A LENDA DAS "ONZE HORAS"

Naquele jardim a vida despertava cedo.

Todos os dias quase de madrugada, ele se sentava no mesmo banco daquele parque, sob a mesma figueira secular, aonde seu acordeom emitia suaves notas melodiosas, que viajavam pela floresta e se mesclavam às notas florais...da exótica e diversificada flora.

Os pássaros não tardavam a aparecer.

Aos poucos o passaredo se acomodava ao derredor, e devagarzinho ia se achegando com seu canto à melodia do sanfoneiro, e sob aquela sinfonia, se maravilhava com o despertar das flores.

As rosas se empinavam, as orquídeas bocejavam, os cravos tiravam o chapéu às elegantes gérberas maquiadas, desatavam os nós das gravatas, e saltavam das lapelas à simplicidade das meigas margaridas; as violetas se desinibiam, as azaléias cirandavam, as insones “damas da noite” voltavam mais cedo e permaneciam acordadas para exalar o perfume da sedução.

Mas havia um mistério curioso: as preguiçosas “onze horas”, pequenas flores que levam no nome o tardio horário do seu despertar...naquele jardim passaram a madrugar.

Nunca se tinha visto aquilo!

Abriam os olhos qual coruja...e logo ao raiar dos primeiros raios solares eram as primeiras a esperar pelo sanfoneiro.

Assim que a melodia se insinuava pelo bosque, de mãos dadas, rodeavam o velho amigo, e só então , num ato de reverência, fechavam-se em copas, e numa comunhão íntima com o belo, adormeciam acalentadas ...E se a música silenciava, abriam-se espevitadas numa dança sincronizada, como a lhe pedir bis...

E assim era...e assim foi.

Até que um dia, não se sabe o porquê, o sanfoneiro desapareceu.

Então, a lenda se concretizou pelo bosque.

Hoje, conversando com as flores, soube que suas amigas, aquelas “onze horas" madrugadoras, nunca mais despertaram.

Dormem um sono profundo, tão eterno quanto a lembrança daqueles saudosos momentos...