BAILE NA LUA
PF03 num gesto quase autômato coloca os brincos de strass. Não gostava muito de brincos grandes, mas a ocasião merecia um pouco de exagero. Se é que se podia chamar de exagero o simples fato de ostentar dois belos brincos em lugar das medíocres argolinhas de ouro que sempre usava. Sempre se achara um pouco medíocre e sem graça. Sempre passava despercebida, exceto naquele dia na quermesse quando conquistara seu primeiro amor. Naquele dia também usava um vestido verde de florzinhas bem miúdas. Foi enquanto dançava que ele a pediu em namoro e trouxe-a de encontro ao peito num gesto quase ousado. Rubra e de coração aos saltos aceitou para depois viver as certezas e incertezas do amor. O primeiro amor se transformou no velho amor do passado...
Com certa amargura PF 03 tentou tirar essas lembranças da alma afinal hoje era dia de baile e queria brilhar. Não era sempre que acontecia um baile na lua. Ela que tantas vezes já havia dançado ao luar em noites de São João... Ensaiou um sorriso leve e maroto e rodopiou diante do grande espelho em sua cabine. A saia godê duplo de musselina verde varreu o espaço em leves passos de valsa e ela fechou os olhos levemente sonhadores e pode sentir os acordes dos “Contos dos Bosques de Viena” de Johann Strauss. De repente flutuava no ar na superfície da lua. Por instantes perdeu-se no seu próprio espaço. Quantas vezes fizera isso. Sempre fora uma sonhadora incorrigível. O infinito a tragava tão facilmente. Talvez por isso já tenha sentido as tramas do amor. Tudo nela era intenso. Até mesmo sua mediocridade de menina da roça que corria pelos campos a colher margaridas amarelas e sonhava com um príncipe de cavalo branco. Agora aos dezessete anos suas quimeras se misturavam por vezes em rebeldia. Aquela que a fazia cortar os estradões no velho Alazão e equilibrar-se sobre as tábuas do curral. Mas eram somente os anseios represados de uma menina que mal sabia o que era um beijo, mas que já sentia o fogo do desejo correr nas veias. Foi nesse enlevo que ela se viu novamente nos braços daquele velho amor e lhe entregava o olhar e o beijo que nunca ousara.
De repente, assustada com os rumos do pensamento PF03 volta à realidade até porque no grande salão da nave RM01 já se ouvia o som de música e risos. E depois não queria voltar ao passado embora quisesse viver algumas de suas emoções como ser tragada pelo olhar e beijo de algum poeta que talvez lhe tirasse para dançar.
De sorriso nos lábios olhou novamente para o espelho e a imagem que viu surpreendeu-a. Tinha apenas dezessete anos e parecia uma mulher madura com os cabelos levantados ao alto. Grandes mechas onduladas desciam pela face dando-lhe um olhar sedutor. Ah! O olhar... Já tinham lhe dito que seu olhar parecia falar. Achou engraçado porque seus olhos eram pequenos e talvez mais medíocres que sua própria vida. Foi um moço bem mais velho apresentado por sua madrinha justamente quando aquele velho amor partiu e deixou-a triste. Ficou meio sem jeito, mas não cedeu às investidas do moço. Não queria se envolver. A tentativa de sedução não deu certo...
Nessa grande noite havia se esmerado na maquiagem dos olhos fazendo-os pareceram maiores. Conseguiu o efeito esperado e talvez algum poeta atendesse aos seus apelos. Pensando assim sorriu para si mesma dizendo que hoje seria mais do que tivera sido outrora. Sua rebeldia e anseios estavam aflorados...
Depois de retocar o batom cor de romã pegou a bolsa prateada combinando com os sapatos e saiu da cabine com passos decididos que duraram apenas enquanto atravessava um extenso corredor rumo ao salão de festa da nave. Luzes de neon ofuscaram seus olhos e por instantes sentiu-se um pouco perdida e certo medo invadiu-lhe a mente. Foi então que pensou que somos o que somos eternamente. A identidade é construída dia a dia, mas o fato, é que ali, diante de todo aquele esplendor sentiu que ainda era e seria a mesma de antes: medíocre e tímida. Os passos mais lentos agora parecia serem medidos assim como fora medida toda sua vida: palavras e gestos. Quem tem pai autoritário aprende desde cedo essas coisas.
Parou por um instante e ficou admirando tudo que via à sua frente. Tudo era alegria no salão. Risos e danças... Não, não queria se perder em amarguras decidiu...
A primeira pessoa que viu foi PF01 em seu belíssimo vestido azul e cabelos louros. Parecia uma fada e logo ficou imaginando sua varinha de condão enfeitando o RL de belíssimas trovas e poesias. Sorriu e lembrou-se de seus próprios versos recheados de sensualidade, emoções e sonhos... Havia uma fase para cada um, inclusive aquela fase do cio pensou rindo. Sentiu-se mais segura e começou a caminhar quando sentiu um leve toque em seus baços alvos. Ao retornar o olhar deparou com PM03 que tinha vindo-lhe ao encontro e nem tinha notado. Num gesto romântico beijou-lhe as mãos. Estremeceu, pois jamais havia recebido um gesto desses na vida. Teve medo. Medo de apaixonar. Tudo era possível, ainda mais estando ali na lua, sua eterna musa. Deus! Como era tolinha. Tolinha e carente. Poetisas eram tolas e carentes. Bastava ler cada verso de seus poemas. Conseguiu sorrir com o coração sobressaltado e PM03 a convidou para dançar. Aceitou e ficou olhando aquela pista enorme e circular em cujo projetava sombras vindas dos globos reluzentes do teto abobadado da nave. Levada por PM 3 atravessou quase sem sentir o piso deslizante do salão. Parecia levitar. Sem conseguir tirar o sorriso dos lábios parecia mais ingênua e medíocre. Mas quando a valsa começou teve a certeza de que podia viver uma realidade num sonho. Um sonho de cinderela dos contos de fadas.
