A borboleta Rainha
Quando viu aquela borboleta sobrevoando o espelho d’água e fazendo evoluções no ar; Flávia ficou extremamente impressionada, não pelo fato de aquela borboleta estar subindo e descendo, girando e por vezes parecendo parar sobre a água. Mas sim pela própria borboleta em si.
A começar pelo tamanho do inseto que mesmo estando relativamente longe do lugar onde Flávia se encontrava ainda parecia ser muito maior do que o tamanho normal. A borboleta devia medir de uma asa à outra, aproximadamente uns quarenta centímetros. Embora Flávia já tivesse visto algumas bem grandes, nunca tinha encontrado uma tão grande assim e nem tão bela também; de fato, as maiores que já tinha visto eram na verdade borboletas negras ou de tonalidade escura.
O inseto com aquelas asas enormes e multicoloridas dançava flutuando nas suaves correntes do ar da manhã sobre o pequeno ribeiro que passava bem em frente de onde Flávia estava acampada com mais três amigos e amigas. Todos eles estavam ainda dormindo, haviam feito uma comemoração ao redor da fogueira com tudo que tinha direito na noite anterior; músicas de acampamento embaladas pelo violão de um deles, histórias de terror, e guloseimas espetadas em palitos de churrasco e tostadas no fogo. Essa comemoração particular entrou pela madrugada; mas a moça nunca conseguia dormir até tarde e se levantou bem cedo para lavar o rosto junto ao pequeno rio.
Caminhou um pouco e se distanciou das barracas onde os colegas dormiam; ficou ali parada olhando o sol e a beleza do lugar. Um tapete florido se estendia desde a outra margem do rio até uma entrada mais ao longe repleta de mata atlântica preservada. Estavam no município de Mesquita, Rio de Janeiro, e Flávia jamais podia imaginar que existisse um lugar tal como aquele; não na baixada fluminense.
Tratava-se de um vale entre duas montanhas, uma menor na frente dividindo o vale da cidade e outra maior atrás como uma grande muralha verde; onde a menor possui apenas vegetação rasteira e poucas árvores ao passo que a outra possui mata fechada até onde a vista alcança. Porém entre elas fica localizado este vale criado pela natureza que de tão bem cuidado poderia até ser comparado com um imenso jardim.
Muitas pessoas subiam à montanha menor chamada monte Guararapes; sobretudo religiosos, pelos mais diversos motivos; porém poucos passavam para o lado de trás do monte que eles mesmos apelidaram com o nome de Horebe. Mas aquele lugar tinha sido descoberto por alguns jovens em busca de um local para acampamento e desde então muitas pessoas de diversas partes do estado e até mesmo de outros estados iam sistematicamente ali acampar ou simplesmente ter um bom encontro com a natureza.
Dizia-se que passando o ribeiro e atrás da primeira coluna de grandiosas árvores centenárias, antes da subida para a segunda montanha existia uma grande caverna escondida em um maciço rochoso, mas todos preferiam ficar acampados naquele belíssimo vale-jardim. Alguns grupos de defesa ambiental também costumavam se reunir ali, mas a extensão do local era tamanha que Flávia não tinha avistado pessoa alguma desde o momento em que levantaram suas barracas no dia anterior até aquele horário.
A borboleta dançou mais um pouco sobre a água, fazendo pequenos vôos desordenados; devia estar querendo beber um pouco da água límpida do pequeno rio assim como a moça tinha feito minutos antes.
Flávia olhou ao redor e, pensativa, imaginou que todo aquele vale parecia ser na verdade um grande santuário natural; ela ouvia apenas os sons da natureza, o trilar e o gorjear dos pássaros ao longe, um ruído constante do que pareciam ser grilos escondidos no capim ou algum tipo de insetos semelhantes e o leve som do ribeiro a sua frente cujas águas desciam mansamente de algum lugar no topo da montanha, atravessavam o vale sem nenhuma fúria faziam uma curva ao longe, entravam na mata, e seguiam para um destino desconhecido. O resto era silêncio absoluto.
Sua atenção se voltou novamente para a grande e vistosa borboleta que agora já havia atravessado o rio e sobrevoava o tapete florido na margem oposta, a imagem era magnífica; as asas batendo suavemente e com uma simetria impar, e a borboleta subindo e descendo sobre as flores mais próximas como se estivesse escolhendo a mais bela para pousar sobre ela.
As cores das grandes asas era um espetáculo extra, a luz do sol parecia literalmente reluzir sobre elas, como se fossem estruturas feitas de algum material laminado e colorido; aliás, as cores diversas pareciam mudar de tonalidade na medida que as asas se mexiam.
