Se casamentos fossem de verdade eles seriam eternos

A cerimônia havia acabado. Àquela altura, num casamento normal, começaria a festa de recepção dos noivos recém-casados. Mas não naquele casamento. Não naquele lugar.

Sentado no altar, havia um jovem ser de longos cabelos acobreados, habilmente entrelaçados num rabo de cavalo que ia até a sua cintura. Uma mecha ondulada lhe caía ao rosto languido. Seus olhos eram amarelados e profundos. As orelhas, pontudas como as dos elfos. Vestia trajes negros e longos, algo que era incomum, mas de extrema elegância naquelas terras distantes.

– Somos um só. Agora, perante os deuses. – Disse ele.

Ao seu lado, havia uma criatura muito parecida com ele (exceto pelas características que a distinguiam como sendo uma fêmea daquela espécie) e dona de beleza que transcendia os conceitos de raça ou mundo. Era realmente bela.

Estava perfeitamente envolta em largas tiras de um tecido que se assemelha a seda que conhecemos. Era um estilo muito peculiar, mas que lhe favorecia muito. Os cabelos soltos estavam reluzindo tons de castanho claro e azul. Sua pele era alva, e os olhos negros, dois pedaços da noite e das trevas.

– Agora somos um só. – Ela respondeu. – E todos sabem que você é meu e eu sou sua.

Ela sorriu, e chegou mais perto, aninhando-se ao corpo de seu marido.

Ele a envolveu com seus braços fortes de guerreiro.

O lugar em que se encontravam, o topo plano de uma colina, era silencioso, a exceção do uivo dos ventos. Haviam algumas cadeiras vazias. Um enorme carvalho, desnudo, e folhas alaranjadas cobriam tudo, o chão, os assentos, o altar. Um astro iluminava e pintava tudo num tom de azul do alvorecer. A cena era tão bela quanto introspectiva. Um casamento não devia ser assim. Mas era. Naquele lugar.

– Acho que chegou a hora. – Disse o noivo, encarando-a com um sorriso.

– Sim, meu amor. É chegada a hora. Vamos.

Nesse momento, os dois se levantaram no altar, um em frente ao outro. De mãos dadas, olhares profundos se encontraram. Ficaram assim por um longo momento. Esperando.

Até que o noivo se aproximou. Devagar, timidamente, ele ia aproximando sua boca do pescoço de sua esposa. O toque entre eles se deu com um delicado beijo. A noiva continuava firme, segurando sua mão. Num segundo, ele a estava mordendo. Com força, mas não era agressivo. Ela mordia o lábio e sufocava a dor. Enquanto ele ia forçando, e forçando mais. Seus dentes entraram profundamente na carne, até que finalmente, gotas de sangue começaram a escorrer preguiçosamente. Duas finas trilhas de líquido carmim que escorriam do pescoço da noiva.

O noivo parou assim que percebeu o sangue a escorrer pelo corpo.

Olharam-se, orgulhosos um do outro. A noiva tinha nos olhos negros um brilho que a deixava ainda mais atraente, se é que era possível. Estavam a poucos momentos de darem a prova mais profunda e sincera de amor possível.

O céu de amanhecer acinzentou. O vento parou. Naquele lugar, as folhas começaram a voar como que empurradas por alguma força que só a elas pertencia. Uma estrela brilhava solitária em meio ao cinza. E mais e mais forte. Até que ela caiu.

– Eu vejo os dois que se tornaram um. Eu sinto o cheiro do sangue sagrado da virgem. Eu vejo o altar que só é montado uma vez na vida. Eu reconheço o ritual. Eu ouvi o chamado.

A estrela tinha uma voz grave, que não parece com nada com que eu ou você possamos associar. Seu corpo não tinha forma, mas sua aura era inconfundivelmente distinta. Sem dúvidas, aquela estrela era alguma coisa essencialmente divina.

O casal que se encarava, respeitosamente dobrou o joelho. O sangue já escorria até o pé da noiva. Eles se mantinham em silêncio.

– Vocês têm certeza. – A Estrela afirmava, austera – E eu os concedo a dádiva da eternidade. Eu os uno perpetuamente. Vocês são um só. Que o sim permaneça para sempre.

A Estrela desapareceu, e com ela, a mortalidade daquelas duas criaturas. Daquele momento em diante, jamais pereceriam. Tinham selado suas vidas, presenteado à eternidade suas mortes. De agora em diante, o tempo iria parar. E eles estariam juntos. Até que o início se transforme em fim.

drtslash
Enviado por drtslash em 01/12/2012
Reeditado em 02/12/2012
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