Estória de final de ano
 
Havia algo no ar, um pressentimento de que alguma coisa estava para acontecer. E não era coisa boa.

Finais de ano sempre foram marcantes na  estória de minha vida. Bebedeiras homéricas que deixaram o meu tio Cazuza em porres de cair no chão, no último ele desmaiou e ficou em coma.

E os comentários cáusticos sempre se faziam:
- Porque esse merda não morre logo! Como se fôssemos donos da vida de alguém...

Em certo final de ano, meu filho, um rapaz de dezesseis anos , abraçou-se na namoradinha de catorze anos, que era nossa vizinha e em bom som, naquela reunião de família com avós, pais, tios, primos e irmãos, anunciou:
- Paizão, mãezinha, vocês vão ser avós, a Leleca vai ser mamãe!
O Cazuza, já de cara cheia, arrematou:
- Meleca? A Meleca vai ser mamãe? A Meleca vai ser mamãe, olé, olé, olá...

Minha mulher arregalou os olhos, apertou meu pulso com tamanha intensidade que suas unhas cravaram na minha pele, ferindo-me.
Tentei contemporizar dizendo que tudo não passava de uma brincadeira de mal gosto, mas não adiantou, o caldo já estava entornado e a Leleca confirmou, com um sorriso nos lábios:
- É verdade, vovô, já fiz o teste, deu positivo, tomara que seja um menino para torcer para o Fluminense.

Aí o Cazuza chutou o balde de vez:
O Fluminense não é time de filho da puta não, é melhor que ele seja do Flamengo ou vai ter que abortar!
Foi então que a minha mulher, com aquele ar de aparvalhada, disse:
- Aí, tio Cazuza, você está certo, ela deve abortar, para o bem de todos... Como essa menina que ainda deveria estar brincando com bonecas, que nem tem peitinhos ainda, vai querer ser mãe? porque senão vai sobrar pra mim...

Naquele momento houve um burburinho enorme, todos falavam e ninguém se entendia.
Levantei minha voz e disse:
- Se precisar a gente ajuda, tentando novamente contemporizar...
- Você trocar fraldas? É ruim, hein... Nunca trocou dos seus filhos, como vai querer ajudar agora? Vai sobrar mesmo é pra mim...

A Leleca, nessas alturas já estava chorando e soluçando sem parar, e meu filho tentando consolá-la:
- Chora não, Lelequinha, assim você parte  meu coração...

Alguém de bom senso disse que tudo iria acabar bem, que o tempo resolveria, que deveríamos era comemorar... Constrangidamente assim fizemos e o Cazuza se aproveitou para beber tudo de vez.

Como era previsto, os pais nem chegaram a viver juntos, a Leleca, para felicidade geral não abortou e teve uma Lelequinha muito bonita e forte, que foi muito bem cuidada , nós ajudamos e eu troquei muitas fraldas e hoje, com vinte e dois anos, torce, para quem?
Para o Flusão, naturalmente...