será que sei secar o cabelo com isso?” Pensou enquanto o manuseava. A questão de dinheiro estava maiôs ou menos resolvida, poderia dar um cheque para empregada, mas lembrou-se que não lembrava como era a sua assinatura. “Que estranho” falou consigo mesma. O jeito era sacar em um caixa eletrônico, quanto à senha podia pedir outra, pois não se lembrava de nada. “Quando era seu aniversário?”, pensou, olhou na identidade e viu 20 de setembro de 19.. era do signo de Virgem, embora uma memória lá no fundo de sua mente lhe dizia outra data e ser do signo de Leão. “- Sei lá se esta aqui este dia é este dia mesmo e sou de Virgem. Chega de pensar bobagem”. Falou alto e se assustou com a própria voz.

Depois foi ao quarto dos pais e concordou com o que a empregada dissera. Era um desperdício aquelas roupas todas ali e foi além pensou em mudar seu quarto para aquele com vista para a Praça, varandinha e banheiro, era uma suíte. E pensou que no dia seguinte ia cuidar disso, mas achou tão bonitas umas camisolas e sandálias da mãe, que lhe serviam, que resolveu que ficaria com elas, o resto daria tudo. O sono chegou e ela foi deitar-se, o amanhã seria um dia cheio.

Capítulo VI

No banco fora mais fácil do que pensara, todos a conheciam, embora não reconhecesse ninguém, conseguiu uma senha e pegou o dinheiro, Não podia imaginar que tinha todo aquela dinheiro em sua poupança, mas era dela. “Vamos usar”, pensou. Mil reais deveria dar, para ela e as compras que a Ernestina pedira. Sair na rua era muito estranho, parecia que todos os homens a observavam, e isso a incomodava, ao primeiro que lhe dirigiu um gracinha teve vontade de lhe dar um murro, mas se conteve, pois percebia que não tinha força para isso e seria um barraco no meio da rua.

Pensou em ir ao escritório, mas preferiu não ir. Precisava de mais tempo para se por a par de tudo melhor, voltou caminhando para casa e percebeu por que a olhavam tanto, talvez. Estava usando um vestido de malha azul, que achara lindo e sem sutiam, seus seios estavam marcando muito, deveria ter mais cuidado com isso, quando saísse. O vestido também era curto, mas isso não a incomodava, a sandália sim, parecia a primeira vez que usava uma, quase caiu no banco e duas vezes na rua, precisava treinar em casa. “Vou andar de sandália dentro de casa o tempo todo”, pensou.

Durante o almoço falou para a Ernestina que queria que ela desse jeito em se desfazer das coisas da mãe e do pai, “-Já separei umas coisas que quero, o resto de um jeito de levar logo”. Disse. “- Muito bem menina assim é que se fala, a vida precisa continuar”. Disse a empregada. Falou também que assim que tudo tivesse saído iria se mudar para lá, o que causou um certo espanto na Ernestina. “- Estou gostando de ver”. Exclamou a empregada. Quanto ao dinheiro ficou espantada quando Gabriela lhe entregou quinhentos reais. “- Que é isso, não é compra de mês não, é apenas umas comprinhas e para pão, essas coisas, cem dá”. Disse, lhe devolvendo o restante do dinheiro.

Mais procura a tarde e até de noite, ela encontrou documentos do pai e do escritório e tentou entender bem como funcionava. Era um escritório empresa de contabilidade e administração de imóveis, seu tio Artur era contador e responsável por esta parte. Um tal de Rui de tal cuidava da administração de imóveis, enquanto uma mulher chamada Lúcia era chefe do Departamento de Pessoal. A empresa empregava mais de cem pessoas, entre porteiros, faxineiros, seguranças, etc. E o faturamento a espantou, não imaginava que chegasse a tanto aquele escritório que se lembrava apenas de fora. Realmente teria que tomar uma atitude com o tio. E os demais, como essa Lúcia e o Rui? Como saberia quem eram, nas anotações de seu pai havia comentários elogiosos aos dois parecia haver uma grande camaradagem entre eles. Não encontrou nada sobre os desfalques do tio, mas estava lá a decisão de demiti-lo ou coloca-lo em uma posição subalterna, pois pelo que parecia seu pai sentia muito a traição do irmão. “Não vou deixar essa cobra escondida lá. Vou demiti-lo mesmo”, pensou.

