A MENINA QUE QUERIA SER AZUL
Lili era ainda muito pequena e já entendia muito bem de tudo. Lindos olhos castanhos e grandes, inteligente e muito querida por todos.
Um dia, brincava com a babá, seus dois irmãos e outras crianças amigas, quando começaram a falar em cores. Julinho dizia que para ele todas as cores eram lindas; já a Rosinha, falava que para ela, era o verde. Entre os dois irmãos de Lili saiu uma briga daquelas, que a babá custou a resolver: Pedrinho achava o preto radical – ele era todo malucão e meio Punk, e Bilico disse que queria que só existisse o amarelo. Quando a barulhada se desfez, Lucinha, que era muito meiguinha e falava de um modo muito engraçado, disse:
- Pra mim não faz diferença, por onde eu passar, “por li ou por qui”, eu acho tudo lindo, cada cor mais bonita que a outra e tanto faz: se eu for “por li”, o caminho é bonito e se eu for “por qui” é também bonito e de lindas cores.
E todos riram muito, mas o assunto continuou quente sobre as cores preferidas.
Lili então, pensou ... pensou ... e disse:
- O céu é azul e é lindo, o mar e os lagos são azuis e lindos, minha mãe tem uma planta chamada Glicínia, que é azul e eu adoro; e também, eu tenho um vestido azul que é maravilhoso! E para mostrar como eu gosto dessa cor, eu agora quero ser azul!.
- Mas você não pode ser azul. – Disse a babá – Gente azul não existe e se existisse, seria horrível.
Lili então começou a chorar e dizer:
- Azul é que é bonito e é assim que eu vou ser!
E como ela não parava de chorar, a babá foi ficando aflita e pensou: “meu Deus, o que é que eu vou falar para a mãe dela quando ela chegar do trabalho?” E com muito custo foi acalentando e disse:
- Tá na hora de tomar banho e ir dormir.
Lili sempre foi uma menina muito obediente; nunca teimava com as pessoas, nem incomodava ninguém. Mas, nesse dia ela resolveu ficar rebelde e ficou pensando: - Eles acham que eu não posso ser azul, pois vão ver só! Fujo de casa e vou procurar uma fada ou alguém que possa trocar a minha cor... E vai ser hoje!-
Fingiu que aceitou tudo, tomou seu banho, calada, deixou que a babá lhe arrumasse a cama e trocasse a roupa, como sempre. A babá lhe deu boa noite e a mamãe que havia chegado do trabalho, veio lhe dar um beijo e ficar um pouco com ela. A cama estava macia e quentinha e veio chegando aquele soninho gostoso, mas Lili reagiu e pensou: “não posso dormir, vou só fingir...” os olhinhos foram ficando pesados e ela foi fingindo que cochilava ... fingindo ... até que a mamãe saísse do quarto. Ela então, pulou a janela e saiu correndo. Só que ela nem reparou que tudo era meio diferente daquele lugar onde ela morava. O ambiente estava mudado e havia qualquer coisa no ar que ela não entendia, mas foi correndo assim mesmo, para ver se encontrava alguém que a ajudasse a ficar azul para sempre.
Correu um bom tempo e, no caminho, encontrou um cachorro preto, grandão, peludo, que dava a impressão de já não ser tão novinho. Um cão adulto e com cara de bonzinho. Ele perguntou:
- Ei menina, aonde você vai correndo assim? Você não vê que pode cair e se machucar toda?
E Lili respondeu, muito apressada:
- Estou indo para tentar ficar azul. Parou, pensou um pouquinho e disse:
- Se você quiser, venha comigo e nem precisa perder tempo de tentar me morder porque eu não tenho um pingo de medo de cachorro!
O cachorro então, assim meio sem jeito, falou:
- Eu não vou morder você e nunca mordi ninguém. Só quero ajudar e dizer que você não pode... arf... arf... Não dá pra ir mais devagar?... arf... arf...
- Não posso.
- Eu só quero ajudar e dizer que... arf... arf... Bem, que você podia parar de correr pra gente se entender.
