Um Pedacinho de Papel
O pedacinho de papel veio girando, girando, até cair no para-brisa do carro do Afonso. Ficou ali, parado, como se estivesse esperando para ser lido. Afonso, talvez por ser escritor, talvez por achar o fato estranho, parou junto à calçada, saiu do carro e pegou o papel. Era a parte de baixo da página sete de um livro. Era muito pequeno e havia pouco a ser lido:
“...foi a partir daí que Laura resolveu partir. Seu coração estava em pedaços, nunca fora tão humilhada em sua vida. Seu namorado havia cometido a pior traíção que alguém pode cometer. Ele a havia traído como amigo. Coisas de namorado, uma caso passageiro com outra mulher, quase que dá para perdoar. Mas falhar na amizade, isso era fatal. Não havia como perdoar Leonardo. Foi por isso que Laura...”
E daí a página terminava e provavelmente o capítulo. Não havia nada no verso da página, o que fez Afonso supor que o capítulo continuava no topo da página seguinte e por isso não havia nada no verso. Deu uma olhada ao redor do carro e ao longo da rua para ver se via a origem do papel ou, pelo menos, o resto da página, ou até mesmo outras páginas do livro. Nada. Ao retomar o volante, ficou pensando por que as pessoas destruiriam um livro. Por que não doar ou até mesmo deixar em algum lugar onde alguém pudesse pegá-lo? Alguém teria chance de ler, de apreciar. Depois concluiu que o que estava pensando era besteira. Estava divagando porque era escritor.
Chegou finalmente em casa, pegou o livro “1984” de George Orwell, que estava relendo, abriu na página 7 e guardou o pedaço de papel que resgatara.
No dia seguinte, Afonso pensou sobre o assunto o tempo todo. Pesquisou na internet os personagens Laura e Leonardo, arranjou os trechos do livro de várias formas, mas não achou nada. Afonso tinha um novo livro planejado, estava para começar. O que acontecera, porém, começou a a fermentar em sua cabeça. Parecia uma espécie de mensagem. Parecia que o destino queria que ele escrevesse outra história. Ele tinha apenas algumas frases. Tinha de completar o antes e o depois.
Foi o que fez. Primeiro fez o esboço do livro. Laura e Leonardo se conheceram num seminário sobre ecologia. Um mau entendido fez Laura se afastar de Leonardo e a conclusão dessa parte é exatamente o que estava escrito no pedacinho de papel. Vivem anos separados, cada um seguindo sua vida. Afonso planejou escrever os capítulos, cada um, alternadamente, contando as histórias de um e de outro. O destino faz com que se encontrem novamente, dez anos depois. A própria maneira como se reencontram explica o mal entendido que os havia separado. A história termina.
Existe algo que precisa ser explicado. E isso também justifica o fato de Afonso ficar tão impressionado com o que acontecera. Ele também fora abandonado pelo amor de sua vida por causa de um equívoco. Estava tentando resolver seu drama pessoal, ou pelo menos sonhar com uma solução, através da ficção. O que acontecera aquele dia, o papel caindo em seu carro, fora uma espécie de mágica, uma espécie de mensagem do céu. Pelo menos era o que ele pensava.
Afonso terminou de escrever o livro. Precisava, no entanto, fazer umas retificações e depois uma revisão. Foi atrás de uns livros que precisava, para conferir algumas coisas que havia escrito. Era melhor para o livro parecer mais real, Afonso gostava de colocar sua “ficção” de certa forma “ligada” com a realidade. Dedicou aquele dia para revolver a sua pequena biblioteca, para mexer nas suas coisas antigas. Estava já há uma hora remexendo nelas quando deparou com uma velha pasta. Fazia tempo que não a via, tinha praticamente se esquecido de sua existência. Dentro achou inúmeras anotações, ideias para romances, para contos, pesquisas, etc. Ficou gelado quando viu o título de um pequeno bloco de papel ”O Reencontro”. De imediato tudo voltou à sua mente. Tinha esboçado esse livro logo depois que Marisa o abandonara. A história estava toda delineada ali, completa. Apenas alguns pequenos detalhes eram diferentes. Havia mais: o primeiro capítulo já havia sido escrito. Afonso releu sôfrego as sete páginas para encontrar, no final, as exatas mesmas palavras do pedacinho de papel que caíra em seu parabrisas. Ficou paralisado, não conseguia acreditar no que estava lendo. Por outro lado, agora se lembrava vividamente do que escrevera, onde estava, tudo. A única diferença era que ele havia datilografado essa primeira página e o que estava no papel encontrado tinha sido certamente sido impresso em uma gráfica.
Afonso sentiu que o destino estava brincando com ele. Sentiu que o sobrenatural estava fazendo uma visita.
Às vezes procura-se uma solução para um mistério e o que se encontra é ainda mais misterioso. E mais, quando você procura testar se o mistério é de verdade ou pura imaginação, as coisas parecem ficar ainda mais nebulosas. Assim que saiu do estado de entorpecimento, Afonso largou o que estava fazendo e foi pegar o livro que estava lendo, o “1984”. Avidamente abriu na página sete, para uma vez mais conferir as palavras no pedacinho de papel. Foi uma grande surpresa outra vez. Não havia nada lá. Era como se o destino estivesse lhe negando a prova de que precisava para provar seu contato com o sobrenatural. Agora tudo que ele tinha era o caso de um autor que retomou uma obra vinte anos depois...Sem mistérios, sem mensagens.
