Celeste
 
Ah... as suas mãos! Lindas, perfeitas... seus dedos, como esculpidos fossem, eram dedos de fada, não, não eram assim que eles eram vistos, eram dedos sensuais, que nos seus sonhos, acariciavam-no, dedilhavam no seu pescoço com unhas afiadas, e ele se arrepiava...
 
A voz do mestre, fazia-o retornar para a sala de aula, e ruborizava-se ante os olhares alheios, como se estivesse exposto à execração pública, e todos pudessem ler seus pensamentos.
 
A timidez era a sua marca registrada, e tímidas como ele, também eram as suas respostas: sim, não, talvez...
 
Suas mãos falavam por ele, quando todos se afastavam, o lápis corria solto sobre o papel, então desenhava cada um dos seus colegas, retratava os professores, e assim, uma linda estória em quadrinhos formava-se. Desenhava os rostos, as feições, o Guido bocejando, com a perfeição dos detalhes, e o professor Mergulhão, com aquela bocarra, os dentes amarelados, o bigode marcado pela cor do fumo...
 
Mas não mostrava seus desenhos para ninguém, tinha receio de se expor ao ridículo.
 
Tentou por diversas vezes desenhar aquelas mãos, mas não conseguiu. Aquelas mãos eram um desafio para a sua arte. Durante noites, ficou até tarde, tentando passar aquelas mãos para o papel, mas foi tudo em vão... Foi dormir frustrado, e quando estava para acordar, sonhava novamente com as mãos dela a acariciar sua nuca, era perseguido por aquelas mãos mágicas...
 
Ela era escultural, perfeita em todos os detalhes, olhos lindos, pretos como a jabuticaba, sobrancelhas grossas, com grandes cílios. Seu olhar penetrante, parecia querer desvendar os segredos da alma da pessoa com quem falava. Seu nome, Celeste, como se estivesse vinda do céu.
 
Ele era o Pedro, o Segundo, porque o outro Pedro, era o Pedro Magno, um jovem falante, cheio de si, que tocava violão, e cantava bem, além de gostar de cantar as meninas, fazendo grande sucesso entre elas.
 
Certo dia foi formado um grupo de estudos na área de biologia. Pedro, o Segundo,  Celeste e Marilda, a filha do médico da cidade, receberam como missão fazer um trabalho sobre as aves pernaltas do mundo, especialmente as do pantanal mato grossense.
Outros grupos teriam outras missões a desempenhar, no total de dez grupos , com trinta alunos.
 
A primeira reunião do grupo foi na casa do Pedro, para facilitar a todos, por ser bem perto da escola, mas Marilda que já era famosa por se aproveitar dos trabalhos alheios, não compareceu, alegando que já tinha outro compromisso marcado anteriormente.
 
Lá estavam os dois, frente a frente, ele fascinado por Celeste, sem querer dar a perceber...
Em cada representante das aves em questão, Pedro, com a arte que Deus lhe deu, sem nada falar, ia preparando um desenho correspondente.
Primeiro uma cegonha, saindo do ninho em um telhado, num voo, como a dizer que dali começa tudo, depois  uma garça real, um grou e diversas outras aves, todas lindas, esbeltas e elegantes.
 
Celeste, maravilhada, assistia  a demonstração daquele "show" de competência e simplicidade. Ela pediu-lhe um copo d'água e enquanto ele foi buscá-lo, ela manuseou seu caderno e viu-se retratada em diversas posições. De lado, de perfil, andando, parada e até de bicicleta... Na sua bicicleta!
 
Enquanto ele voltava, ela fechou novamente o caderno e uma nova Celeste estava nascendo ali.  Seus pensamentos voavam em torvelinho enquanto sorvia a água, gole a gole.
- "Como não pude perceber?"
 - "Como, por tanto tempo ele se dedica a mim, sem dar  a mínima demonstração, por mais sutil que fosse..."
Seus pensamentos foram interrompidos pela pergunta:
- Você quer mais?
Ela, monossilábica, olhou nos seus olhos profundamente e lhe respondeu : - obrigada!
As suas mãos se juntaram, e ele, sem nada lhe dizer, acariciou-a suavemente...
Daí em diante, Pedro aprendeu a retratar com perfeição aquelas mãos, e completou-se como pintor e como homem.
Hoje, na sua primeira "vernissage" apresentará sua obra-prima: CELESTE!