E ela corria, corria com ele acompanhando e chamando:
- Volte aqui Lili, você não pode ir pra lá daquela grande pedra. É um mundo encantado, mas muito diferente do nosso... cuidadooo!!!
E não adiantava mais nada... Aquele pastor negro ficou triste, sentado à beira de um buraco enorme que ficava depois da pedra, pensando: “ela caiu e eu agora tenho que descer de alguma forma para salvá-la da rainha Blue-Blue.”
E Lili, enquanto rolava pedra abaixo, via que em volta tudo era azul. Ela viu sua imagem multiplicada muitas vezes, pois a pedra parecia preciosa e irradiava beleza. Enfim, ela caiu sentada, tonta e pensou: como aquele cachorro simpático sabia meu nome?
Como eu vim parar aqui, neste lugar mágico?
E começou a entrar num mundo maravilhoso, todinho da cor do céu e dos lagos que ela tanto gostava. Era tudo cor de anil.
Ela andava sobre um caminho de pedrinhas azuis e cintilantes. Logo ao lado, serpenteava um rio do mesmo tom encantado, e os peixinhos brilhavam lá embaixo da água. A grama também não era verde... os pássaros, todos da cor do encantamento e árvores, com maçãs azuis! -Que estranho, até as frutas? Arg! Cusp!-
Em uma das árvores, havia um bicho Preguiça azulão que, agarrado aos galhos, balançava para cima e para baixo, com toda a calma do mundo. Virou sua cabeça lentamente para Lili e disse:
- Hei! Para que tanta pressa, aonde vai você aí ... ô de outra cor?
E ela furiosa respondeu:
- De outra cor, mas por pouco tempo, porque eu tenho certeza de que aqui vou ficar azul para sempre!
- Sim, sim, claro, pois aqui é o país dos sonhos azuis... Então vai sonhando enquanto eu durmo porque não posso perder tempo com malucas. E tem mais... Pode começar a correr porque aí vem a rainha Blue-Blue e vai mandar prender você.
- Primeiro: quem é essa Blue-Blue, e depois: prender por que? Eu heim, não fiz nada!
- É porque quem não é azul, aqui não é bem-vindo e vira comida dela.
Lili ficou meio pensativa, mas deixou a Preguiça em paz. Foi pensando naquele emaranhado de plantas: “vou ‘por li’ ou ‘por qui’?” E riu com a lembrança da amiga Lucinha. Depois sentiu saudades de casa pela primeira vez, mas foi andando e resolveu ir “por li” mesmo.
Chegou numa grande pedra toda brilhante como água-marinha e, ao lado, uma imensa árvore cheia de Tuiuiús, todos azuis, cuidando de seus ninhos e ovos. Ela então, cansada, sentou-se perto e perguntou:
- Se eu ficar morando com vocês, será que um dia eu fico azul?
E eles:
- Não há possibilidade, menina. Você não vê que não pode ser da nossa cor porque veio de um lugar que não é encantado?
- Mas dizem que a Terra é toda azul!
- Sim, mas só de longe. Já viu quanta sujeira, lama, poluição e solidão existem lá? Não é igual a tudo isto aqui. – Disse o Tuiuiú orgulhoso – O seu mundo já foi um paraíso, mas agora ele está se acabando, ou melhor, estão acabando com ele. E se ajeitou, meio de costas para ela, cabeça erguida e olhos semicerrados, assim como que muito indignado com aquela representante do povo que não cuida do que é seu; acomodou sua família no ninho limpo e bem construído e, o que era ainda melhor, sem perigo de desabar.
Mas Lili, que havia resolvido ficar teimosa, pensou: vou ficando por aqui e vou vivendo, não quero mais sair. O único problema é que fico enjoada com frutas azuis e tenho saudades de minha mãe. Também, quero rever aquele pastor negro que ao me olhar parecia sorrir ... um sorriso lindo!
E aí, veio um enorme barulho, correria de animais e pânico.
O gorila se mandou e nem pensou no seu tamanho; a doninha pulou para trás de uma moita e só ficaram seus olhos marcados, como se fossem óculos, de fora; o porco-espinho nem se lembrou de suas poderosas armas; da irara só se viu os pesinhos sumindo atrás de um tronco e o ouriço tremia todo e prometia mudar o seu modo de vida: - nunca mais espeto ninguém!
