Liberatores

Paguei sim meus holocaustos a Jupiter Optimus Maximus para que tudo ocorresse bem nesta data. Com a vigília do senhor dos deuses, nada temos a temer, nem mesmo a morte, fim certo de traidores.

Sempre acreditamos na República; durante gerações, nossos antepassados viveram e prosperaram sob o governo prudente do Senado. Guerras com outros povos, inimigos internos, ganância e cobiça a ameaçaram várias vezes, mas um homem somente arrebanharia todas as forças do destino e poria por terra a República e o Senado.

Assistimos perplexos à sua escalada, como conquistava as graças da plebe e desafiava a vontade dos patrícios. Tomamos a decisão de apoiar a parte que nos parecia mais justa e, por isso, tornamo-nos inimigos deste destemido guerreiro. Fugimos, covardes, e vimos nossa cidade tombar sob os pés do ditador.

Uma guerra civil começou e, nos mares, nas planícies e nas florestas, irmãos derramaram sangue de irmãos. Enquanto muitos morriam, estarrecidos recebíamos as novas dos amores do usurpador com uma rainha do oriente. Fomos perdoados por ele, mas não suportávamos vê-lo vestido como um rei e tratando-nos como súditos.

Nas sombras, reunimo-nos e expusemos nossas mágoas, relembrando os tempos gloriosos da República. Nós, representantes do povo, não mais tínhamos voz, submetidos estávamos à palavra final do déspota.

As perseguições começaram e seus opositores eram encarcerados, por vezes, mortos. Uma nova guerra estava sendo planejada e, em pouco tempo, veríamos nossas chances de reverter a marcha da história se desvanecer. Precisávamos agir rapidamente, data limite, abril.

No anfiteatro, paradoxalmente construído pelo ditador em homenagem a seu finado opositor, aguardamos ansiosos que o vilão-governante se expusesse. Daquele lugar, ele não mais poderia sair.

Altivo, o ditador surgiu no teatro. Matilha de lobos famintos, nós o cercamos, simulando uma audiência. De sob as togas, adagas surgiram e desferiram dezenas de golpes fatais. Indefeso, surpreso, inofensivo, o ditador se encolheu, sentindo a presença de Plutão. Minha lâmina, sedenta, também se cravou no peito do amante de minha mãe.

Fitando-me profundamente, a oferenda que imolávamos em honra à República balbuciou.

“Et tu, Brute!”

Sinto-me culpado? Sim, obviamente! Eu amava aquele sujeito, no entanto, nosso objetivo era mais importante. Tudo teria sido diferente se ele houvesse acolhido o vaticínio: “Cuidado com os Idos de março”.

Diante de nós, a vida de Gaius Julius, o César, o conquistador de povos, o pastor de guerreiros, o Pater Patriae, escorria em uma negra poça que embebia nossos pés.