Nas coisas da mãe encontrou fotos suas quando criança, e roupinhas de bebê que lhe pertenceram, era tudo novidade para ela, mas encontrou também seus diplomas escolares e documentos da faculdade que cursou, o certificado de conclusão do curso de direito e sua carteira da OAB. Achou interessante isto estar guardado com sua mãe. Recolheu tudo e levou para seu ainda quarto. As fotos de sua mãe e de seu pai, embora nos os reconhecesse, também guardou, afinal eram seus pais. Sua mãe morrera com 45 anos e seu pai com 51, mas aparentavam nos retratos mais jovens e as roupas de sua mãe mostravam que ela ainda usava roupas jovens, mas discretas, calcinhas cavadas e entre a roupa de dormir que guardara estavam baby-dolls bastante ousados. Sentiu um pouco de tristeza por aquelas pessoas não estarem mais ali, poderiam lhe ajudar bastante para explicar o que lhe havia acontecido, por que não lembrava de nada antes daquela ponte.

Capítulo VII

Para levar as coisas de seus pais para uma instituição de caridade a Ernestina pediu para que ela levasse de carro, ou o emprestasse para o porteiro levar. Ela nem sabia que possuía um carro e achou melhor emprestar ao porteiro, assim saberia que carro era, “e as chaves, onde estariam?”, pensou, Perguntou sobre elas a Ernestina. “Que cabecinha essa menina, está lá na portaria, onde sempre ficam desde que seus pais faleceram”, Por que perguntou. “- Você não gosta de dirigir, então o Antônio me leva para fazer compras, ora”, disse a empregada.

Ajudou a Ernestina e ao porteiro Antônio a levar tudo até a garagem e conheceu o carro que possuía, gostou era um Verona verde escuro. Depois de levar as roupas voltaram para casa, queria mudar-se logo para o quarto maior e Ernestina lhe ajudou na mudança. Essa noite já dormiu no quarto da frente, bem maior que outro e com o conforto do banheiro anexo.

No quarto havia um espelho bem grande, junto ao guarda roupa, que ficou meio vazio só com suas roupas, mas era ótimo. Tomou um banho e ficou se olhando nua naquele espelho, como que reconhecendo seu corpo. Viu que precisava cuidar dos pés e se depilar, mas como fazer isso? A solução seria ir a um salão, mas qual? Entre suas coisas encontrou um cartão de salão de estética, que fazia tudo, cabelo, manicura e depilação, como ainda era cedo resolveu ligar para lá e tentar marcar uma hora. Quando disse seu nome foi logo reconhecida pela voz que atendeu, um tanto afetada, disse o que queria, e ficou marcado para a manhã seguinte.

Saiu cedo para ir ao salão, assim que a Ernestina chegou, gostou do atendimento e se sentiu melhor, já acostumara a andar de sandália alta, afinal a dais andava o dia todo em casa com uma bem alta, que havia sido de sus mãe. No salão estranharam a cor que escolhera para as unhas, nunca havia escolhido a que estava usando, e o fato que tenha se depilado lá, alegou que estava cansada, por isso preferia fazer lá com cera que lhe daria, segundo eles quase um mês sem precisar refazer, achou ótimo.

Em casa releu os documentos do pai e se preparou para, enfim ir a empresa que era dela, escolheu a roupa que iria e a sandália, claro procurou ser discreta, não sabia como a receberiam lá. Naquela noite sonhou com pessoas estranhas e acordou no meio da noite assustada, com a sensação de ser outra pessoa, tomou um pouco de água e custou a dormir de novo. Resolveu levantar e ir para o computador. Abriu sites que estavam na memória, alguns reconheceu e outros não, acabou por entrar em um site de relacionamento que a enfadou, mas despertou a curiosidade se ela tinha um e-mail, mas se tivesse qual seria e a senha? Será que haveria alguma anotação em algum lugar? No dia seguinte iria procurar, quem sabe na acharia alguma coisa?