O pedacinho de papel veio girando, girando, até cair no para-brisa do carro do Afonso. Ficou ali, parado, como se estivesse esperando para ser lido. Afonso, talvez por ser escritor, talvez por achar o fato estranho, parou junto à calçada, saiu do carro e pegou o papel. Era a parte de baixo da página sete de um livro. Era muito pequeno e havia pouco a ser lido:
“...foi a partir daí que Laura resolveu partir. Seu coração estava em pedaços, nunca fora tão humilhada em sua vida. Seu namorado havia cometido a pior traíção que alguém pode cometer. Ele a havia traído como amigo. Coisas de namorado, uma caso passageiro com outra mulher, quase que dá para perdoar. Mas falhar na amizade, isso era fatal. Não havia como perdoar Leonardo. Foi por isso que Laura...”
E daí a página terminava e provavelmente o capítulo. Não havia nada no verso da página, o que fez Afonso supor que o capítulo continuava no topo da página seguinte e por isso não havia nada no verso. Deu uma olhada ao redor do carro e ao longo da rua para ver se via a origem do papel ou, pelo menos, o resto da página, ou até mesmo outras páginas do livro. Nada. Ao retomar o volante, ficou pensando por que as pessoas destruiriam um livro. Por que não doar ou até mesmo deixar em algum lugar onde alguém pudesse pegá-lo? Alguém teria chance de ler, de apreciar. Depois concluiu que o que estava pensando era besteira. Estava divagando porque era escritor.
Chegou finalmente em casa, pegou o livro “1984” de George Orwell, que estava relendo, abriu na página 7 e guardou o pedaço de papel que resgatara.
No dia seguinte, Afonso pensou sobre o assunto o tempo todo. Pesquisou na internet os personagens Laura e Leonardo, arranjou os trechos do livro de várias formas, mas não achou nada. Afonso tinha um novo livro planejado, estava para começar. O que acontecera, porém, começou a a fermentar em sua cabeça. Parecia uma espécie de mensagem. Parecia que o destino queria que ele escrevesse outra história. Ele tinha apenas algumas frases. Tinha de completar o antes e o depois.
Foi o que fez. Primeiro fez o esboço do livro. Laura e Leonardo se conheceram num seminário sobre ecologia. Um mau entendido fez Laura se afastar de Leonardo e a conclusão dessa parte é exatamente o que estava escrito no pedacinho de papel. Vivem anos separados, cada um seguindo sua vida. Afonso planejou escrever os capítulos, cada um, alternadamente, contando as histórias de um e de outro. O destino faz com que se encontrem novamente, dez anos depois. A própria maneira como se reencontram explica o mal entendido que os havia separado. A história termina.
Existe algo que precisa ser explicado. E isso também justifica o fato de Afonso ficar tão impressionado com o que acontecera. Ele também fora abandonado pelo amor de sua vida por causa de um equívoco. Estava tentando resolver seu drama pessoal, ou pelo menos sonhar com uma solução, através da ficção. O que acontecera aquele dia, o papel caindo em seu carro, fora uma espécie de mágica, uma espécie de mensagem do céu. Pelo menos era o que ele pensava.
Afonso terminou de escrever o livro. Precisava, no entanto, fazer umas retificações e depois uma revisão. Foi atrás de uns livros que precisava, para conferir algumas coisas que havia escrito. Era melhor para o livro parecer mais real, Afonso gostava de colocar sua “ficção” de certa forma “ligada” com a realidade. Dedicou aquele dia para revolver a sua pequena biblioteca, para mexer nas suas coisas antigas. Estava já há uma hora remexendo nelas quando deparou com uma velha pasta. Fazia tempo que não a via, tinha praticamente se esquecido de sua existência. Dentro achou inúmeras anotações, ideias para romances, para contos, pesquisas, etc. Ficou gelado quando viu o título de um pequeno bloco de papel ”O Reencontro”. De imediato tudo voltou à sua mente. Tinha esboçado esse livro logo depois que Marisa o abandonara. A história estava toda delineada ali, completa. Apenas alguns pequenos detalhes eram diferentes. Havia mais: o primeiro capítulo já havia sido escrito. Afonso releu sôfrego as sete páginas para encontrar, no final, as exatas mesmas palavras do pedacinho de papel que caíra em seu parabrisas. Ficou paralisado, não conseguia acreditar no que estava lendo. Por outro lado, agora se lembrava vividamente do que escrevera, onde estava, tudo. A única diferença era que ele havia datilografado essa primeira página e o que estava no papel encontrado tinha sido certamente sido impresso em uma gráfica.
Afonso sentiu que o destino estava brincando com ele. Sentiu que o sobrenatural estava fazendo uma visita.
Às vezes procura-se uma solução para um mistério e o que se encontra é ainda mais misterioso. E mais, quando você procura testar se o mistério é de verdade ou pura imaginação, as coisas parecem ficar ainda mais nebulosas. Assim que saiu do estado de entorpecimento, Afonso largou o que estava fazendo e foi pegar o livro que estava lendo, o “1984”. Avidamente abriu na página sete, para uma vez mais conferir as palavras no pedacinho de papel. Foi uma grande surpresa outra vez. Não havia nada lá. Era como se o destino estivesse lhe negando a prova de que precisava para provar seu contato com o sobrenatural. Agora tudo que ele tinha era o caso de um autor que retomou uma obra vinte anos depois...Sem mistérios, sem mensagens.