Tudo por causa da rainha Blue-Blue: uma onça azul-claro, de pintas azul-marinho, que ao ver a menina ficou furiosa e ordenou:
- Prontidão de todos os meus guardas! Intruso em nosso meio! Inimigo e jantar para muito tempo...hi! hi! hi! hi!... – E, esfregava as patas – Prendam-na, mas não maltratem. Quero que ela fique bem gorda para a nossa grande festa anual. Dizia isso com uma mão na cintura e a outra com o dedo apontado, ordenando. Logo que a grande rainha se retirou com seu ridículo séqüito, formado por gatos do mato, todos apareceram, com a certeza de que ela não voltaria, pois era vaidosa e dormia cedo, para cuidar da pele.
A menina esperneou, gritou, mas foi para a gaiola assim mesmo.
Aí, começaram a desfilar todos os animais da floresta e cada um dizia qualquer coisa assim, como:
-Não disse que a rainha viria?
-Você é teimosa e agora vai virar guisado, hu!, hu!
-Quem nasceu pra lagartixa, nunca chega a jacaré, he! He!
-Você nunca vai ser azul como nós, ho! Ho!
- Menina azul não existe, ha!, ha!
E Lili foi ficando confusa e triste enquanto eles passavam.
No final do desfile, bem escondido, disfarçado com um galho de folhas azuis, aparece o pastor negro, que faz sinal para ela ficar calada. Ele diz baixinho:
- Calma que eu vou salvar você. Demorei porque o caminho é muito longo e precisamos ter cautela, psiu...Não se mexa, finja que não me viu, aqui não tem ninguém!
Então, ele foi até perto dos cachorros-do-mato que eram seus amigos de outros tempos e falou dos seus planos para levar a menina. Convenceu a todos e então distraíram os gatos-do-mato que eram os guardas, arranjando uma grande pancadaria entre iraras, rapozinhas e gambás. E o cheiro não ficou nada agradável.
A rainha dormia longe dali e não viu nada. Precisava de sono para ficar sempre linda e mandona.
Durante a briga, que durou muitas horas, os cachorros-do-mato soltaram a menina e disseram:
- Corram vocês dois! Corram muito, e depois que passarem pelo rio e as pedrinhas, terão que escalar a grande pedra de onde vieram!
Então, Lili e o pastor correram apavorados e chegaram exaustos na grande pedra, indo se esconder atrás de sua base para descansar. Não sabiam que hora era aquela, pois, no país encantado, não anoitecia nem amanhecia.
Lili sentiu fome, mas não podia comer nada azul que enjoava. Maçã... Arg! Cuspiu. Deitou-se no chão e disse para o pastor:
- Como vamos subir nessa pedra?
- Não sei, vamos pensar com calma.
- Como você sabia meu nome?
- Eu sempre sei tudo sobre você.
- E como é o seu nome?
- Eu me chamo Alf, mas nunca fui teimoso, como um colega meu que veio do espaço. E agora pare de perguntar e fique quieta, ora bolas!
Ela escondeu o rosto num montinho de grama e começou a se lamentar: “agora eu quero minha mãe, quero minha comida, quero meus irmãos, quero minha cama, quero meu pai, quero minha babá e meus amiguinhos e bla bla bla...Por que fui fugir sem pensar? E sentiu que mãos quentes e carinhosas a carregavam e uma voz delicada falando: - Não chore querida!
Lili olhou e era um anjo todo de azul – até as asas – mas com a pele igual à dela. Maravilhada, ela já no colo dele, pôde ver que era real. O anjo então contou muitas coisas para ela sobre o Céu e a Terra, Deus, família, compreensão, amizade e também lhe explicou que o Alf era dele, mas que poderia ficar com ela enquanto os dois quisessem e fossem amigos. Para isso, era só ela ficar boazinha. Ele explicou que estaria sempre por perto olhando por ela e sua família.