Vencida pelo cansaço voltou para cama, mas antes abriu a cortina para que pudesse ver as estrelas e dormiu assim.

Capítulo VIII

Seu coração batia forte quando entrou no prédio da empresa, todos a reconheciam e ela disfarça o mais que podia, uma secretaria a conduzia a sala que havia sido de seu pai, e perguntou se queria alguma coisa, disse que gostaria de falar com a dona Lúcia do departamento pessoal, mal a secretaria saiu seu tio entrou, todo cortes, o despachou logo o deixando desconcertado, ainda mais com a entrada de Lúcia, mal trocaram olhares e ele se retirou logo. Lúcia era uma mulher de uns 40 anos mais muito bonita, um óculos lhe dava um jeito intelectual, que a agradaram e simpatizou a primeira vista. “Que bom vê-la de volta Gabriela, e acho que sei por que me chamou, seu tio não é?”, confirmou que sim. “Quero que o demita”, disse “– Vai custar caro, mas se é assim que deseja, acho certo, embora sua família vai apedrejar você”, disse a executiva. Disse que na se importava, que o que ele fizera com seu pai era indesculpável, “Que exemplo para os outros funcionários?”. “- Poucos sabem, mas você tem razão, só não queria estar na sua pele, quando sua tia aparecer”. Disse Lúcia. Ordenou que o despedisse imediatamente e que chamasse um segurança de confiança para ficar ao lado dela na sala, “- Para evitar qualquer gracinha de titio”, falou e riu.

Pouco depois que Lúcia saiu da sala, entrou um rapaz forte com uniforme de segurança, pediu que se sentasse e ficasse ali um pouco. Não demorou para que seu tio entrasse furioso na sala e aos gritos a ofendesse. O sangue subiu a cabeça da moça que gritou para que ela saísse e mandou que segurança já de pé e assustado o retirasse da sala. Os dois homens se olharam e por pouco não houve uma briga entre os dois. Um homem de cabelo crisalho entrou na sala, assim quem o viu o tio se acalmou e saiu seguido do segurança. No crachá estava escrito Rui, então esse era o Rui, amigo de seu pai. “- Acho que agiu como seu pai gostaria de ter feito Gabriela”. Disse o homem, agradeceu e procurou se acalmar, estava muito nervosa. “Não sei o que sua família vai dizer, muitos não vão acreditar que Artur tenha roubado seu pai durante tantos anos”. Concordou com ele, mesmo não sabendo quem era essa família. “- Acho que estou preparada”, respondeu.

Passou o resto da manhã se interando das coisas na empresa, andou por todo prédio cumprimentando a todos, que sorriam ao vê-la os crachás a salvavam com nomes, que procurava guardar, mas eram muitos. Por Rui soube que haviam sido feitos depósitos regulares em sua conta durante esses meses, equivalente as mesmas retiradas que seu pai fazia. Esqueceu de seu tio até que chegou em casa.

Na hora do almoço foi para casa e pediu que o segurança a acompanhasse, sentia que alguma coisa ruim iria acontecer. Ao entrar em casa seus tios a esperavam sentados na sala, sua tia estava colérica e tentou agredi-la, só não conseguindo porque o segurança segurou seu braço. Perdeu a paciência e mandou que saíssem de sua casa imediatamente e que na voltassem mais. Chamou a empregada e disse para que nunca mais permitisse a entrada deles em sua casa. Não fosse o segurança e ela estaria em uma situação difícil. Porque os dois estavam revoltados, mas saíram, não sem antes de lhe fazerem ameaças, dizendo que iria se arrepender pelo que fez.

Não comeu bem naquele dia, estava muito nervosa, mas aliviada pelo que fizera. Depois que Ernestina saiu, tomou um banho e ficou andando nua pela casa. Sentia-se muito bem assim, era verão e estava calor, mesmo no cair da tarde.

