Bad Boy
Bad Boy
Luiz Celso de Matos
Maneveraldo, filho único e temporão, vivia com seus velhos pais em uma pequena cidade da região metropolitana de Curitiba. Os pais, de descendência italiana, eram muito religiosos. Entretanto, apesar de insistirem para que o filho frequentasse a igreja, Manezinho, como era chamado em casa, detestava religião e padres.
Manezinho, nascera com uma personalidade típica de políticos corruptos. Possuía conversa fácil. Mentia e enganava a todos. Detestava ler, estudar e trabalhar. Seus pais, professores aposentados, viviam metidos em empréstimos para dar tudo do bom e do melhor para Manezinho. Roupas de grife, carro e dinheiro para as noitadas de finais de semana não faltavam para o jovem.
Certo sábado à noite, Maneveraldo e alguns amigos, após muita bebida, saíram do bar, apanharam seus veículos e resolveram promover o costumeiro racha da semana. Manezinho e Ricardo apostaram que o perdedor compraria dois litros de vodca que seriam servidos aos amigos presentes. Rodaram pouco. Manezinho deu de cara em um poste que dividiu a frente de seu carro em dois. Com apenas 26 anos, o jovem faleceu.
Havia pouca gente no velório, a maioria era amigos de boteco. Dentro do caixão, ele se deliciava. Estava conseguindo ver e ouvir tudo. Sentia que podia até sentar-se junto com os amigos, elevar-se ao teto da capela e passar a mão na bunda de algumas senhoras presentes, pois ninguém parecia notá-lo. Parecia-lhe tudo muito divertido. Ouviu até elogios de uma tia solteirona que morava no interior.
Riu quando se lembrou de umas férias que passou na casa dela. Foi justamente no dia em que ela seria pedida em casamento. Naquele dia, Manezinho tinha conseguido com um amiguinho, filho de um farmacêutico, um laxante poderoso, do tipo “tiro curto”. Após o jantar, quando os futuros noivos conversavam animadamente na sala, sua tia sentiu um leve desconforto abdominal. Ao se lembrar de ir buscar o chá na cozinha, pediu licença a seu amado. Aquele casal fora feito um para o outro. Pensavam e agiam da mesma forma. O mesmo desconforto, provocado pelo purgante, sentira o noivo, e ambos, um na sala e outro na cozinha, deduziram que o desconforto era gazes e que com a soltura de um punzinho a questão estaria resolvida. Triste dedução. Pobres noivos. Envergonhados pelo lastimável desfecho, nunca mais se viram. Dias depois, o noivo bêbado acabou entregando a história no boteco, e esta circulou célere de boca em boca pela pequena cidade. A tia jamais se casou. No caixão, sem que ninguém notasse, o defunto gargalhava ao lembrar o ocorrido.
De repente, Manezinho sentiu que estava sendo levado daquele ambiente. Em minutos estava num enorme salão onde aconteciam julgamentos sumários. Deram-lhe uma senha e mandaram que se sentasse e aguardasse sua vez. Cheio de assombro, ouviu alguém que desempenhava o papel de um promotor.
— Caso nº 8.547, deste dia: Siquinário da Silva, 28 anos, sugiro que seja condenado ao inferno. Da Silva era daqueles que ouviam música muito alta em seu carro com todos os vidros abertos, impingindo às outras pessoas o desprazer de compartilhar do seu mau gosto. Ao inferno! Caso seguinte.
Manezinho ouviu uma sentença idêntica para pichadores e, ainda, para jovens que não cediam o lugar preferencial nos coletivos mesmo diante de grávidas, deficientes e/ou idosos que viajavam em pé. Essas condenações deixaram Manezinho com a certeza de que seus futuros dias não seriam nada refrescantes.
E realmente, como ele esperava, foi condenado ao underground.
Ao bater numa enorme porta de aço, o afrescalhado capetinha-porteiro deu-lhe as boas-vindas, preencheu sua ficha – com RG, CPF e demais dados – e mandou que ele aguardasse seu merecido presente num quarto parecido com aqueles de motel. Ao ver o glamoroso ambiente, Manezinho vibrou. Ligou a TV e assistiu a filmes de sacanagem da mais alta qualidade. Sobre um frigobar, duas taças e uma garrafa suada de um champanhe francês de safra premiada. Na cama, pétalas de rosas vermelhas. O quarto todo possuía um odor amadeirado de colônia de apurado bom gosto. Manezinho, excitado, deixou sua imaginação fluir e começou a imaginar que tipo de capetinha seria seu presente. Seria loira ou morena? Alta ou baixa? Tipo Mulher Melancia ou uma Gisele Bündchen?
Três leves batidinhas na porta e surge uma linda deusa com trajes minúsculos. Lindíssima. Seios fartos e coxas roliças. Os olhos de Manezinho estalaram. Sentiu que a mandíbula inferior caiu junto com uma baba. “Isso não está acontecendo” – pensou ele – “é bom demais! Imediatamente começou a desabotoar a camisa. Com uma voz sensual, a moça exclamou:
— Estou aqui para apresentar-lhe seu merecido presente desta noite: Para seu deleite, Mister El Mang Eyrón!
Neste exato momento, um capetão de cor parda, com quase dois metros de altura, entrou na sala, abriu a parte fronteiriça da enorme capa de seda vermelha e expôs, totalmente despidos, seu avantajado membro e fortes músculos. Ato contínuo exibiu-se com as mãos nos quadris, dando uns saltinhos sobre o assoalho tal qual bailarino espanhol executando o paso doble.
Manezinho encrespou-se, seria um diabão boiola? Não era. Sentiu todos seus músculos se retesarem involuntariamente. A partir daí, não precisou nem de bola de cristal. Seu negro futuro estava escrito. Apavorou-se com a voz de trovão do grandão:
— Abaixe as calças e me dê o anel que caiu em cima da cama.
— O quê? Mas que anel é esse?
— Não discuta. Vamos lá, abaixe-se e procure-o.
De repente, os pais de Manezinho ouviram um berro que mais pareceu o de uma mulher parindo. Correram ao quarto do filho.
— Acorde filho! Você está todo suado. Olhe marido, que bonitinho, todo encolhido, tremendo, tá parecendo um bebê. Veja, fez até xixi na cama.
Apavorado, com os olhos arregalados, Manezinho deu graças por ter tido apenas um duro pesadelo. Ainda trêmulo, perguntou à mãe:
— Hoje, é domingo, né? Então, por favor, vamos à igreja, quero assistir à missa!