A MENINA E O POETA III - A Surpresa
III
A surpresa
No dia seguinte, a menina se encontra novamente com o poeta no mundo virtual. Ela está ansiosa, e ele, por saber disso, vai logo comunicando que a análise do texto com sugestões de mudança está pronta.
- Manda para mim agora?
- Mais do que pra já, amiga!
“Amiga?”, pensa a menina. “Ele é apenas um conhecido. Um conhecido que eu nem conheço direito. Só conheço o que ele se dá a conhecer pelos seus textos e pelas vagas informações que encontro em seu perfil no site”. E, em assim matutando, a menina abre o arquivo que chega a seu micro e lê aquelas palavras analíticas do poeta. Um catatau de informações que ela tenta digerir devagar. “Esse cara ta querendo reescrever meu texto!” A aprendiz de escritora se enfurece diante daquilo que considerou ser demais para ela.
As reações que se sucedem indicam que a menina recebe o texto do poeta, lê avidamente (faz-se um silêncio de letras na tela do comunicador de textos da Internet), não gosta do que lê e, por fim, diz que o poeta está mentindo.
- Você está querendo me agradar com este papo de que eu tenho futuro? E por que mexeu tanto no meu texto? Você está mentindo, gostou nada!
O poeta se maravilhou de ter conseguido levar a menina a expressar um pouco mais os seus sentimentos, a usar mais palavras em sua comunicação do que costumeiramente o fazia...
- Bem, fiz o que pude e o que achei que poderia ser o melhor para você. Está aí a minha contribuição. Agora é com você se vai aceitar ou não!
O poeta resumiu seu pensamento e optou em dar por encerrada aquela sessão de conversas. Era melhor deixar a menina refletir sobre as idéias que ele passou, e aguardar que ela encontrasse a maturidade suficiente para a aceitação de uma crítica construtiva.
Ficou por ali, trabalhando, dialogando com outros internautas. De vez em quando a menina esboçava uma aproximação, digitando algumas palavras, uns comentários, pedindo uns esclarecimentos. O poeta respondia com educação a cada investida da menina, mas era econômico em suas palavras para não dar muitas brechas que levassem a estender muito a conversa.
Passam-se alguns dias. O poeta resolve visitar a página da futura escritora, no site de literatura. Descobre lá o texto que ele analisou. Nenhuma alteração proposta por ele foi absorvida. “É, essa menina tem um gênio forte mesmo!”, conclui o poeta. O poeta não se esgarça por isso. Ele sabe que ali está alguém em formação, alguém que precisa amadurecer e seguir o próprio caminho literário e pessoal. Não fizera nenhuma proposta de alteração do conteúdo, mas apenas observações que diziam respeito aos aspectos ortográfico, gramatical e estético.
Os dias seguem seu curso temporal. Contrariamente ao que ocorre quando se comunicam entre si pela Internet, a menina se aproxima demais emocionalmente do poeta. Ela lê tudo o que o moço produz. Sabe de cor as aventuras que ele criou em seus contos. Conhece cada personagem por ele elaborado. Cita sem pestanejar cada trama e: chora, ri, se enraivece, sonhando junto com os sentimentos de cada personagem feminina que o poeta descreve em seus textos.
Nesta altura, eles já haviam trocado endereços. A menina queria enviar um livro de presente no aniversário do poeta: "Malu de bicicleta", um livro de Marcelo Rubens Paiva que o poeta ficou encafifado até saber de que se tratava, pois a menina achava que tinha tudo a ver com o estilo dele. Leu. Não era o tipo de literatura que estava acostumado ou que gostaria de ler, mas o fez por causa da insistência dela. O livro tinha tudo a ver com ela e ela achando que o livro tinha tudo a ver com ele... Como são as coisas!
Numa manhã de sábado, a menina, sob o pretexto de ir a um passeio da turma da escola, desvia-se de trajeto com uma amiga, e destrambelha-se para Niterói. Nesta altura, o poeta já havia montado apartamento naquela cidade fluminense e a menina, de posse do endereço, vai bater à sua porta. São nove horas da manhã. O poeta tinha participado de um sarau literário no dia anterior, e o que ele mais queria naquele momento era uma espichada a mais no sono. Ledo engano. Toca o interfone. É a menina.
- Alex Guima?
- Sim, quem é?
- Sou eu a Ana Luiza!
O poeta toma um susto. “O que esta menina está fazendo aqui?” Pergunta-se, tentando entender as razões que a levaram a procurá-lo de forma tão espontânea e inusitada.
- Você está sozinha?
- Não! Trouxe uma amiga comigo!
- Ah, então pode subir!
O poeta arrojou-se para o toalete e ajeitou o que pôde a cara amarrotada de uma noite curta demais, correndo para o quarto para colocar uma roupa mais apropriada para receber as meninas.
A campainha do apartamento toca. Teve o tempo suficiente apenas para ajeitar-se e por a mesa para um possível café da manhã. Vida de escritor é assim mesmo. Ainda mais de escritor solteirão: uma correria louca para produzir o imaginário e outra para viver o real.
Quando abriu a porta da sala deu de cara com duas meninas simpáticas, estilo colegial underground. Uma com ar sereno, embora brincalhão e questionador, como que aguardando o próximo lance do jogo; outra com ar tímido, porém respeitoso e reverente, como se o sucesso do encontro dependesse da aceitação positiva do primeiro olhar...
- Bom dia, Aninha! Como você está?
E enquanto dirigia-se a segunda, que identificara como sendo sua interlocutora da Internet, acrescentou:
- Que grata surpresa receber visitas tão simpáticas logo de manhã! Com certeza o meu dia hoje será muito bom, porque está começando muito bem.
E, enquanto lhes dirigia estas primeiras palavras, foi cumprimentando-as e solicitando que entrassem logo, pois o vento que corria no corredor poderia lhes ser de péssimo tom para a saúde...
As meninas adentraram timidamente a sala de estar do apartamento, e foram logo se alojando no sofá a convite do poeta. Rebeca, a amiga de Aninha, a olhava inquiridora como que a dizer: “Agora é com você, miga! Deslancha aí! É a sua vez!” E Aninha não se esquivou.
- Muito bem, senhor Alex Guima. Quer dizer que finalmente estamos nos vendo? Parece sonho, mas planejei este dia durante muitas noites insones...
Que coragem a menina estava tendo para fazer aquele discurso. Ela estava evoluindo em sua capacidade de expressão, embora os vestígios de timidez estivessem presentes no olhar, no jeito matreiro, e na fala miúda, quase um esgar de voz, sumido no fundo de uma garganta suave que emitia sons diminutos, quase que pedindo licença para sair.
Sem que soubesse, Alex Guima estava diante de uma menina de quem, nos últimos meses tornara-se tutor à distância, sem que para tal tivesse sido convidado. O comportamento, as atitudes, os sonhos e expectativas de Ana Luiza estavam condicionados agora por tudo o que conseguira extrair do seu ídolo literário...
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(*)Observação: Se deseja continuar a ler o conto em seu próximo capitulo, A CRISE, acesse o link abaixo:
http://www.recantodasletras.com.br/visualizar.php?idt=399512