Capítulo IX

Os dias passavam e ela ia se acostumando e conhecendo mais sua própria vida. Pela manhã ia na empresa, e acostumava-se ao trabalho lá. Um problema foi sua assinatura, não conseguia mais assinar como sempre fizera e sua letra estava diferente também, a solução foi refazer todos os seus documentos, com uma nova assinatura, assim como nos bancos e no cartório. Todos estranharam essa mudança, mas logo foi esquecida. Seus tios não a procuraram mais, “ainda bem”, pensou. Uma amizade com Lúcia foi se solidificando, parece que se atraiam, ela era divorciada e tinha uma filha adolescente. Passaram a sair juntas, almoçar e jantar juntas, algumas vezes em casa, onde Ernestina sempre fazia uma coisa diferente, e muito em restaurantes. Aos domingos passou a ir na casa dela ou ela ia a sua casa. A filha já namorava e fim de semana sim, fim de semana não estava com o pai.

Um fim de semana em que a adolescente estava com o pai resolveram dormir juntas para se fazer companhia. Durante o dia foram ao clube e tomaram sol na piscina, almoçaram e jantaram fora, à noite foram para o apartamento de Gabriela. Estava muito calor e Gabriela contou que costumava ficar nua em casa quando estava sozinha. “Pois fique a vontade, esta quente mesmo” disse a amiga. “-Vamos ficar as duas assim fico com menos vergonha”, disse Gabriela. Lúcia concordou meio sem jeito e ambas tiraram a roupa. Logo ficaram meio encabuladas, mas logo se acostumaram e ambas se elogiaram pelos corpos. Realmente Lúcia tinha um corpo perfeito e Gabriela também.

Ela mostrou à amiga suas roupas e as camisolas e baby-dolls que adorava usar, riram muito e acabaram indo deitar juntas na cama de casal que agora era dela, ficaram vendo tv deitadas, quando ela sentiu o corpo de Lúcia encostar-se ao seu foi com se um milhão de abelhas a picassem. Olharam-se e acabaram com um beijo apaixonado, que as deixou coradas. Pelo resto da noite se amaram, dormindo com a tv ligada.

Acordou com o sol entrando no quarto e sentiu que estava sozinha na cama, assustada levantou vestiu um quimono, pois estava um ventinho frio e viu Lúcia sentada na varanda. Foi até ela e percebeu que estava chorando. Aproximou-se da amiga para tentar consola-la e saber o que acontecera. Lúcia olhou para ela e com lágrimas nos olhos se disse profundamente arrependida do que fizera. “-Se minha filha vem a saber que nós...”. Disse olhando Gabriela nos olhos. Ela não sabia o que dizer, seus sentimentos também estavam confusos. Falou apenas que sentido tudo tão bonito e puro e que não pensou no que fez, apenas sentiu uma grande ternura pela amiga. Lúcia confessou que sentira isto também, mas que nunca tivera qualquer desejo por outra mulher antes e não pretendia repetir e pediu desculpas à amiga, que a beijou na testa e pediu para que se acalmasse e viesse tomar o lanche da manhã.

Lúcia visivelmente encabulada, logo após o lanche alegou qualquer coisa a respeito da filha, e foi embora deixando a amiga sozinha em casa com seus pensamentos. Gabriela sentiu-se muito triste, pois pretendia passar o domingo se divertindo com Lúcia e estava sentindo algo que não sabia bem o que era com relação à amiga, mas não gostava de se encucar. Vestiu-se colocando um biquíni e um livro na bolsa, e foi para o clube, que era próximo, tomar sol na piscina. Ficou lá até à tarde, quase dormiu sob sol, comeu apenas sanduíches, lá mesmo e só voltou a pensar em Lúcia quando voltou para casa já à tardinha e percebeu que ela havia esquecido uma carteira de documentos em sua casa, levaria para ela no dia seguinte na empresa, sem problemas.

Danielle Karl
Enviado por Danielle Karl em 25/03/2007
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