Meu nome é Alice
Meu nome é Alice
Ana Beatriz era uma esperta menina de três anos. Começara a falar e andar antes de completar um ano. Seus pais a cercavam de carinho e proteção, e ultimamente ficavam muito surpresos com as suas palavras. Tudo começou quando Julia, sua mãe precisou ir de carro num dia de semana, levando-a no banco traseiro, até a casa da avó materna. A menina começou a falar: - Mãe, para o carro. Quero ir para a escola, volta, para o carro. Quero ir para a escola. Julia continuou dirigindo, e para sua surpresa, olhando através do retrovisor, observou que os olhos da menina estavam cheios de lágrimas. Continuou dirigindo, por mais algumas ruas, até que estacionou em frente à casa de sua mãe.
Estava apressada para deixa-la com a avó, que já não se lembrava da cena minutos atrás. Pensou por alguns segundos que estava na hora de mandar Aninha para uma escolinha. À noitinha quando foi buscar a menina, ficou surpresa com o que sua mãe lhe contou: - Julia, eu não sabia que Aninha estava na escolinha. Ela me contou que adora a tia Nice, e que tem duas amiguinhas que ela gosta muito. Uma é a Vanessa, e a outra é a Lilian. Ficou a tarde inteira, conversando com suas amiguinhas invisíveis, e me colocou na brincadeira também. Pediu-me para eu chamá-la de Alice. Insistiu dizendo e batendo o pé com força no chão: - Meu nome é Alice. Disse que detesta esse nome feio Ana Beatriz, que o nome dela sempre foi Alice, e não entende porque, a chamamos de Aninha.
Julia sorriu para a mãe e disse baixinho para que a menina não escutasse: - É mais uma das invenções da Aninha. Agora estou me lembrando de quando estávamos vindo para cá, passamos por aquela Escola de Educação Infantil, a senhora sabe aquela escola, e gesticulou para a mãe, sem falar mais nada para que a menina não percebesse.
Algumas semanas se passaram, e algumas outras tardes, Julia precisou deixar Ana Beatriz na casa de sua mãe para que pudesse ir ao trabalho. E todas as vezes que passava em frente à escolinha a menina pedia sempre para voltar para sua escolinha.
Julia achava a imaginação de sua filha muito fértil, e constantemente era surpreendida com histórias que a menina inventava. Na sua fantasia e imaginação, ela era Alice tinha seis anos, e estudava na escolinha que ficava perto da casa de sua avó. Tinha noites que antes de dormir, era ela quem contava as histórias para a Julia. Parece que tinha um estranho prazer em contar situações detalhadamente, personagens muito reais e numa riqueza de detalhes, incomum para uma menina de três anos. A história sempre girava em torno de Alice e suas amiguinhas brincando na escola.
Dois anos se passaram Ana Beatriz e seus pais, mudaram-se para a mais perto da casa da vovó. A menina já estava com cinco anos, e precisava frequentar uma escolinha. Julia já tinha pensado na escolinha que sua filha tanto falava, mas tinha uma certa aversão a esta ideia. Foi à avó que insistiu: - Vamos até lá ver as condições da escolinha. Pode ser uma boa opção, pois a menina sonha com esta escola há muito tempo. Duas semanas depois, a avó levava a netinha para a tão sonhada escola. Era o seu primeiro dia de aula, a menina estava muito falante, e logo na entrada já surpreendeu a avó, puxando-a com força pelo braço e dizendo: - Venha vovó, vou mostrar-lhe onde é a sala que Alice estudava. A avó muito curiosa e meio sem graça, falou docemente para a neta: - Meu amor, hoje é seu primeiro dia de aula, você vai conhecer sua professora e fazer muitas amizades novas. A menina largou a mão da avó e obediente seguiu com sua nova professora e as outras crianças para a sala de aula. Duas horas e meia depois, a avó foi buscá-la na escola e observou que a menina vinha muito séria, parecia estar aborrecida.
