O Velho sempre vem cobrar a sua divida

Ele aproveitou 10 anos de sua vida sem responsabilidade nenhuma. Nada lhe preocupava, nada lhe aborrecia. Lutou em diversas guerras, bebeu litros e mais litros de cerveja, duelou sempre que estava sóbrio o suficiente para isso, fornicou com todas as mulheres que pôde e brigou com qualquer pessoa por qualquer motivo. Porém, uma visita que Garn sabia que viria, mas não queria que viesse, bateu em sua porta. Ele tinha voltado, e queria o pagamento de sua divida.

A visita estava trajando vestes longas e pretas, que cobriam os seus pés por inteiro, até mesmo quando caminhava. As mangas e a barra da veste foram bordadas com fios de ouro e tinham desenhos de várias faces, que pareciam vivas, de tão bem detalhadas. Ele usava uma barba branca como o leite que chegava até o seu peito. Ele estendeu o seu braço, exigindo o seu pagamente. Garn apenas olhou para a sua mão e nada disse.

- Tem que pagar hoje, jovem Garn – o Velho disse. Era assim que o chamavam. Simplesmente de o Velho.

- E-eu não posso pagar agora, ainda não posso! – Garn gritava. Ele pegou uma faca em cima da mesa e tentou matar o Velho, que prontamente parou o golpe. A faca atravessou a palma do Velho e sangue escorreu. Ele parecia nem sentir a lâmina em sua mão.

- Não pode escapar Garn, nenhum homem pode – o Velho empurrou a mão contra a mão de Garn. O sangue escorrendo pela sua mão, quente e viscoso – Você viveu uma vida medíocre. Seu pai morreu na guerra e sua mãe o espancava e o obrigava a fazer coisas horríveis para ela. Seus irmãos eram tão violentos quanto ela e o humilhavam sempre que tinham a chance. Ninguém da sua cidade se importava com você. Você era um nada, não era ninguém. Então, no seu aniversário de 14 anos, eu bati em sua porta e lhe ofereci um dom. Eu lhe ofereci a imortalidade. Não sofreria nenhum dano, nunca adoeceria e quando atingisse 18 anos, nunca mais envelheceria. Eu exigia apenas uma coisa, que você aproveitasse a sua vida ao máximo, mas que ajudasse os outros a aproveitarem a deles – os olhos de Garn estavam esbugalhados - Era uma exigência tão simples. Eu ainda disse que você se tornaria um governante rico e poderoso e que toda a sua riqueza poderia ajudar milhares de pessoas. Mas eu fui um tolo, como fui. Como pude pensar que você seria diferente dos outros? Vocês humanos corrompem tudo. Não podem possuir nada que outros não possuam que já se acham superiores. Você foi uma boa pessoa no começo, lembro-me bem disso. Ajudava as pessoas, compartilhava o pouco que tinha, até salvou algumas vidas. Porém, um dia, você percebeu o poder que tinha em mãos e resolveu testá-lo. Procurou briga com o primeiro que encontrou. Ele tentou matá-lo e quando ele atravessou a espada pelo seu estômago, nenhum sangue escorreu. O homem estava amedrontado e você o matou, com as próprias mãos. Foi questão de tempo até que começassem a adorá-lo como um deus e te seguissem. Você formou exércitos, saqueou cidades, estuprou diversas mulheres e matou centenas de homens. Era cruel, sanguinário, louco. Você tinha medo do que eu disse para você, que se não cumprisse a exigência, seu final chegaria. Entretanto, eu não apareci, e você pensou que eu nunca mais apareceria. Estava enganado, Garn, como você estava enganado. Eu vim exatamente quando você tinha certeza que eu não apareceria e estou exigindo o meu pagamento, e eu o quero agora.

Garn retirou a faca do Velho. A ferida na palma de sua mão se regenerou tão rapidamente que parecia que sua mão nunca tinha sido cortada. Gritou pelos seus guardas, mas ninguém respondeu. Ele correu para sua cama, onde duas mulheres ainda dormiam. Tentou acordá-las para poderem chamar ajuda, mas seus esforços eram inúteis. Ele então pegou uma longa espada e foi na direção do Velho. Garn transpassou a espada no peito do sacerdote que, novamente, não mostrou reação.

- Vocês são patéticos. Matam tudo aquilo que não entendem ou que os contrariam. Como fui um tolo! Tive esperança em você, como tantas outras pessoas têm esperanças tolas e impossíveis. Entretanto, finalmente aprendi minha lição. Não da pra confiar em humanos. Acham-se especiais por possuírem qualquer coisa diferente dos outros e se acham imortais quando são jovens e possuem poder. Tenho uma notícia para você, Garn. No final, todos vão para o mesmo lugar. Agora venha comigo, você precisa pagar a sua divida.

O Velho caminhou até a porta e Garn, não sabendo o porquê, o seguiu.

Os guardas finalmente conseguiram abrir a porta do quarto de seu senhor. Duas mulheres seminuas gritavam aterrorizadas na cama enorme do imenso quarto. Garn estava no chão, morto, engasgado com o próprio vômito. Na sua mão havia uma taça completamente vazia, trincada e com o reflexo de um homem que um dia fora imortal.

Lucas H R A Marques
Enviado por Lucas H R A Marques em 24/12/2012
Reeditado em 18/02/2013
Código do texto: T4050791
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