Virando Pedra
O guerreiro esgueirava-se pelo caminho escuro, sinuoso e úmido. O local tinha o cheiro da pedra molhada por água quente, e o calor fazia-o suar. Tinha um motivo para estar ali. Buscaria a cabeça de um monstro que, segundo a lenda, transformava os homens em pedra.
Sentia seu coração bater forte, aparentemente o único sinal de vida naquele local petrificado. A medida que ia andando notava que aquelas grandes pedras começavam a se parecer muito com pessoas paradas ali. Pessoas de pedra. Guerreiros que outrora tentaram buscar a cabeça do monstro que ali habitava, mas tiveram insucesso.
Seu coração disparou. Respirou fundo. Temeu ser percebido. Era um momento de tensão, onde qualquer movimento incauto poderia denunciá-lo. Respirou fundo e concentrou-se. Sua respiração quase ofegante já acalmava. Seu coração batia cada vez menos. Estava ficando tranquilo.
O calor a sua volta não o fazia mais suar. Sentia até uma corrente de ar frio vindo de certa direção. Era ali, o caminho que deveria tomar. O monstro que buscava denunciava a própria presença antes que o guerreiro fosse descoberto.
Passo a passo o guerreiro seguia. Sacou vagarosamente sua espada de lâmina larga e reluzente da bainha de veludo, capturando o brilho da lua no reflexo. Lá estava o segredo. O reflexo o ajudaria.
Mais alguns passos, andando de lado, rente as estátuas que outrora eram gente, percebeu o local exato do monstro. Chamou a atenção da criatura para um canto longe do local onde ele estava, arremessando uma pequena pedra. Um truque bobo, mas eficiente. O monstro seguiu aquele engodo.
Posicionou-se de forma a surpreender o alvo. Mas a criatura, entretando, não era tola. Percebendo o caçador em seu encalço, deu meia volta buscando uma entrada por entre as estátuas, surgindo atrás do guerreiro. Chiou, assim como todas as serpentes cobrindo a sua cabeça.
Estava calmo, frio, preparado para aquela situação. As batidas do seu coração já eram inaudíveis, talvez até mesmo para quem encostasse a cabeça em seu peito. Num ato calculado, como se esperasse justamente aquela oportunidade, ergueu sua espada a frente, sem se virar. Na lâmina bem lustrada percebeu o monstro bem atrás dele, e antes que a criatura percebesse a armadilha, viu a lâmina virar rapidamente e cortar sua garganta.
Era o fim do monstro, que nem a um grito agonizante teve direito. O guerreiro ficou satisfeito, mas não se manifestou. Andou mais adiante, e para a sua surpresa, percebeu outras criaturas como a que acabara de matar. Em um ato reflexo acabou com todas, dentre as 5 ou 6 que ali estavam.
Agora sua espada estava suja de sangue. Olhou em volta e viu que as criaturas sentiam-se acuadas antes da morte. Abraçavam-se, protegendo-se de uma evidente ameaça. Um invasor, um monstro que havia derrotado a única esperança de defesa que possuiam. Pareciam uma família, reunida, como para uma refeição.
O guerreiro ao ver essa cena poderia lembrar-se de todas as famílias que a criatura que derrotou havia destruído. Poderia ter tomado as dores, considerando aquele fim uma grande vingança. Ser dominado por uma imensa tristeza e arrependimento, por maior que pudesse ser o sentimento de justiça. Ou até poderia apenas sentir-se orgulhoso de seu feito.
Mas o guerreiro nada sentiu.