Voltaram para casa a pé. No caminho Aninha foi contando para a vó o que vira na sua sala de aula. Disse que gostara de tudo, mas não encontrara a Vanessa nem a Lilian, e a tia Nice, alguém lhe disse que ela não trabalhava mais na escola. A avó, como sempre, achava que sua neta estava apenas brincando de faz-de-conta.
Alguns meses se passaram, Ana Beatriz frequentava a escolinha, mas sempre tinha observações e sempre todos os dias, falava sobre Alice, suas amiguinhas e a tia Nice.
E pedia sempre tristemente, aos pais, a avó e a professora nova que queria encontrar as amiguinhas de Alice.
Certa tarde, o céu escureceu rapidamente anunciando uma tempestade a caminho. Trovoadas assustavam as crianças que se tornaram inquietas, dentro da sala de aula. Ana Beatriz ficou desesperada. Colocava as mãozinhas na cabeça, tentando tapar os olhinhos tão assustados e cheios de pânico. E começou a gritar desesperada: - Eu quero minha avó, ela não veio me buscar ainda, está demorando, quero ir embora daqui. Eu não quero ver o fogo vindo do céu. Estou com medo. Agarrou-se a professora e não tinha ninguém que pudesse tirá-la dali. Em seu desespero entrou numa verdadeira crise nervosa, começou a ter convulsões e a rolar pelo chão, revirando os olhos, e com as feições modificadas como se estivesse vivendo algo terrível e que não sabia descrever. A professora mandou uma das meninas ir até a secretaria chamar ajuda, enquanto socorria Aninha para que ela não se machucasse em suas sacudidelas.
A avó e os pais foram avisados, quando eles chegaram, a menina já tinha sido medicada pela equipe de emergência que tinha sido acionada pela direção da escola, e estava indo para um hospital em uma ambulância. A avó, e os pais diante do ocorrido, estavam muito loucos, sem saber ao que atribuir a crise nervosa que Ana Beatriz enfrentava. A situação da menina piorou muito, e ela ficou internada vários dias. Tinha uma febre alta, e delirava, chamava sempre por suas amiguinhas: Lilian e Vanessa. Algumas vezes gritava pela tia Nice.
Ana Beatriz, levou mais de um mês para ficar totalmente recuperada. Tinha intervalos de calma e lucidez, nesses momentos, conversava normalmente sobre tudo que a rodeava. Nos outros momentos de crise, afirmava sempre: - Meu nome é Alice, eu quero ver de novo minhas duas amiguinhas e a minha professora. Tenho muito medo.
Os médicos encaminharam a menina para o acompanhamento com uma psicóloga, que a visitava duas vezes por semana. No inicio a psicóloga não conseguiu entender, como funcionava a história de Alice. Depois com muita paciência, começou a encontrar o fio que a levaria para fora do labirinto que era a mente da menina.
As afirmações de Ana Beatriz sobre Alice eram tão perfeitas, que a Dra. Eliane, ficava arrepiada de ouvir a menina. Ana Beatriz recebeu alta, e começou a fazer tratamento psicológico com a Dra. Eliane. Depois do incidente na escola, jamais quis voltar lá. Chorava e reclamava para a avó e os pais: - Não gosto mais da escola, minhas amiguinhas não estão lá nem a tia Nice. Ficava muitas horas brincando sozinha com suas bonecas, e falando com suas amigas invisíveis. A mãe ficava chorosa e desesperada, temendo pela saúde mental da filha. A avó, mais otimista, achava que era apenas uma fase e resolveu jogar o jogo da menina. Chamava-a de Alice, perguntava qual a sua comida preferida. Se preferia bolo ou pastel, qual era a cor de roupas que ela mais gostava, e outros pequenos detalhes. Ana Beatriz surpreendia cada vez mais sua avó.
