Mary
 
Sob protestos da família, Sarah se casou com John e vivia uma vida sem motivações e sofrida, num subúrbio de Boston.

Ele, um vendedor de carros, fracassado e alcoólatra que não parava em empregos, e ela, trabalhando numa escola maternal, cuidando dos filhos alheios, já que com nove anos de casamento ainda não conseguira se engravidar.

Foi nessa época que faltou-lhe a menstruação e como estava com quase quarenta anos imaginou que tivesse chegado à menopausa. coincidentemente vieram náuseas e dores nos seios e o diagnóstico do teste: gravidez positiva.

Uma onda de felicidade turbinou seu cérebro, criando uma expectativa favorável,  imaginando que com a vinda da criança, John pudesse assumir a responsabilidade e assumir o papel de pai e chefe da família, porque até então, todo o dinheiro que ganhava, quando o ganhava, era destinado a sustentar seu vício.

Contudo, Mary nasceu em plena crise do casal, se é que em alguma época o casal não estivesse em crise.
Foi quando, para complicar, a creche foi desativada, o imóvel vendido para que  no local fosse construído um edifício e com isso, os empregados foram indenizados.

A indenização foi pequena porque Sarah trabalhou nesta creche por pouco tempo.

Sarah voltou do hospital universitário onde Mary nasceu, acomodou-a no bercinho adquirido numa feirinha de móveis usados da paróquia do seu bairro e foi procurar o dinheiro restante da sua indenização que guardara no bolso de um casaco. Mas onde estava o dinheiro?

Uma raiva enorme apossou-se dela e lembrou-se com nitidez das palavras de sua mãe, que profeticamente desaconselhara seu casamento com John:
-  Menina, esse homem vai lhe fazer infeliz, ele tem péssimos hábitos, aprendeu tudo de ruim com o pai, procura outra pessoa, você merece alguém melhor...

Parece que tinha chegado a hora de se descartar desse homem que lhe trouxera tanta infelicidade, afinal ainda estava suficientemente nova para procurar refazer sua vida, desse modo  se decidira, que iria se separar de John.

Assim foi feito, procurou emprego em outra creche, e programou-se para enquanto  cuidasse  de outras crianças cuidaria também  da sua Mary. Tinha boa recomendação e foi facilmente aceita.

Quando Mary completou quatro anos Sarah conheceu Matt, um cinquentão bem apessoado, falastrão e também vendedor do ramo de imóveis. Dessa vez Sarah se preveniu e fez questão de conhecer os hábitos de Matt para evitar novamente cair numa esparrela e se casar com outro alcoólatra.

Viviam aparentemente bem, até quando, Sarah teve um distúrbio cardíaco e morreu.
Mary, com nove anos de idade, ficou vivendo com seu padastro, Matt.

Assim continuou até que aos catorze anos, quando saiu de casa e foi morar com uma amiga de dezenove anos, que como ela, trabalhava numa lanchonete.

A amiga de Mary era uma latina, que nascera no Brasil, em Minas Gerais e se mudara, ainda bebê, para Boston,  junto com a família.
Todos obtiveram os "green card" e estavam naturalizados americanos. Era moreninha de cabelos encaracolados, chamava-se Beth e diferia-se totalmente de Mary, uma loura de cabelos lisos.

Desde que se conheceram, Mary e Beth criaram uma afinidade muito grande, trocavam confidências, se apegaram uma à outra e passaram a ter uma afetividade muito especial. Em realidade se amavam e viviam como um casal com toda a homossexualidade declarada.

Mary confessou para Beth que nunca procuraria um homem, tinha nojo dos homens porque fora abusada desde os nove anos por Matt. Beth não achava justo, aconselhou-a a  procurar a polícia, para que Matt não fizesse com outra o que fez com ela, mas Mary se recusou veementemente.
Ele era um fraco, abusador, mas ela não queria o mal dele, queria dele a distância, não sua prisão porque afinal, apesar dos defeitos,  ele também tinha muito boas qualidades.

Assim viveram por muitos anos e quando Mary chegou aos vinte anos, começou a ficar amedrontada, a ter visões e procurou diversas religiões sem conseguir se fixar em nenhuma.

Ela não era religiosa mas tinha uma grande religiosidade, por mais paradoxal que parecesse, porque só desejava o bem alheio, somente praticava bons atos e de sua boca só saiam palavras de ternura e amor.   Beth a classificava como uma menina de ouro.
Numa noite, quando Beth retornou para casa, se assustou. Mary falava com alguém, que ela, Beth, não conseguia ver.

Aquele diálogo, em voz baixa continuou por muitos minutos, sem que Beth ousasse interromper, parecia ser um momento sagrado, para Mary e ela respeitou-a.


Quando o silêncio se fez, Beth que tinha a cultura espírita kardecista de seus pais, perguntou a Mary de quem se tratava. E ela, com sua santa ingenuidade e inocência, lhe disse:
-Era o Anjo Gabriel, ele me disse que vou ser mãe, que estou grávida e virá um menino muito,  muito especial e começou a chorar...