Vida em cores
- Vamos, vamos logo, corre!
- O que foi? O que aconteceu?
A menina insistiu com esperançosa sobrevida:
- Vamos logo. Tem um arco-íris bem ali. Esse é nosso!
Estava sentado no chão e levantou-se rapidamente, passou a mão no boné e num movimento automático já estava usando-o e correndo pátio a fora, atrás da amiga que se adiantava. A rua era como um corredor retorcido de paredes de tijolos sem reboco e lonas pretas, sem pavimento algum, e subindo-a, terminava num pequeno morro com resquícios do que fora vegetação densa em algum outro tempo passado próximo, que agora já raleada, guardava restos e lixos das pessoas que se aproximavam. Pisavam nas poças de água e lama e lodo recém formadas, haviam alguns outros esfomeados brincando no barro logo acima, e os dois corriam lado a lado, passaram pelas crianças embarradas e rumaram direto para as árvores. Olhavam-se rapidamente, mas não disseram-se uma palavra até chegarem à mata.
Pararam em meio aos pingos que caíam das folhas que lhes cobriam.
- E agora, como vamos fazer?
A menina respondeu:
- Eu não sei. Mas temos que encontrar o início dele. Podemos mudar tudo.
- Então vamos por aqui. Eu te levo – disse o garoto, encorajando-se.
Na verdade, muito mais do que encorajados ou esperançosos estavam os dois; sentiam mesmo uma emoção a qual ainda não conheciam. Caminhavam de mãos dadas e olhavam-se agora com aqueles sorrisos de criança que os anjos se esforçam em tentar imitar. Neste êxtase infantil, as cores da mata ganharam outras cores, com um brilho de vida que apenas os pequenos olhos conseguem ver. Os animaizinhos acercavam-se deles e indicavam o caminho certo, as folhas iluminavam de verde fosforescente o início de fim de tarde, e os galhos das árvores ofereciam nas palmas das mãos seus frutos, para sanar-lhes a fome. E seguindo por essa incrível e maravilhosa trilha, sem que percebessem o tempo ou a distância, de repente, depararam-se com o imenso e colorido arco de luz à frente dos olhos e dos pés, e abraçaram-se.
Como já anoiteceria, a menina alertou para que se apreçassem em explorá-lo até o final, e poder buscar o tesouro guardado para os que conseguem chegar lá. Avançaram então, cada um, um pé, muito receosos, sem largarem-se as mãos, e iniciaram a travessia. Não precisavam andar, pois flutuavam e o tapete de espectro multicolorido carregava-os macia e lentamente. Não viam nada abaixo deles, apenas sentiam perfumes de muitas flores e passavam por nuvens de algodão-doce, as quais podiam pegar com as mãos e comê-las deliciosamente. Quando iniciou-se o movimente em declive, avistaram um feixe de luz muito forte e de todas as cores possíveis, do chão em direção ao alto, entusiasmavam-se cada vez mais, e aproximando-se, foram deixados pelo arco a poucos passos do baú no qual a luz nascia. Correram rapidamente e saltaram em sua direção, apoiaram-se nas bordas e sem nenhuma dúvida ou medo, botaram os rostos em meio às cores para ver o que encontravam, e viram muitos e muitos lápis de cera de todas as cores que brilhavam um brilho intenso que não machucava o olhar, e a menina meteu as mãos dentro do baú e, revirando-os desde o fundo, ria gargalhadas puras, percebendo que estava cheio deles.
O menino observou tudo aquilo por algum tempo, calado e seriamente confuso. Afastou-se um pouco e sentou em uma pedra, baixando a cabeça.
- É só isso?
A menina olhou-o e balançou a cabeça afirmativamente, sorrindo e mexendo no interior do baú.
Ele via que a noite caia e já não havia mais arco-íris, e pôs as mãos no rosto. Chorava baixo, mas com muito sentimento. A amiga percebeu e não entendeu, mas foi até ele.
- Eu não quero voltar. Não quero aquilo de novo, não quero nunca mais. Você disse que poderíamos mudar tudo.
Ela abaixou-se na sua frente e pegou-o nas mãos, e com brilho nos olhos disse:
- Seu bobo, agora, podemos voltar para onde quisermos.