Eles eram vizinhos e moravam em casas geminadas no subúrbio de Bangu e tinham muitas coisas em comum. Suas mães trabalhavam na fábrica de tecidos e suas moradias faziam parte da vila operária, estudavam na mesma escola e na mesma classe. As identidades não paravam por aí, os dois eram filhos de mães solteiras e não conheciam seus pais, depois vieram a descobrir que os nomes dos pais não constavam nas certidões de nascimentos. Isso que hoje em dia é um caso corriqueiro e que se denomina uma produção independente, naquela época era um problema sério. As mães solteiras eram discriminadas, algumas eram abandonadas pelas famílias e haviam pais que colocavam suas filhas no olho da rua quando descobriam que estavam grávidas, elas eram vistas pela sociedade com olhares de desdém.
Walter era um ano mais velho que Marcílio, mas devido às mudanças de endereço que sua mãe fizera antes de se empregar na fábrica de tecidos criou uma descontinuidade nos estudos do menino e ele acabou atrasando um ano em relação aos outros da mesma idade, em compensação era muito mais esperto que a maioria. Até aos dezesseis anos eles estiveram sempre juntos, estudando nas mesmas séries, mesmas turmas e participando das mesmas brincadeiras.
Então o destino cuidou para que eles se separassem.
Walter foi estudar na Marinha Mercante e em pouco tempo começou a viajar e não mais voltou para Bangu, enquanto Marcílio foi trabalhar em um banco, no centro da cidade.
Marcílio começou a estudar à noite enquanto trabalhava no banco durante o dia, fazia a faculdade de direito e esperava que assim pudesse ter uma promoção profissional.
Enquanto isso, Walter que passou a ter um salário razoável começou a levar uma vida boêmia, freqüentando os bares da Lapa, enquanto estava no Rio de Janeiro. O resultado desse descaminho foi que Walter se viciou na bebida e em outras drogas e não demorou muito para ser demitido da Marinha Mercante.
Dizem que ele andou pulando de um emprego para outro na área de vendas sem se afirmar em nada. Embora fosse um bom vendedor, em pouco tempo se revelava como um viciado e seus chefes, para não comprometer a imagem da empresa, despediam-no. Falam que foi parar em Rondônia, num garimpo e voltou de lá com malária, muito mal e tendo que fazer um tratamento longo e doloroso, tendo voltado para a casa da mãe em Bangu, mas tão logo melhorou saiu novamente de casa e voltou a fazer biscates e vendas por conta própria.
Depois dessa fase negra, Walter ficou uma longa temporada sem dar noticia, alguns chegaram a dizer que ele havia morrido devido ao seu desregramento até que um dia reapareceu, de terno e gravata, muito bem apresentável, nada parecendo com aquele Walter de tempos atrás.
Marcílio, por sua vez, já advogado e com boa clientela e reputação, tendo deixado o banco em que trabalhara durante muitos anos, estava agora em ótima posição social, casado e com duas filhas pequenas, embora tivesse passado por um acidente ao cair de um bonde e perdido a perna esquerda que fora amputada. Usava uma muleta para se locomover e estava perfeitamente adaptado à nova situação. Estava tão bem, que contam que no tribunal, ao defender um cliente em frente ao juiz, ao ter que apontar em determinada direção , equilibrou-se em sua perna, apontou na direção que queria, com a muleta levantada na outra mão.
Pois bem, foi nessa época que Marcílio, depois de longa data sem ver o amigo, se encontrou com Walter.
Marcílio estava no Largo da Carioca esperando o bonde quando apareceu o Walter, de terno branco de linho S 120 , com a aparência de um empresário bem sucedido. Conversaram durante alguns minutos, falaram das antigas amizades, dos colegas de infância, quando Walter, se dizendo angustiado em ver Marcílio tanto tempo em pé, convidou-o para que ele o acompanhasse a um restaurante de comida chinesa ali em frente. Assim fizeram e Walter com o desembaraço de um bom gourmet sugeriu os pratos que Marcílio aprovou.
Tudo transcorreu com muita naturalidade, os dois falando sobre suas famílias, Walter discorrendo sobre os problemas que enfrentou com a bebida, o apoio que teve nos grupos do AA e reafirmando sempre que estava limpo, meio constrangido, quis saber detalhes do acidente de Marcílio que lhe relatou todo o fato que modificou sua vida.
Quando terminaram o almoço, Walter disse a Marcílio que o esperasse no ponto de bonde que ele iria pagar a conta.
No ponto do bonde, Marcílio ouviu uma gritaria e viu um chinês do restaurante correr atras do Walter, dizendo:
- Me pague, seu desgraçado!
E na frente do chinês, o Walter às gargalhadas dizendo pro Marcílio :
- Pegue logo esse bonde, perneta !
- Me pague, seu desgraçado!
E na frente do chinês, o Walter às gargalhadas dizendo pro Marcílio :
- Pegue logo esse bonde, perneta !