- Agora pense na mamãe e feche os olhinhos. – Disse o anjo.
Lili obedeceu e acordou com a voz de sua mãe:
- Filhinha, o que foi? Você estava sonhando?
Ela pulou, abraçou a mãe, e pediu comida, mas recomendou:
- Leite bem branco e o resto colorido! Nem uma xícara azul eu não quero, e também não quero mais ser azul! Arg!
E a mãe, que não entendeu nada, foi preparar o lanche, enquanto a babá ria aliviada num cantinho, sem ninguém ver.
E então, entram os dois irmãos dela brigando e só se ouvia: - É meu! – Não, é meu! E se socavam e gritavam. Quando a mãe conseguiu entender, era por causa de um lindo cão pastor que estava sentado no portão com uma cara de quem estava sorrindo e parecia que veio para ficar.
- FIM -
Celeste - Novembro de 1995
Lili era ainda muito pequena e já entendia muito bem de tudo. Lindos olhos castanhos e grandes, inteligente e muito querida por todos.
Um dia, brincava com a babá, seus dois irmãos e outras crianças amigas, quando começaram a falar em cores. Julinho dizia que para ele todas as cores eram lindas; já a Rosinha, falava que para ela, era o verde. Entre os dois irmãos de Lili saiu uma briga daquelas, que a babá custou a resolver: Pedrinho achava o preto radical – ele era todo malucão e meio Punk, e Bilico disse que queria que só existisse o amarelo. Quando a barulhada se desfez, Lucinha, que era muito meiguinha e falava de um modo muito engraçado, disse:
- Pra mim não faz diferença, por onde eu passar, “por li ou por qui”, eu acho tudo lindo, cada cor mais bonita que a outra e tanto faz: se eu for “por li”, o caminho é bonito e se eu for “por qui” é também bonito e de lindas cores.
E todos riram muito, mas o assunto continuou quente sobre as cores preferidas.
Lili então, pensou ... pensou ... e disse:
- O céu é azul e é lindo, o mar e os lagos são azuis e lindos, minha mãe tem uma planta chamada Glicínia, que é azul e eu adoro; e também, eu tenho um vestido azul que é maravilhoso! E para mostrar como eu gosto dessa cor, eu agora quero ser azul!.
- Mas você não pode ser azul. – Disse a babá – Gente azul não existe e se existisse, seria horrível.
Lili então começou a chorar e dizer:
- Azul é que é bonito e é assim que eu vou ser!
E como ela não parava de chorar, a babá foi ficando aflita e pensou: “meu Deus, o que é que eu vou falar para a mãe dela quando ela chegar do trabalho?” E com muito custo foi acalentando e disse:
- Tá na hora de tomar banho e ir dormir.
Lili sempre foi uma menina muito obediente; nunca teimava com as pessoas, nem incomodava ninguém. Mas, nesse dia ela resolveu ficar rebelde e ficou pensando: - Eles acham que eu não posso ser azul, pois vão ver só! Fujo de casa e vou procurar uma fada ou alguém que possa trocar a minha cor... E vai ser hoje!-
Fingiu que aceitou tudo, tomou seu banho, calada, deixou que a babá lhe arrumasse a cama e trocasse a roupa, como sempre. A babá lhe deu boa noite e a mamãe que havia chegado do trabalho, veio lhe dar um beijo e ficar um pouco com ela. A cama estava macia e quentinha e veio chegando aquele soninho gostoso, mas Lili reagiu e pensou: “não posso dormir, vou só fingir...” os olhinhos foram ficando pesados e ela foi fingindo que cochilava ... fingindo ... até que a mamãe saísse do quarto. Ela então, pulou a janela e saiu correndo. Só que ela nem reparou que tudo era meio diferente daquele lugar onde ela morava. O ambiente estava mudado e havia qualquer coisa no ar que ela não entendia, mas foi correndo assim mesmo, para ver se encontrava alguém que a ajudasse a ficar azul para sempre.
Correu um bom tempo e, no caminho, encontrou um cachorro preto, grandão, peludo, que dava a impressão de já não ser tão novinho. Um cão adulto e com cara de bonzinho. Ele perguntou:
- Ei menina, aonde você vai correndo assim? Você não vê que pode cair e se machucar toda?
