O PATO

Era uma vez um casal de patos que não tinha patinhos. Certa feita, o pato mais a pata, cansados daquela vida tão triste e monótona, sem os arroubos infantis de um pimpolho para lhes colorir a vida, resolveram adotar um herdeiro. Foram até a quitanda mais próxima, escolheram um ovo bem graúdo e o pato pagou por ele apenas meia pataca, pois era muito pechinchão.

Foi num domingo, enquanto o pato pitava um cachimbo e a pata estendia roupas no varal, que o rebento rebentou. Tão contentes ficaram o pato mais sua patroa que nem chegaram a reparar na feiúra do filho. No mais, sabiam que os patos nasciam feios mesmo, depois é que melhoravam, segundo as estórias que tinham ouvido contar na infância.

Não era o caso. O patinho foi crescendo e enfeiando cada vez mais. Amigos não tinha e vivia solitário, andando de patinete, patinando pelo pátio. Um dia, o padrinho mais a madrinha vieram visitar toda a patota. Achando estranha a feiúra do afilhado, disse o padrinho ao compadre:

- Compadre, o seu filho não é pato. O seu filho é condor. Com o tempo, você vai ver que eu não me engano, ele voará para o cume das montanhas.

Por sua vez, achando estranha a feiúra do afilhado, disse a madrinha para sua comadre:

- Comadre, o seu filho não é pato. O seu filho é albatroz. Com o tempo, você vai ver que eu não me engano, ele voará para o mar, atendendo ao chamado das ondas.

O pato encarou a pata com um olhar patético. Na certa, era alguma peta do padrinho patusco. Por isso, não se irritou com a patranha e respondeu ao compadre com voz paterna:

- Compadre, bem sabe que somos apenas uns pobres patos analfabetos e por isso não aprendemos a voar. Nosso filho, pato como é, vai pelo mesmo caminho e não conhecerá nunca o sublime prazer de bailar com as nuvens.

O compadre resolveu não ouvir mais patavina daquele pato teimoso e patola. Pegando a patroa pela pata, despediu-se seco de palavras:

- Então passar bem, compadre!

- Passar bem, compadre!

Mas o patinho, que ouvira toda a conversa, disse ao pai que sempre teve vontade de aprender a bailar com as nuvens. O pato deu-lhe uma bela patada nas fuças e a vontade ficou nisso.

O tempo, porém, foi passando. O desejo de voar é que não passava de dentro do peito do patinho. Tanto azucrinou o pai, que este acabou concordando em levá-lo para o alto despenhadeiro das rochas, onde a pequena vila terminava sobre o mar.

Num belo domingo de sol, toda a patada dirigiu-se para as penhas do promontório. O compadre cochichava ao pé do ouvido da esposa:

- Como ele é condor, vai voar daqui para o cume das montanhas.

- Não, replicava a comadre, como ele é albatroz, vai voar para os dentros do oceano.

O patinho tomou impulso, desajeitado como um ganso e adestrado na arte da aeronáutica como um sapo, correu até a boca do precipício e lançou-se de cabeça penhasco abaixo. De onde estavam, o pato e sua patroa, padrinho e madrinha não puderam ver direito. Mas o oceano, que possuía uma visão privilegiada do espetáculo, e as montanhas, que assistiram à tragédia do alto de sua indiferença, puderam contemplar o pobre patinho caindo como um tijolo até ir se esborrachar contra as pedras que ali cochilavam inocentes e acordaram vermelhas de vergonha.

Moral: Não importa o que você é; o que importa é se você é capaz ou não de fazer.

José Martino
Enviado por José Martino em 24/03/2007
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