Amor de gato VI

Naquela manhã Allan acordara de bom humor. Entrou no banheiro e estranhamente Lala entrou junto em sua forma felina , parando ao lado da pia com um ar ligeiramente sonolento. Os gatos eram bem limpos e mesmo em sua forma humana Lala parecia bem limpinha, mas nunca a tinha visto tomar banho. Ficou a encarando por um momento e então fechou a porta do banheiro. Lala ouviu o som e pulou para o canto oposto do banheiro assustada.

- Hoje vai ser seu primeiro banho não é?- ele disse tentando pega-la, mas mesmo com o banheiro pequeno ela o driblou facilmente e parou na frente da porta, quando Allan percebeu a Garota-gato ja estava com a mão na maçaneta. - Não fuja!- Ele a segurou pela cintura a tirando da porta e ela se voltou para ele o abraçando com as unhas segurando as costas do rapaz. Ele soltou um leve murmúrio de dor.

Allan encontrou dificuldade em tirar a bermuda com Lala agarrada a ele com braços e pernas. Quando entrou no box e ligou o chuveiro, sentiu nas costas o aperto das unhas ligeiramente afiadas. Tomou mais cuidado que o normal com a temperatura da água e ouviu um "Lala não gosta de água" tímido e abafado no pescoço dele. Era difícil se concentrar em não lembrar da noite anterior com o corpo dela colado ao dele, mas Allan conteve sua animação e pouco tempo depois sentindo a água morna Lala estava mais relaxada.

O banho foi rápido, levando em conta que eram duas pessoas. Quando Lala voltou a pisar no chão Allan se sentiu aliviado do peso. Ela tinha um cabelo comprido que molhado parecia quase chegar ao meio das coxas. Ele a lavou por completo e quando chegou as partes íntimas dela pediu que ela voltasse a forma felina.

-Mia... Porque? Não precisa ter vergonha da Lala, já fez mais que isso.

Allan sentiu sua face ficar quente, algo incomum para ele. Deu de ombros, engoliu a vergonha e assim o fez.

- Um homem tem que ser um homem e encarar os desafios de frente e ser forte. - As palavras saíram para o distrair de onde os dedos estavam.

Quando a estava secando notou que o corpo de sua dama tinha uma mistura de infantil e sensual.

-Lala vai arrumar as coisas. - Ela disse alegre terminando de ajeitar a camisa e bermuda que ja pertencia a ela, logo depois desceu correndo em seus passos silenciosos

Allan sentou um tempo na cama encarando seu corpo levemente tenso, nunca tivera uma aproximação tão grande com uma mulher. Cantadas, brincadeiras, sexo, tudo isso era diferente de morar junto e dar banho sem poder levar para a malícia. Um suspiro veio espontaneamente. Uma gata ou uma humana? De estimação ou namorada? Parou depois de um tempo seus devaneios, vestiu uma cueca e começou a descer as escadas. Tivera a leve impressão de que Thomas havia passado.

-Está cedo para esse corno acor... - foi interrompido no fim da escada pelo barulho de algo quebrando. - O que está acontecendo? - Chegou na porta da cozinha e viu Thomas, depois Lala - Oh droga...

-Mia... Mestre, Lala odeia sangue...

-Sangue? Onde? - E então Allan viu. O pé de Thomas estava repleto de sangue. - Cruzes, Thomas, você vai morrer se não der um jeito nisso! - Allan pediu que Lala pegasse a caixa de primeiros socorros no quarto do amigo. Enquanto a caixa não chegava ele viu Thomas chamar Woru que apareceu vinda da janela em um belo salto. Ficou analisando os dois. Não prestou muita atenção no teor da conversa pois o sangue estava o enjoando, mas notou que Woru tinha alguns traços humanos. Afastou a ideia tola que estava chegando em sua mente com o argumento "se Woru fosse como Lala, Thomas não teria surtado e se feito esse estrago.". A gata chegou com a caixa e Allan voltou a se concentrar no pé. Pegou a pinça e o álcool, então descobriu pela infelicidade de todos que não sabia nem como começar.

-Thomas, eu nunca fiz isso, você vai ter que ir me dizendo o que fazer.

- O que?! - Thomas disse como uma moça histérica- Além de ser o paciente ainda vou ter que ser o enfermeiro?! Oh, céus eu não nasci pra morrer de hemorragia por causa de um caco de vidro. - Aquilo soou aos ouvidos de Allan como novela.

-Deixa de ser fresco! - Lala o cortou como todos que conheciam o Thomas já desejaram fazer - Me dá isso aqui, Allan, vou resolver o problema em dois tempos. - A bipolaridade da gata acabara de reacender.