Flávia ficou inebriada com aquela cena e muito mais quando percebeu que em meio ao enorme jardim florido havia outras, muitas, borboletas menores; nenhuma delas era tão bela quanto a primeira, não que não o fossem, mas a borboleta maior ofuscava todas as demais. Elas se levantaram do meio das flores e começaram uma dança em pleno vôo ao redor da maior, pareciam saudá-la. A moça perdeu a conta quando contou e chegou no número de trina pequenas borboletas de todas as cores; brancas, azuis, laranja, negras, roxas, amarelas, verdes; nunca tinha visto na vida uma borboleta verde, mas estas ainda não eram as mais estranhas.
Ela não tinha conseguido contar com precisão, até porque o sol da manhã refletido na água estava atrapalhando um pouco a visão assim como o balé dos insetos, mas Flávia viu claramente pelo menos duas borboletas de asas transparentes; ficou estupefata com aquilo, era simplesmente um milagre da natureza; a visão mais bela que ela já tinha presenciado na vida. Sentiu-se presenteada por estar podendo ver aquela demonstração de vida dada por aqueles pequenos animais flutuantes.
Como se não bastasse a grandeza daquele momento até então, a borboleta maior e mais bela ergueu-se em um vôo reto em direção ao céu, não subiu muito, não mais do que dois metros do solo, mas fora acompanhada de perto pelas outras que num vôo espiral giravam entorno da maior. Aonde a borboleta maior ia as outras também iam girando e se aglomerando como um mosaico vivo e multicolorido; quando a grande descia e tocava as flores, as demais também o faziam, quase que numa atitude de reverência.
A moça parada agora na beira do ribeiro finalmente piscou, tinha sido quase que totalmente hipnotizada pelo magnífico teatro encenado pelas Borboletas; a cena era algo que ela tinha certeza que jamais ia esquecer, porém gostaria que mais alguém visse e compartilhasse do mesmo sentimento que a inundava ali. Pensou em correr até as barracas e acordar os outros, mas ficaria sob o risco de quando voltar já ter perdido todas as pequenas bailarinas de vista. Não tinha escolha.
Uma de suas amigas ali era uma apaixonada por natureza, flores, animais, paisagens e tudo o mais que ela pudesse fotografar; Flávia sabia que a amiga tinha trazido a máquina, até porque no dia anterior tinham tirado muitas fotos assim como na festa ao redor da fogueira.
As borboletas começaram a rumar para o lado da mata fechada, o lado mais afastado do vale, sempre com movimentos graciosos que pareciam ser orquestrados pela maior voando constantemente na frente das outras. Flávia correu até a barraca, nem se deu conta de que o barulho que fez acordou os outros, mas ela não estava preocupada com isso, revirou as coisas o mais rápido que pôde até encontrar a câmera fotográfica da colega. Voltou correndo e acompanhando a margem do rio até a curva onde ao fundo ainda podia ver as borboletas dançando.
Felizmente o zoom da máquina era dos melhores e Flávia começou a disparar sobre as borboletas, mesmo ao longe ela conseguia capturar muito bem as imagens das pequeninas, na medida do possível; nenhuma ficou tremida. A máquina era excelente e a moça fotografou com imensa felicidade as borboletas com asas translúcidas, verdadeiras obras de arte da natureza, mas o mais incrível de toda essa experiência ainda estava por se revelar.
Aumentou a potência do zoom para finalmente poder fotografar a maior de todas, aquela que parecia ser a rainha das borboletas; ouviu uma das amigas chamar seu nome, mas estava tentando enquadrar o alvo de sua foto e não podia perder tempo, os insetos já estavam quase que totalmente fora do vale e dentro da floresta. Chamaram-na novamente no momento em que finalmente ela conseguiu enquadrar a maior borboleta de todas, ia imortalizar aquele momento e poderia mostrar para todos quanto quisesse.
O susto foi tão grande que a máquina caiu no chão antes que Flávia batesse a foto, pois no exato momento em que enquadrou a borboleta esta girou em pleno ar revelando-se por completo, e não só as grandes asas que até então eram as únicas parte bem visíveis; se não fosse a potência do equipamento que cobriu a distância entre Flavia e a borboleta, certamente ela jamais teria visto o que viu.
Aquilo podia ser tudo no mundo, mas borboleta não era. As asas eram grandes e em formato semelhante ao das pequenas bailarinas, mas aquilo tinha corpo e rosto humanos embora em tamanho muitíssimo reduzido para os padrões normais. E eram um corpo e um rosto de mulher.