Certa manhã, as duas foram à feira, comprar frutas e legumes. A velha senhora observou que a neta, olhava demoradamente para duas adolescentes na faixa dos doze anos. Para surpresa da avó, a menina soltou sua mão e foi até as mocinhas chamando-as bem alto: - Vanessa, Lilian. As garotas olharam para trás, e ficaram paradas, olhando para a menina a sua frente, e falaram ao mesmo tempo: - Alice é você, mas não é possível. Alice estava tão contente, que começou a gritar chamando a avó: - Veja vovó, encontrei minhas amiguinhas, elas cresceram tanto que quase não as conheci. As meninas ainda muito surpresas, perguntaram para a velha senhora: - Ela é a irmãzinha da Alice? Se não é parece muito com uma amiguinha que tivemos e olharam para a senhora com olhar triste e sem graça, a maior falou: - Perdemos.
A senhora meio assustada, e sem saber direito o que se passava, ficou parada no meio da feira, conversando com as duas garotas e a neta. As três se entendiam perfeitamente apesar de uma ausência de seis anos. Ficaram alguns minutos na feira, até que uma das garotas olhou para o relógio e falou: - Está na hora Lili, temos que ir, vão chegar atrasadas no Curso de Inglês. Alice ficou triste e perguntou: - O telefone de vocês escreve aqui na minha mão, como a gente fazia, quando não queria esquecer. Vanessa escreveu o número do telefone na mão de Ana Beatriz, deu-lhe um beijinho no rosto, fez um carinho em seus cabelos cacheados e falou: - é mesmo Alice de volta, até os cabelos crespos e escuros são os mesmos, e os olhos? Liga para nós, vamos gostar de ver você ir lá a casa.
A velha senhora acabou de fazer as compras com a neta e foram para casa. Ana Beatriz foi falando o tempo todo de volta para casa sobre o encontro com as amigas, etc. A avó não sabia o que falar. Ficou silenciosa, só escutando. No dia seguinte, Ana Beatriz ligou para as meninas. Foi visitá-las acompanhada de sua avó. Foi uma tarde de muita alegria para as amigas. Elas conversavam, se abraçavam, matando as saudades. Encontraram algumas fotos antigas do tempo do Jardim de Infância, quando estudavam com a tia Nice. Alice voltara, e finalmente encontrara suas amiguinhas tão queridas. Estavam mais crescidas, mas eram suas amiguinhas de outrora. Ficou feliz ao saber que poderia rever a tia Nice, pois ela morava próxima às meninas.
Voltando para casa, pediu à avó que parasse em frente à determinada casa que ficava numa rua paralela a da casa das amigas. Ela insistiu para que a avó tocasse a campainha. A avó, sem saber por que atendeu ao pedido da neta, e tocou a campainha, várias vezes, até que uma senhora veio andando, lentamente pelo jardim e chegou até o portão. A menina não conseguiu disfarçar a emoção e falou bem alto: - Vovó, vovó, sou eu Alice não se lembra de mais de mim? Deixa-me entrar. Onde está mamãe e todos os outros? A velha senhora parecia não enxergar direito e respondeu secamente: - Alice não mora mais aqui. Vá embora, e não faça de novo este tipo de brincadeira. Ana Beatriz começou a chorar copiosamente, e foi andando para a casa segurando fortemente a mão de sua avó.
Diante dos fatos, a avó de Ana Beatriz, contou tudo para os pais da menina, que se negaram a acreditar em história tão louca. O tempo foi passando, Ana Beatriz foi crescendo e já não se lembrava de mais de tantos detalhes de quando era Alice. Passara a morar definitivamente com sua avó, e tinha tanto carinho e atenção, que passou aos poucos a esquecer do trauma que viveu em sua outra vida, quando era Alice e morreu numa tarde de tempestade ao ser atingida por um raio fatal, enquanto saia da escola pelo braço de sua avó Margarida que tinha ido buscá-la na escola.