-O que?! Quem é você, pra começar?! Eu vou morrer. Woru, não se esqueça de me devorar e esconder meus ossos no jardim... Estou ficando com as vistas embaçadas.

-Nossa, mas é um boiola mesmo... - Lala pegou a pinça de Allan e ele preferiu deixa-la no controle. Ela entregou um rolo de bandagens para Thomas morder. - Isso vai doer... - e então tirou o caco com a mão firme. O sangue começou a sair mais forte e ela jogou o soro fisiológico encarando a ferida como quem soubesse muito bem o que estava fazendo. - Mas que droga! Allan, abra uma agulha dessas pra mim. Rápido, meu filho, é pra ontem!- Allan obedeceu atentamente e quando abriu o saquinho em que estava uma das agulhas, um cheiro forte de produto veio ao nariz do rapaz o fazendo ficar um pouco tonto. Ela costurou o pé de Thomas em 3 pontos que fariam um cirurgião ou uma costureira se sentirem crianças. - Pronto. - Ela disse sorrindo quando acabou.- Faça-me o favor de não ficar forçando o pé agora, viu?

-Ah, obrigado... Mas quem é você, mesmo? - Ele disse em um tom sem graça e então Allan olhou Lala que retribuiu o olhar. Aquilo ia ser complicado. Ela disse que ia limpar a bagunça se levantando.

-Você ainda não assimilou bem, não é? - Allan pensava nas palavras certas para colocar a situação.

- O que exatamente eu não assimilei?

- Ela... Bem, ela é a Lala.

- Lala... A gata?- Thomas ainda não havia entendido muito bem.

- É, bem... Eu acho. Olha, eu sei que é difícil de acreditar e tal, eu também achei meio bizarro a primeira vez que vi, mas, sei lá, eu gosto muito dela assim - Allan olhou a garota limpando o chão e suspirou. Era mais difícil explicar do que entender.

- Você está tentando me dizer... que aquela garotinha ali... é o seu gato. É isso? - Thomas nunca acreditaria sem ver.

- Ah... Lala, ele não quer acreditar em mim - Ele disse olhando a gata, ela também sabia que Thomas teria que presenciar a transformação. Lala terminou de limpar e então o fez. Allan não sabia mais se a transformação de Lala era algo lindo ou estranho, aquilo o fascinava mas o lembrava que não tinha um relacionamento muito normal. Olhou Thomas que estava boquiaberto e quando o amigo o olhou de volta Allan sorriu tentando mostrar que estava tudo bem, mesmo que não soasse muito convincente.

-E você, Allan? - ele disse com um sorriso de quem estava afundando na loucura- É um pinguim?

- Não, não, eu sou humano mesmo.

- Ah. E de qual que é a da gata? Porque te chama de mestre?

- Porque sou o dono dela...- Allan pensou na relação que tinha com Lala - Ela é um gato e eu o dono - Ele não gostava muito disso de servidão, por isso gostava de gatos. - Tipo isso. Ou eu sou o servo e ela é a dona, levando em consideração de que é de um gato que estamos falando.

- Aham... - O corno sacudiu a cabeça como quem quisesse colocar tudo em ordem, depois sorriu, depois olhou pra cima e então suspirou. Allan achava que era o que acontecia quando quebravam as barreiras da lógica de uma pessoa, ela ficava estranha. - Ok. Deixa eu ver se entendi. Você tem um gato.

-Sim. - Ia começar a sessão "Recriar barreiras da lógica."

-E esse gato vira gente.

-Sim

- E essa pessoa é aquela garotinha que estava lavando louça.

-Sim

-Então, era essa garotinha que estava arrumando a casa toda e cozinhando para nós esse tempo todo?

-Sim. - Dessa vez Allan disse meio hesitante.

-E escovava os pelos da Woru?

-Sim, era ela - Allan disse seguindo a própria lógica já respondendo aquilo que não sabia já que nem havia notado o pelo da Woru.

-E tirava os tufos de pelo?

- Era ela - Allan disse, afinal quem mais seria?

-Allan...

-Fala, Thomas.

-Me ajuda a subir as escadas. Hoje vou dormir o dia inteiro, porra... isso é demais para minha cabeça... e não comente isso com ninguém, caralho. Não quero ninguém invadindo minha casa pra tirar foto de mulher-gato.

-Mulher-gato. - Allan disse se lembrando de uma revistinha que seu pai via de uma Mulher gato.

-Eu sei, é antigo, super retrô, mas eu adoro a Mulher-Gato, agora me ajuda a subir a porra das escadas e me deixa dormir o dia todo... Mereço um descanso depois desse bombardeio de informações não registradas em nenhum livro de biologia.

