Niflheim
A água extremamente gelada o envolvia, estava submerso e lutava para chegar à superfície. Quando emergiu, procurou sua arma de guerra, mas não a encontrou; certamente tinha afundado. Mas de onde viera toda aquela água; há um minuto atrás estava avançando pelas ruas entrincheiradas de Berlim e no momento seguinte acordara em um lago escuro e gélido.
Sim, agora começava a recordar, os nazistas estavam recuando, mas ainda assim atiravam saraivadas de munição sobre o exército vermelho e os aliado.
“Estou morto?” _Pensou Edgard.
Arrastando-se para fora do lago, percebeu que não era um lago e sim algo como uma gigantesca represa rodeada por muralhas que pareciam montanhas; à sua frente um caminho largo perfeitamente bem feito com grandes blocos de pedras negra e de ambos os lados espreitava uma floresta densa e tão obscura e medonha que até mesmo ele, receava se aventurar por suas veredas. Seguiu então o caminho, não havia o que ser feito, estava confuso.
O ar esfriava a cada passo dado rumo a um destino incerto, e suas roupas de guerra molhadas não davam mais conta de suportar o frio que se assemelhava ao de Moscou, vez por outra ele percebia olhos camuflados entre os galhos e folhas das árvores ao redor, mas mantinha seu pensamento firme no propósito de chegar ao fim da estrada; o uivo de lobos e o som de animais que não pareciam conhecidos aos seus ouvidos surgiam e sumiam levados pelo vento congelante.
_ Mas que lugar será esse? _ Perguntou a si mesmo baixinho, temendo que suas palavras fossem detectadas por soldados das tropas inimigas.
Ele pensava onde fora parar Berlim destruída, lá, ao menos os raios do sol passavam pelas nuvens e chegavam até a terra coberta de escombros.
O caminho desembocou em um campo onde à vegetação alta e escura balançava; começou a nevar pouco, uma neve espessa, e pequenos flocos que pareciam feitos de cristal. A luz da lua refletida nos arranjos que caiam do céu formava um espetáculo ao mesmo tempo maravilhosamente belo e terrivelmente angustiante; parecia que estava nevando vaga-lumes.
De repente ao longe alguém se ergueu do meio da grama alta, e, correndo sem nenhuma velocidade; afastava-se do forasteiro que acabou de chegar.
_ Batedores!_ Exclamou.
Num impulso que repetira muitas e muitas vezes em seus exercícios de guerrilha e até mesmo na guerra em si, ele se pôs a correr no intuito de alcançar tal espião; foi quando passou a mão pelo sinto e percebeu que ainda possuía sua faca. O inimigo não parecia ameaçador, corria desengonçado e cambaleava como um velho; rapidamente foi alcançado, mas não era um homem comum, era de baixíssima estatura; ele, em pé, só chegava à altura de uma cintura, e possuía uma barba enorme, cabelos trançados, uma espécie de capacete cônico e com certeza muita idade. Assustado, aquele ser pequeno parou e limitou-se a observar, tremia, mas não por frio e sim por medo.
_ Que lugar é esse? _ Perguntou.
O pequenino respondeu de forma histérica em outro idioma; não era possível discernir nem uma palavra do que ele dizia. Em alguns momentos parecia com o idioma falado pelos nazistas, mas em outros se parecia com alguma língua morta.
O frio apertou, a neve caiu mais forte, e foi nesse momento que pássaros revoaram por sobre a cabeça de ambos, voando pelo céu enevoado. Erguendo os olhos eles vislumbraram mais um dos belos espetáculos daquele lugar psicodélico. A aurora boreal começava a colorir os altos céus com sua magia e vagando lá em cima milhares de pássaros rumavam na direção da floresta e da grande represa.
O velho pequenino puxou-o pelas roupas parcialmente congeladas e cobertas de neve, em seguida apontou para a trajetória contrária a que faziam os pássaros; Edgard, ao voltar seus olhos para o lugar indicado, viu algo. Uma grande torre assomava sobre os campos e dava a impressão de praticamente tocar as nuvens com sua cúpula congelada e azul brilhante.
