Canção Nórdica
O vento gélido da estepe açoitava o rude rosto de Thornsteinn. Os primeiros flocos da nevasca que se aproximava tocaram o solo sobre o qual aquele homem corria sem rumo. Em seu braço pendia a lâmina ensangüentada com a qual havia ferido mortalmente seus inimigos.
Ele se ajoelhou na neve, encolheu a cabeça entre os joelhos e chorou.
Thornsteinn era um homem rude, acostumado com os mares cálidos e com o aço assassino. Aquele homem conhecia todos os povoados daquela região; era o comandante de uma embarcação e havia participado de muitas batalhas no continente. Homens fortes e amedrontadores haviam sucumbido pela espada de Thornsteinn e oponente algum fazia com que aquelas pernas tremessem ou que aqueles braços hesitassem.
No entanto, uma longa guerra começou contra um exército vindo do sul. Suas armaduras reluziam sob o sol de verão que nunca se punha. Bandeiras tremulavam e as formações rigidamente mantidas surpreendiam. O povo de Thornsteinn se preparou para um confronto duradouro e pesaroso, pois o inimigo era em grande número e determinado. Tribos vizinhas foram convocadas: algumas vieram, outras se abstiveram covardemente.
No primeiro dia de luta, mal dava para divisar qual dos oponentes sofrera mais baixas, de tantos corpos que haviam sido encontrados inertes sob a fina camada de neve. O irmão de Thornsteinn, Halldórr, foi transpassado por uma lança, mas sobreviveu. Inutilizado para a peleja, Halldórr ficou sob os cuidados da diligente cunhada, enquanto o embate prosseguia.
Dia após dia os guerreiros do norte defenderam seus lares. Em menor número, enfraquecidos, desbaratados, eles recuaram, atraindo as implacáveis legiões cada vez mais para as profundezas da estepe.
Após meses de batalhas, a situação se alterou. Os romanos, distantes de sua pátria, oprimidos pelo clima, começaram a esmorecer. As temíveis formações deixaram de ser indestrutíveis; as máquinas de guerra atolavam na neve ou desapareciam em fissuras de lagos congelados. Tanto quanto pelos braços valentes do povo de Thornsteinn, milhares foram dizimados pelo frio.
Exausto, mas vitorioso, o guerreiro retornou ao seu povoado. Sentia falta do corpo quente de Gudrún, de seu úbere aconchegante, de seus cabelos ruivos, de sua comida saborosa.
No entanto, ao se precipitar, eufórico, no interior de sua choupana, Thornsteinn flagrou Gudrún, nua, enlaçada nos braços de seu irmão Halldórr.
Jamais, nem ante os martelos de guerra dos bávaros, dos arcos normandos, dos machados germanos, dos gládios romanos, das lanças vândalas, da cavalaria rúgia, das alabardas burgúndias ou das lâminas bretãs Thornsteinn sentiu seu coração titubear e seu braço fraquejar.
Porém, aquilo não estava certo. Sua esposa e seu irmão? Bem que ele havia notado alguns risinhos maliciosos logo ao pisar na vila.
Enfurecido, Thornsteinn estraçalhou os dois com a lâmina ainda embebida em sangue latino.
O guerreiro mergulhou na nevasca. Desorientado, ele se perdeu na noite sem fim do inverno.