A MENINA E O POETA II - O Encontro
II
O Encontro
Com o tempo livre que tinha para gerir a própria vida, Ana Luiza descobriu o mundo da Internet. Nele mergulhou fundo à busca de novidades e conhecimentos. Para bem de sua formação, muito do que descobriu logo abandonou, livrando-se, como tantos não conseguem, de uma dependência que a poderia tornar uma pariá vagabunda da sociedade, com vida ativa no mundo virtual e nenhum envolvimento significativo na vida real. E esta lhe era uma possibilidade bastante plausível, tal o abandono que experimentava na vida, exceto por uma babá que estava sempre à disposição para atender seus caprichos de mocinha mimada.
Passado o deslumbramento da descoberta, a menina aprendeu que a Internet poderia ser uma ótima ferramenta para fomentar sua ingente busca de conhecimento literário, de compreensão do mundo e da existência pessoal. Mais que isso, a Internet lhe abria um vasto campo de possibilidades para dar vazão ao seu interesse de ser escritora. E foi neste mundo novo, que ela descobriu o Recanto das Letras, site destinado à publicação de textos os mais diversos, onde passou a publicar suas crônicas, incipientes ainda, mas que já demonstravam uma cosmovisão bafejada de estilo e cultura crítica, mostrando a sua intelectualidade precoce.
No fim de uma tarde de sexta-feira, em algum lugar distante do interior do Rio de Janeiro um poeta maduro é abordado pela menina que quer ouvir sua opinião sobre um texto que acabara de escrever. “De onde aparecera tal menina?” O dispositivo de comunicação interpessoal do Windows, conhecido como Messenger, indicava que alguém estava interessado em se comunicar com o poeta. Ele adiciona esta nova amiga e recebe o impacto do interesse dela em saber a sua opinião sobre o que acabara de produzir.
O poeta é um homem vivido. Sabe que não pode frustrar uma garotinha que sonha com as letras. Ele já percorrera muitas estradas literárias e trazia na própria pele as marcas das montanhas que teve que transpor para conquistar o seu lugar debaixo do Sol. Ficara sabendo que a menina era uma leitora inveterada de seus contos e poemas; disponibilizados no mesmo site, que ela agora acabara de descobrir poder também abrigar seus textos. Democraticamente, a menina foi acolhida não mais apenas como leitora, mas, também, como escritora.
Ousa o poeta dar umas opiniões, fazer uns elogios. A menina é seca. A menina é resistente. Ela adota uma postura defensiva, de quem não acredita na vida e nem nas pessoas. É cética. Crê e aceita apenas o que faz. A opinião de terceiros é apenas opinião e será ouvida e digerida para alimento ou evacuação. Só o tempo dirá. “Por que o procurou então?” Pensa o poeta... “Mas ela o procurou!” Continua ele a refletir...
Então o poeta vai acreditar que há ali um coração inseguro que quer apoio e que quer ajuda e que quer conquistar a literatura, mas que precisa primeiro conquistar o seu “eu” interior, conquistar a confiabilidade no mundo das palavras que imprimem sonhos e transformam vidas. E o papel do poeta como criador deste mundo, que vai promover uma reviravolta na vida modorrenta de leitores que se perderam na jornada da existência, é de fundamental importância. Mais do que nunca o poeta precisa estar consciente de que a vida imita a arte. E a arte embeleza a vida, dando mais cor e sabor à existência.
Um pouco antes das dezoito horas daquela sexta-feira, a menina e o poeta se encontram batendo um papo inaugural:
- Oi.
- Tudo bem?
- Você pode me dar sua opinião sobre um texto que acabei de escrever?
A menina vai direto ao ponto que lhe interessa e o poeta é apresentado àquela personalidade forte, de uma maneira nada usual no mundo da intercomunicação virtual.
- Sim. Com todo prazer!
- Ok. Posso mandar?
- Pode. Mas amanhã devolvo minha análise e opinião para você...
- Só amanhã? Mas o texto é curto?
O poeta descobre a impaciência da menina que precisa de uma opinião para seu texto, quer imediatamente, não está muito disposta a ouvir conselhos, é resistente a elogios, tem medos interiores que a atormentam, mas que ousa interpelar um estranho pela Internet, só porque se identificou com seus textos e ali viu alguém que poderia ajudá-la de alguma forma a se encontrar no mundo da literatura...
Ela não sabe ainda que nem todo mundo que investe tempo com a Internet está ocioso. Ela ainda vai aprender que a Internet hoje é a mais ágil, e melhor equipada, ferramenta de trabalho para o escritor contemporâneo. E que há muitas atividades que se desenvolvem paralelamente ao uso do computador como agente transmissor de dados, viabilizando comunicação on-line, transações e negócios.
- Ta.
Um lacônico consentimento popular apresentou a sua resignação, mesmo que a contragosto, à posição do poeta.
Na casa da menina um cheiro de bolo assado chega-lhe às narinas e ela sabe que dali a pouco a doméstica vai lhe trazer um saboroso lanche. No escritório de trabalho do poeta uma xícara de café forte é sorvida com pressa, por aquele que precisa terminar uma matéria para entregar ao jornal “Páginas da Vida”, publicação do interior de Goiás Velho, GO, para o qual escreve como jornalista free-lance.
A tarde é quente embora ainda fosse Primavera. A menina sorri com encanto e se delicia com o rostinho angelical que vê no espelho lateral do quarto. O poeta sorri com fina ironia e sente o cenho franzir diante do compromisso de produzir as matérias que lhe garantem a sobrevivência como pessoa e como poeta.
Ainda não houve tempo suficiente para ambos digerirem o que estava ocorrendo. O fato é que um poeta quase quarentão e uma menina adolescente se encontram na Internet e na literatura. Sem o saber, a pequena é abençoada pelo destino em conhecer um poeta daquela grandeza. Aquele poeta, homem maduro, vai funcionar-lhe como um pai sem que ela se aperceba disso. Mais que isso: será seu ponto de apoio para vencer a timidez e encontrar-se como pessoa. Ao que tudo indica, esse poeta será fundamental em sua história de vida.
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(*)Observação: Se deseja continuar a ler o conto em seu próximo capitulo, A SURPRESA, acesse o link abaixo:
http://www.recantodasletras.com.br/visualizar.php?idt=398374