Nuvens

Anabele pensava em como seria sua vida daqui em diante. Nos seus oito anos de vida era uma menina sorridente e maravilhosamente bem humorada.

Acabara de dizer adeus para sua mãe, que resolvera ir embora para uma cidade grande, em busca de tudo aquilo que acreditava ter perdido durante aqueles anos.

Seus pais haviam se casado muito jovens, e embora se amassem, a conformidade de sua mãe com aquela pacata vida de dona de casa durara muito pouco.

Em poucos minutos a tristeza que nublava seus olhos desapareceu, aprendera que não adiantava se lamentar pelas coisas que não podia mudar. Passeava os olhos pelo céu, deitada de costas no chão de terra do fundo do quintal de uma casa humilde em algum interior do Estado.

Lembrava-se do dia em que sua avó a ensinara que as nuvens eram feitas de figuras.

Ela ria vendo seus bichinhos preferidos dançando entre os raios do sol. Hora eram cachorros, depois gatos, cisnes, xícaras, assim sucediam as imagens diante dela.

Perdeu a noção do tempo, e como toda criança dessa idade impossibilitada de ficar muito tempo na mesma posição, saiu saltitando, rodopiando, cantarolando e percebeu que tinha se afastado de casa.

Estava em um lindo jardim, tantas flores, de diversas cores, tamanhos, formas e aromas a rodeavam.

Apreciando essa paisagem perguntava-se curiosa de quem era a idéia de fazer coisas tão maravilhosas. Poderia bem ser a mesma pessoa quem criara aquelas flores e os seus bichinhos de nuvem.

Não muito longe dali um senhor a observava com um sorriso nos lábios e um brilho nos olhos.

-Olá, menina.

-Oi, estava tão distraída que não o vi chegar.

-Percebi que gostou das flores.

-Sim, são lindas.

-Me chamo Dionísio.

-E eu Anabele.

-Não sabia deste lugar, e nem que alguém morava por aqui.

-Minha casa fica logo ali, vamos até lá tomar um refresco.

-Vamos sim, obrigada.

Enquanto andavam lado a lado, Ababele o observava de soslaio. Ele tinha jeito daqueles avôs bem bonzinhos, que contavam estórias e davam doces. Seus olhos eram de um azul claro e limpo. Sua pele mostrava uma idade avançada, mas seu caminhar era firme e tranqüilo. Gostou dele desde o primeiro momento.

Estava ela diante de um casebre, tinha uma porta e uma janela pintadas de um verde claro e vivo e as paredes brancas como a neve. Quando entrou viu um cômodo bem grande. Debaixo da janela havia uma pia pequena, e uma mesa no centro com dois copos e uma jarra. Na parede oposta uma mesa comprida, cheia de papeis, tintas e alguma coisa que a principio ela imaginou ser algodão. Ao lado da mesa uma poltrona gasta. Achou estranho não ter um quarto para ele dormir e nem um banheiro.

-Fique a vontade Anabele.

-Obrigada, você tem desenhos lindos aqui.

-Gosto muito de desenhar.

-Eu também, mas prefiro admirar o céu, as nuvens, com suas cores e formas e imaginar que só alguém muito bom tem capacidade para desenhá-los.

E ficaram ali conversando, desenhando e brincando com aquele algodão, que quase derretia nas mãos de Anabele.

-Nossa Dionísio, preciso ir, já deve ser tarde, e meu pai pode se preocupar.

-Me parece que vocês se dão muito bem.

-Sim, somos só nos dois. Minha mãe foi embora não faz muito tempo.

-Posso imaginar sua tristeza..

- Passa logo, meu pai diz que devemos amar as pessoas como elas são, e não esperar mais do que elas podem dar. Minha mãe não estava feliz. Assim como meu pai, acho que as pessoas só devem fazer aquilo que as deixa feliz, ou então, seu coração se enche de trevas, fica pesado e tudo perde a graça.

-Uma maneira sensata de se ver as coisas.

-Ela sonhava com uma vida diferente, assim como eu sonho com minhas nuvens, e meu pai com suas sementes, suas plantas, que ele cuida até que cresçam e dêem frutos.

-Muito bem Anabele, vou te contar uma estória e depois a levarei para casa.

-Está bem.

Sentaram-se, Dionísio serviu o refresco que estava sobre a mesa e mais uma vez Anabele se encantou. O refresco mudava de cor de acordo com os raios de sol que inundavam o ambiente trazendo paz e calor ao seu coração. E o sabor era maravilhoso, nada que ela já houvesse provado.

-Boa criança, de onde venho cada ser carrega consigo por gerações o dom de sua família. E de época em época nos manda a tradição que compartilhemos com pessoas fora do nosso mundo os dons, para que as raças continuem se misturando. Não sou deste mundo, e há muito tempo observo você e seu pai. Vejo a pureza com que olham para vida, a bondade que irradia de cada gesto e a felicidade de viverem um para o outro sem deixar que a mágoa ou a maledicência os desanime.

Então escolhi vocês para passar meu dom na terra, minha estadia no seu mundo acabará em breve, e são especiais o bastante para continuarem o que comecei.

Embora um pouco surpresa, Anabele sentia que já sabia o que a esperava, não teve medo e nem duvida, assim, aceitou seu destino sem pestanejar, e sabia que a resposta de seu pai seria a mesma.

-Preciso agora juntar alguns objetos que você ira carregar nos próximos anos.

Sem palavra alguma e sorrindo ela aquiesceu e foi esperá-lo na soleira da porta. Enquanto isso, Dionísio colocava num saquinho sementes das mais variadas cores. Juntou em outro saco seus pinceis, seus desenhos, seus lápis e saiu, olhando para tudo com a sensação de dever cumprido.

Foram juntos para casa de Anabele, e Dionísio explicou a ela, que suas sementes eram das flores que ela havia visto que cada uma significava um alento diferente aos corações humanos, que usada de maneira correta era bálsamo eficiente.

Seus desenhos eram aqueles que ela tanto admirava no céu, e sua missão era fazer com que as crianças não perdessem os sonhos e esperanças de dias melhores ensinando que admirassem as nuvens como sua avó tinha feito um dia.

Sorriu lembrando que o tempo todo estava brincando com pedacinhos de nuvens. Diante da sua casa seu pai estava tranqüilo, o olhar dos três se cruzou por um momento e sem dizer palavra se compreenderam.

Em um adeus mudo e cheio de emoção Dionísio se foi feliz e agradecido. Pia e filha se abraçaram renovando os votos de esperança, alegria, benevolência e amor, que a vida só proporciona aqueles que acreditam.

Patie
Enviado por Patie em 05/03/2007
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