A valsa era justamente “Os contos dos bosques de Viena” de Johann Strauss e PM 03, decidido, na leveza e elegância dos acordes, enlaçou possessivamente a cintura delgada de PF03. Olhou-a dentro dos olhos e seu coração disparou enquanto sentia-se ser levada por aquele salão enorme rumo ao sonho e a ilusão. PM 03 tinha uma masculinidade madura apesar de seus dezessete anos. Sabia como ser cavalheiro e sedutor. Quais seriam sãs intenções? Apenas dançar ou algo mais em sua cabine mais tarde? O coração sobressaltou ante a possibilidade desse “algo mais”.
PF03 fechou os olhos a sonhar levada naquele som, suave e sereno, sucumbida por braços fortes a rodopiar, flutuando apenas com aquele ardente olhar. Não sabia se era a força da gravidade da lua ou da própria imaginação, mas o fato é que flutuava como pena e não queria mais abrir os olhos. A realidade é tão fria e cruel e por vezes se cansava dela. Hoje seria a noite da entrega. Não importava qual entrega fosse. Da alma e até do próprio corpo para viver volúpias reprimidas até então.
De repente sentiu que o mundo havia parado e não ouvia nem mais os belos acordes da valsa. A lua exercia uma força e energia tão grande sobre PF03 que ela pensou que tinha entrado em estado de Alfa e calmamente se encaminhava para o estado de Teta, pois em seu estado cerebral parecia não mais existir tempo e espaço. Foi então que sentiu um beijo como uma brisa amena e lentamente abriu os olhos. Foram micros minutos que parecera uma eternidade em seus sonhos. PM03 como um príncipe a havia despertado com um leve beijo na face. Olhava-a um pouco assustado, pois não compreendia esse seu enleio e ela ficou meio sem jeito. O que estaria pensando dessa menina sonhadora? Talvez risse em seu íntimo, pois homens estão acostumados com a razão dos fatos. Talvez ele não compreendesse o que se passava na cabeça de uma mulher que sonhava o infinito. Assim o sorriso que veio depois de PM03, ela não sabia se era deboche ou compreensão. Contudo, ele a tomou pela mão e levou-a até o bar. PF03 seguiu-o obediente e isso a incomodou, pois não gostava da possessividade dos homens. Mas desde menina sentira a do próprio pai. Isso era algo contra o qual seu interior lutava em busca de uma liberdade ainda que clandestina. Sua liberdade e sua felicidade sempre foram clandestinas pensou e suspirou. E ali estava a oportunidade de viver uma liberdade que não tivera.
PF03 não gostava de bebidas alcoólicas, mas aceitou um coquetel refrescante feito à base de rum jamaicano, suco de abacaxi e licor de ervas francês. PM 03 preferiu uma dose de uísque. Escolheu a marca do whisky mais famoso do mundo, um Johnnie Walker, talvez pelo fato de conhecer a história do mesmo, uma grande história de superação e determinação da família que o criara. E depois determinação era o que ele precisava ter ali naquele momento. Gostava de coisas fortes e talvez estivesse precisando disso agora para compreender a fragilidade daquela menina que quase desfalecera em seus braços. Apesar de saber que tomar Uísque é uma arte, um momento muito especial, tomou a sua dose quase de uma só vez, olhando PF03 através do liquido transparente Olhava-a de um de um jeito diferente. Quase inquisidor. Queria descobrir o que se passava na sua mente. Certamente um orgasmo a levaria ao céu. Ou a desfaleceria. Correria o risco? Será que ela iria até sua cabine?
PM 03 tomou as mãos de PF03 e levou-a até uma grande janela transparente que mostrava a superfície da lua. Por um momento ficaram olhando aquela paisagem desordenada. Era mágico estar nessa outra face da lua tão fria e sem cor, mas ao mesmo tempo sentir sua influência na alma. PF03 estremeceu e PM03 a enlaçou levemente pelos ombros e trouxe-lhe de encontro ao peito. Era um convite mudo e PF03 entendeu. Movida pela reação leve do álcool do Jamaican Rum Punch sentia as fibras de seu ser desordenadas e clementes. Quando olhou para PM03 sabia bem o que ele queria e conseguiu até sorrir de um jeito sedutor encorajando-o. Bastou isso para o beijo lunar acontecer e momentos depois o vestido de musselina verde cair docemente no tapete creme da cabine de PF03...
( Obs: esse é só um conto de fantasia inspirado na viagem a Marte proposta por Trovador das alterosas. Há contudo, alguma realidade de minha vida mesclada na trama. Ah! O personagem PM 03 é uma escolha aleatória e na verdade, nem sei quem seja. Espero que ele não se importe, pois na verdade, tudo isso é só uma brincadeira, mas se tiver objeção, entre em contato que mudo tudo ok?)