CADEIRA MÁGICA
Simone Possas Fontana
(escritora gaúcha de Rio Grande-RS, membro correspondente da Academia Riograndina de Letras, autora dos romances: MOSAICO e
A MULHER QUE RI)
Parecia uma cadeira comum: o encosto e o assento estofados em napa preta, sem os apoios laterais para colocar os braços; quatro pés de ferro com cerca de 40 centímetros de altura.
Parecia comum, mas era mágica. Ela voava e era minha. Apenas eu tinha essa cadeira. Podia ir onde quisesse com ela: para cima, para baixo, para esquerda, para a direita, em círculos, devagar ou rapidamente. Adorava voar sobre os carros, árvores e telhados das casas.
Nem precisava falar; apenas pensar e ela prontamente obedecia-me! Se pensasse: “Quero ir ao hospital.” Pronto! Bastava sentar na cadeira e ela ia levantando do chão até se situar acima das casas. Então me segurava no assento que era o único lugar que havia, já que ela não tinha o apoio para os braços. Apertava bem as mãos nele, com mais força quando fazíamos uma curva para um lado ou para o outro. Dava uma vontade enorme de ir gritando de alegria, sentindo o vento lamber meu rosto e sacudir meus cabelos.
Mas ela tinha um segredo: somente funcionava se eu tivesse o pensamento voltado para Deus ou a uma obra de amor a Ele relacionada.
Num dia qualquer, estava sentada em minha cadeira mágica, curtindo a sombra de uma árvore, próximo à esquina. Dobrando a esquina apareceram vários rapazes que vinham caminhando e gritando pelo meio da rua. Eram dez menores desordeiros que queriam bagunçar a tranquilidade do bairro.
Aí começou o meu show: dei um voo rasante sobre suas cabeças, depois fiz um círculo ao redor dos dez, subi e desci. Ficaram boquiabertos e queriam saber onde estava o motor da cadeira voadora, onde estava o segredo ou se era alguma mágica.
- Esta cadeira não tem motor. Funciona apenas com a força do pensamento positivo. – respondi.
Fiz então uma proposta:
- Aposto como um de vocês consegue dar ordens para essa cadeira subir, baixar, ir para a esquerda e ir para a direita, mas para isso acontecer tem que ter o pensamento voltado para Deus.
- Ih! Sai fora, dona! Chô! Não vem falar em Deus prá gente! – respondeu um deles.
- Então tá. Tchau. – falei, sentei na cadeira e saí voando dando novamente um voo rasante e fazendo um grande círculo ao redor deles.
- Ei! Pare aí, dona! Eu topo! – respondeu um menino magrinho. – Mas como faço isso?
- Você está vendo aquela senhora bem velhinha que está parada na esquina tentando atravessar a rua já faz um tempão? Então vá lá e ajude aquela senhora. Mas não deve ir por obrigação ou apenas por causa da cadeira mágica. Deve ir com amor no coração e com o pensamento voltado para Deus. – expliquei.
Então lá foi ele. Ajudou a senhora a atravessar a rua, retornou com um grande sorriso no rosto e com os olhos marejados de lágrimas.
- Pode dar ordens à cadeira. – falei.
E ele começou:
- Para cima... para esquerda... para a direita... agora para baixo.
E a cadeira fazia tudo, mas é claro que estava apenas obedecendo aos meus pensamentos. Porém era isso mesmo que eu queria quando havia visto o grupo se aproximar. Eu havia pensado: “Se eu conseguir que pelo menos um desses garotos faça algo de bom, já ficarei feliz.” E consegui!
Saí de lá com minha cadeira e deixei-os rindo no meio da rua e dando cascudos, de brincadeira, na cabeça do garoto magrinho.
Fui voando por cima dos carros, virei à esquerda, entrando num pátio de uma casa super-arborizada. Como estava voando baixo, enganchei meus cabelos nos galhos de uma árvore. Dei uma forçadinha e consegui desvencilhar-me. Nos fundos do pátio havia uma casa pequena e simples. Do lado da porta havia uma senhora, sentada numa cadeira de roda, olhando-me. Certamente não estava acreditando no que estava vendo! Em seguida apareceu, saindo de dentro da casa, uma moça gorda, com cabelos curtos e loiros, com cerca de 30 anos de idade. Era a filha da senhora da cadeira de rodas.
A moça gorda é professora primária, mas não pode sair para lecionar porque tem que cuidar da mãe. Então ela dá aulas particulares em casa, o dia inteiro, para sustentá-las.
Pedi desculpas pelo transtorno de ter invadido o pátio da casa dela e expliquei que estava com pressa porque iria visitar a ala infantil do hospital de câncer e já estava quase no horário específico para as visitas.
Ela estava curiosa para saber como eu fazia para movimentar a cadeira. Então expliquei que bastava ter o pensamento voltado para Deus.
Ela gostou, ficou toda animada, mas logo em seguida “murchou”.
- Até tento fazer boas ações, mas não tenho tempo. Tenho que ficar o dia inteiro dentro de casa, trabalhando, dando aulas, cuidando da casa e de minha mãe que está inválida.
- Não faz mal. – respondi. - Se você tem o pensamento voltado para Deus, é isso que importa. Levante seu braço bem esticado para cima.
Voei com a cadeira até o alto de sua cabeça, estiquei minha mão para baixo e segurei sua mão. Subimos um pouco... giramos... giramos em cima do pátio da casa... sobre as árvores... e ela ria muito! Toda feliz! Depois pousamos suavemente e despedi-me, deixando ambas sorridentes em frente a casa.
Havia perdido o horário de visitas do hospital, mas não fiquei triste por isso, já que havia feito outras pessoas felizes e havia dado o meu recado.
O sol estava forte e eu estava com sede. Pousei minha cadeira na porta de uma lanchonete. Na frente do estabelecimento havia uma frondosa árvore sob cuja sombra foi colocada uma mesinha redonda com quatro cadeiras – e lá estavam quatro rapazes tomando cerveja.
Fui entrando e coloquei minha cadeira perto do balcão enquanto esperava ficar pronto o suco que pedi. Conhecia um dos rapazes que estavam sentados na sombra. Ele veio até o balcão onde eu estava.
- Moni, qual é o segredo dessa famosa cadeira? Conta aí, vai!
Enquanto bebia meu suco, contei o simples segredo: fazer o bem sempre tendo o pensamento voltado para Deus.
Quando ele foi contar o segredo para os amigos da mesa, peguei minha cadeira mágica e voei!