Aquela torre não estava ali há um minuto atrás, ou talvez estivesse protegida por algum tipo de encantamento; ele espantou-se consigo mesmo por pensar tal coisa, mas a verdade é que na base da torre a grande porta estava aberta, e dois homens grandes e fortes parados com roupas feitas de peles, argolas de ferro e lã de animais, estavam segurando machados enormes e mesmo ao longe observavam o forasteiro em um misto de incredulidade e espanto.
Sacando sua faca, caminhou lentamente em direção a eles, o homem pequenino não deu nenhum passo a mais, estava petrificado de tanto medo; passando pela porta o soldado divisou um enorme aposento redondo como uma arena, cercado por pilares que sustentavam o chão do que provavelmente fosse um andar superior, metros sobre sua cabeça; o solo parecia ser mármore branco e turquesa, grandes piras possuíam um fogo bruxuleante e frio. Os guardiões não se moveram enquanto ele passava, homens corpulentos de aproximadamente dois metros de altura, barbas e cabelos desgrenhados cujas cabeças estavam adornadas por capacetes ostentando grandes chifres.
Do lado de dentro da grande torre, havia em pontos distintos do círculo outras portas, enormes também, e em cada um dos pilares uma arma de batalha antiga para os padrões de sua época, embora soubesse manuseá-las, em um pilar uma lança, em outro uma maça, em outro um machado, escudo, espada e assim por diante. Ele não contou, mas havia noventa pilares ao todo.
Uma das portas se abriu com um estrondo ensurdecedor seguido de tremores de terra e por ela passaram seres que nenhuma mente de sua época poderia ter visto enquanto em vida, dois gigantes, homens cuja estatura estava entre três e quatro metros de altura, fortemente protegidos por armaduras e empunhando machados que por si só eram do tamanho de Edgard; em seguida um ser medonho, parecia um homem, entretanto sua aparência era grotesca como se deformado fosse; ostentava em suas costas um grande estandarte preso a um pequeno mastro. Este último possuía algo que brilhava como ouro nas mãos e logo anunciou:
_ Edgard Semak _ chiou; continuando_ último dos descendentes da ordem dos prussianos. Bem vindo a Niflheim, reino do gelo eterno, raiz mais profunda de Yggdrasil, a árvore dos mundos.
A voz dele era chiante e arrastada de modo que incomodava ao soldado, mas ele não se permitia demonstrar nenhum temor.
O arauto insistia:
_ Mortal; os deuses das terras geladas reivindicam o direito de divertir-se com você, como nos foi pedido e seu corpo foi retirado da terra dos viventes, Midgard, a fim de que sirva de adversário para estes “Jotuns”_ e apontou para os dois gigantes._ O que tens a dizer antes que os jogos comecem?
Agora sabia o que estava acontecendo; anos antes de se juntar às tropas soviéticas que dariam o golpe de misericórdia bem no coração de Berlim contra os nazistas, ele esteve na Noruega, onde fora abordado por adoradores de deuses pagãos e tradições antigas que intentavam sacrificar pessoas de uma vila escondida nas montanhas, lá, ele frustrou os planos de toda aquela corja e por fim eles disseram que os deuses cobrariam a vida de Edgard por causa de seus atos.
Edgard Semak sempre fora um grande soldado de uma família que praticava os credos ortodoxos de Constantinopla, e naquele momento provaria aos próprios seres que na terra aprisionavam tantas pessoas com seus costumes estranhos e vontades destrutivas, que um homem era capaz de vencer o desígnio dos deuses mesmo num combate desleal e insólito.
_ Envie seus guerreiros._ Disse em alto e bom tom._ Agora é chegado o momento em que um único mortal vencerá seus campeões.
Um dos gigantes bateu com força seu enorme machado contra o chão de mármore em uma clara tentativa de intimidação; o arauto retornou pela mesma porta através da qual havia chegado e esta se fechou.
O soldado mortal ignorando o frio extremo que estava presente no lugar correu em direção a um dos pilares e dele retirou também para si um machado de batalha com duas lâminas e de outro pilar uma bruta e pesada maça.
Assim Edgard Semak, que desapareceu da terra no fim da segunda guerra mundial; sendo arrebatado para uma terra obscura onde foi condenado a passar a eternidade confrontando as faces do mal e os “espíritos” vikings em seu território efêmero.
Foi dado como baixa de batalha porque ninguém jamais encontrou seu corpo.