-Você quem manda Thomas...- Allan disse rindo.

O resto daquele dia foi muito bom, Allan estava fazendo uma maquete em seu computador e Lala acompanhava admirada, perguntando e apontando com olhinhos brilhantes. Ela parecia gostar de aprender. O tempo gasto nesse trabalho foi bem maior do que deveria, mas o rapaz nunca havia feito um trabalho tão alegremente.

-Mia! Lala entendeu muita coisa - a gata disse se jogando na cama.

- Que bom que você gostou, - Allan disse sorrindo deitando ao lado dela lhe dando um beijo na testa. - Você aprendeu bem rápido. - Aconchegou a garota em seu peito e ela começou um ronronar - Acho que preciso de uma cama de casal, agora que moro com minha namorada. - Allan sorriu. Ouvindo aquilo Lala o olhou confusa

- Lala não é namorada. - Aquele comentário pareceu sair muito fácil para ela, mas na cabeça de Allan ele ecoou de forma perturbadora.

- Não entendi. - Ele a olhava quase que com uma expressão assustada.

- Lala não lembra de mestre ter a pedido em namoro. - Ela disse no mesmo tom anterior, como quem conta algo óbvio.

- Entendo. - Allan suspirou, fora meio inesperado aquilo, mas fazia sentido. - Não me chame de mestre, sim? - Ele mudou de assunto.

Lala consentiu com a cabeça e Allan fez o carinho costumeiro na orelhas felina escutando o mesmo ronronar que o acalmava até o adormecer.

O outro dia começou tenso. Allan não conseguia parar de pensar: Se Lala era um gato ela não iria querer o namorar, eles não eram nem da mesma espécie. Se ela era uma linda humana, não iria querer namorar um qualquer, mesmo que ele a tenha adotado. Lala era os dois. Ela tinha muito mais motivos para não namorar com ele, sem contar que ela nem o considerava namorado, mesmo depois de eles estarem morando juntos. Ainda assim era fato que ele não havia a pedido em namoro. Pensou muito e mesmo assim, pedir o animal de estimação em namoro parecia ridículo. No fim do expediente, viu que Helga ainda estava trabalhando. bateu na porta da sala de sua professora-chefe-conselheira e depois abriu.

-Esqueceu algo rapaz? - ela perguntou sem tirar os olhos do trabalho

-Eu queria perguntar uma coisa para a senhora... - Allan começou tentando buscar as palavras certas. Quando se tratava de Lala nada parecia muito certo.

-Faça. - ela levantou os olhos, arrumou os óculos e o olhou com o mesmo semblante de anciã

-Mulheres. Se você não as pede em namoro por achar que já estão namorando, você está namorando com ela ou não?- Ao ouvir as palavras do aluno, ela deu um sorriso que apenas quem a conhecia bem notava. era uma mínima diferença labial.

-Feche a porta. - Quando Allan a obedeceu ela prosseguiu - Quer me contar o que aconteceu?

- A garota, que eu gosto. - ele suspirou - não acha que estamos namorando porque eu não a pedi em namoro.

- Porque não a pediu? - Helga voltou seus olhos para seu trabalho.

- E se ela não aceitar?

- Não me importo, você também não deveria. Faça o que quer fazer, peça a moça em namoro se assim desejar. O aluno que eu conheço não tem medo de ganhar um não. Não foi sem medo que você me pediu para ser meu estagiário? Até fez um discurso.

- Tem razão, não é? - Ele disse sorrindo e se levantando. - Obrigado, professora.

Na volta para casa ficou pensando em como fazer um pedido daquele, estava quase chegando e seus pensamentos estavam quase saindo pela boca de nervosismo, abriu a porta e então Woru passou correndo, bateu na perna dele e ele se virou para olha-la, como era rápida. Deu três passos em direção a ela mas não adiantava tentar alcançar. Olhou para dentro e viu Lala em sua forma humana olhando para ele com um ar intenso de preocupação, a ficha caiu com aqueles olhos azuis lacrimejando. Allan subiu as escadas correndo e encontrou Thomas deitado.

-Thomas! Thomas! Desculpa, cara! Eu estava desprevenido!- Allan gritava.

- O que aconteceu, demônio? Me deixa em paz, cara...

- Quando eu estava entrando em casa... Assim que eu abri a porta, a Woru saiu em disparada! Ela fugiu!

- Ela... O que? - Thomas pulou sentando na cama.

LuMisa
Enviado por LuMisa em 08/02/2013
Código do texto: T4130073
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