Dorothy

Seus olhos cor de mel, mesmo apertados pelo seu sorriso, refletiam a estrada iluminada por um céu sem nuvens. A delicadeza de seus passos, um depois do outro, demonstravam sua falta de pressa, mas seus olhos mantinham-se firmes no caminho.

Ela sabia que caminhava sobre ouro e pedras preciosas, e tudo era verde ao seu redor e se sentia pequena diante de tanta beleza - tanto que se achava só expectadora (e se esquecia que sua ingenuidade{?} de menina aos 12 anos também compunha a paisagem). Era sempre dia por ali. Nunca anoitecia.

Foi aí que seus ouvidos a traíram. Ela ouviu um som que a fez parar de caminhar pra contemplar aquela luz negra emanando música pouco antes do horizonte. Distante. Longe. Uma nova estrada? Uma estrada melhor? Diferente, certamente. "Eu tô segura aqui. Aqui é lindo. Não é um caminho fácil de achar, e eu tô aqui. Vou seguir." Olhos firmes, corpo na dança da determinação.

E aí ela ouviu. "Maybe it's too hard. Maybe it's too lonely" - a música dizia, variando seu volume de maneira sutil. "Não é não. Eu devo ficar". Ela começava a se inquietar. Sua curiosidade então, num segundo que pareceu durar horas, fez seus lindos olhos cor de mel se retirassem dos tijolos cor de ouro que abraçavam seus pés como se fossem feitos de algodão e se fixassem naquela neblina turva, convencendo seus pés a mudarem a direção. "Só vou chegar um pouco mais perto. Só pra conseguir ver melhor. Eu volto. Não vou ficar lá. Só vou ver como é. Eu sou daqui."

Ela então se meteu entre as frutuosas árvores que impunham mais beleza à estrada dourada, subindo em pedras, desviando de galhos e observando a neblina turva. A música ia ficando mais alta. Ela olhava pra traz pra se certificar se ainda conseguiria voltar. "Já volto, só vou ver como é". Era crepúsculo.

Quanto mais chegava perto, mais a beleza da luz negra a hipnotizava. O mel de seus olhos se tornava menos evidente, já que o sol ia se escondendo atrás da copa das árvores, cada vez mais imponentes, densas, protetoras e ameaçadoras. A música era uma melodia arrepiante, que a convidava como quem abraça alguém num momento de amor. Seus olhos se prenderam às luzes coloridas artificiais que começavam a surgir. Ela começava a dançar, louca e inconsequentemente. Pela primeira vez, ela viu o anoitecer.

"É diferente. É bom" - pensava em meio a arrepios (in)voluntários.

Ela fez seu vestido vermelho se esvoaçar, assanhando suas tranças, modelando o vento ao seu redor naquela dança sensual. E assim ficou. Até que seus pés - que já não eram abraçados como antes - começaram a cansar. Ela tropeçou em um dos enormes pedregulhos sobre os quais vinha bailando e acabou caindo sobre um espelho d’água. Ela encarou seu reflexo com perplexidade. “Meus olhos ficam bonitos no escuro. Meus pés doem – OH NÃO, eles estão feridos! Olha minhas tranças como se desmancharam e agora estão assanhadas! Passei muito tempo as fazendo... Meu vestido!” – viu ela que o pedregulho rasgara a saia vermelha de linho. A tristeza começou a permear seu coração, em meio a pitadas de dúvida e desespero.

“Eu vou voltar” – resolveu. Ela olhou pro horizonte e viu a luz dourada da estrada de outrora fraca e ofuscada pela neblina, uma beleza nostálgica que não precisava de música pra se sobressair. E num piscar de olhos, a noite se transformou em trevas (assim como seus sentimentos) e a neblina ofuscou a estrada ao horizonte. Ela procurou direção ao seu redor, um caminho entre as árvores. “Por onde eu vim? Por onde eu vim?”.

Tudo que ela via era escuridão ao longe. E as belas luzes negras e a música hipnotizante agora a torturavam, numa ironia vingativa. “EU QUERO VOLTAR” – dizia sua voz fininha na velocidade do deslizar das lágrimas sobre seu rosto sujo. Ela não conseguia encontrar o caminho.

Entregou-se ao desespero e se sentou no chão lamacento, levando as mãos trêmulas ao rosto pra abraçar suas lágrimas tal qual a estrada de outrora abraçava seu caminhar. Seu coração tinha um propósito – o regresso. Um propósito possível, é só esperar amanhecer.

Um tilintar a faz erguer os olhos e avistar um homem que reluz e reflete as luzes negras. Ele tem olhos acolhedores e um sorriso sutil. Ele se abaixa e afaga a menina.

- Eu sei que você quer voltar...

- Sabe? – disse ela entre soluços, com um fio de esperança na voz.

- Você acha que vai conseguir?

- Só estou esperando amanhecer, moço! Assim que o primeiro fio de luz do sol surgir, caminharei de volta pra estrada onde eu era feliz de verdade.

- Oh, querida – disse o homem num tom sínico e empático – sinto muito. O dia lá nunca acaba e aqui a noite nunca finda.

A garota tremeu. Seu coração parou por um momento. As lágrimas congelaram onde estavam. Seus olhos encaravam o brilho fosco dos do homem.

- Lamento, querida, mas você trilhou um caminho sem volta, e fez isso por escolha própria – disse dando um risinho doentio.

- VOCÊ ESTÁ MENTINDO! EU VOU VOLTAR AGORA MESMO.

- Ah, querida – o fio de ódio e cinismo surgiu no timbre do homem – você pode tentar. Mas a luz que lhe guiava deixou de existir. Há muitos pedregulhos. Há muitas árvores e muita escuridão. Você não vai conseguir. Vai ter de ficar aqui comigo.

A menina enxuga a última lágrima de desespero e encara o homem com uma coragem movida a fé (a mais poderosa de todas), e se ergue. Ela vira de costas pra o homem e dá o primeiro passo em direção ao nada, fixando seus olhos cor de mel obscuros num canto qualquer de um horizonte invisível. O homem a encara com um rosto passivo, odioso, maldoso, risonho, cruel – uma incógnita.

- A esperança será minha guia, moço.

Giulia Araújo
Enviado por Giulia Araújo em 02/12/2012
Reeditado em 02/12/2012
Código do texto: T4015592
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