A Pergunta

A visão turva confunde o horizonte vazio. Talvez o suor da testa misturado com as lágrimas tenha cristalizado, penetrado na retina e criado uma nova versão da realidade. Os dias parecem anos e cada minuto é um espaço de tempo eterno. Não sente mais o movimento mecânico das pernas. Já não se lembra do porque iniciou a caminhada.

Aos poucos, uma pirâmide começa a ser desenhada ao fundo. Revigora no viajante a vontade inicial da jornada, agora no corpo castigado pelo sol. Uma serpente dança sinuosamente pelas areias, enquanto aves de rapina esperam o momento certo para descer e conquistar mais um dia de sobrevivência neste cenário onde a vida ainda persiste.

“Será que a pirâmide existe ou é apenas miragem?”, pensa depois de já confundir dunas com ilhas paradisíacas. A cada passo do caminhante faz “crescer” a construção, quebrando a ilusão e confirmando concretamente seu destino. Tira o papel enrolado de sua bolsa e o beija agradecendo aos deuses em confiar no mapa sagrado. Poderá desfrutar do grande tesouro escondido pelos séculos.

Uma criatura espera o viajante. Ele sabia da possibilidade dela existir. Com corpo de leão e cabeça de homem, a esfinge o aguarda, protegendo a morada dos faraós mortos. Estudou grandes enigmas e truques com seu grão-mestre, além de meditações transcendentais a fim de se proteger caso encontrasse criaturas extra dimensionais.

A pergunta é lançada ao ar, chegando nos ouvidos do caminhante. As letras formam palavras, as palavras organizam-se na frase e quando encaixada com as pausas e pontuações, transforma-se na grande questão. A interrogação cria um buraco negro e o viajante cai por entre dimensões quânticas.

O homem acorda. Seus olhos parecem estar cobertos com pequenos cristais de areia. Depois de lavar o rosto, memórias oníricas invadem seu café da manhã. “Sonhei com uma pirâmide?”, indaga o sujeito preparando-se para mais oito horas no escritório de Contabilidade. É muito difícil recordar das vidas que se têm quando dormimos. O único jeito é ser levado pelas horas intermináveis de trabalho e esquecer as perguntas sem resposta. O que nos sobra é a sobrevivência no deserto. E, ás vezes, sonhar com o tesouro.

GBR
Enviado por GBR em 07/12/2012
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