E Lili respondeu, muito apressada:
- Estou indo para tentar ficar azul. Parou, pensou um pouquinho e disse:
- Se você quiser, venha comigo e nem precisa perder tempo de tentar me morder porque eu não tenho um pingo de medo de cachorro!
O cachorro então, assim meio sem jeito, falou:
- Eu não vou morder você e nunca mordi ninguém. Só quero ajudar e dizer que você não pode... arf... arf... Não dá pra ir mais devagar?... arf... arf...
- Não posso.
- Eu só quero ajudar e dizer que... arf... arf... Bem, que você podia parar de correr pra gente se entender.
E ela corria, corria com ele acompanhando e chamando:
- Volte aqui Lili, você não pode ir pra lá daquela grande pedra. É um mundo encantado, mas muito diferente do nosso... cuidadooo!!!
E não adiantava mais nada... Aquele pastor negro ficou triste, sentado à beira de um buraco enorme que ficava depois da pedra, pensando: “ela caiu e eu agora tenho que descer de alguma forma para salvá-la da rainha Blue-Blue.”
E Lili, enquanto rolava pedra abaixo, via que em volta tudo era azul. Ela viu sua imagem multiplicada muitas vezes, pois a pedra parecia preciosa e irradiava beleza. Enfim, ela caiu sentada, tonta e pensou: como aquele cachorro simpático sabia meu nome?
Como eu vim parar aqui, neste lugar mágico?
E começou a entrar num mundo maravilhoso, todinho da cor do céu e dos lagos que ela tanto gostava. Era tudo cor de anil.
Ela andava sobre um caminho de pedrinhas azuis e cintilantes. Logo ao lado, serpenteava um rio do mesmo tom encantado, e os peixinhos brilhavam lá embaixo da água. A grama também não era verde... os pássaros, todos da cor do encantamento e árvores, com maçãs azuis! -Que estranho, até as frutas? Arg! Cusp!-
Em uma das árvores, havia um bicho Preguiça azulão que, agarrado aos galhos, balançava para cima e para baixo, com toda a calma do mundo. Virou sua cabeça lentamente para Lili e disse:
- Hei! Para que tanta pressa, aonde vai você aí ... ô de outra cor?
E ela furiosa respondeu:
- De outra cor, mas por pouco tempo, porque eu tenho certeza de que aqui vou ficar azul para sempre!
- Sim, sim, claro, pois aqui é o país dos sonhos azuis... Então vai sonhando enquanto eu durmo porque não posso perder tempo com malucas. E tem mais... Pode começar a correr porque aí vem a rainha Blue-Blue e vai mandar prender você.
- Primeiro: quem é essa Blue-Blue, e depois: prender por que? Eu heim, não fiz nada!
- É porque quem não é azul, aqui não é bem-vindo e vira comida dela.
Lili ficou meio pensativa, mas deixou a Preguiça em paz. Foi pensando naquele emaranhado de plantas: “vou ‘por li’ ou ‘por qui’?” E riu com a lembrança da amiga Lucinha. Depois sentiu saudades de casa pela primeira vez, mas foi andando e resolveu ir “por li” mesmo.
Chegou numa grande pedra toda brilhante como água-marinha e, ao lado, uma imensa árvore cheia de Tuiuiús, todos azuis, cuidando de seus ninhos e ovos. Ela então, cansada, sentou-se perto e perguntou:
- Se eu ficar morando com vocês, será que um dia eu fico azul?
E eles:
- Não há possibilidade, menina. Você não vê que não pode ser da nossa cor porque veio de um lugar que não é encantado?
- Mas dizem que a Terra é toda azul!
- Sim, mas só de longe. Já viu quanta sujeira, lama, poluição e solidão existem lá? Não é igual a tudo isto aqui. – Disse o Tuiuiú orgulhoso – O seu mundo já foi um paraíso, mas agora ele está se acabando, ou melhor, estão acabando com ele. E se ajeitou, meio de costas para ela, cabeça erguida e olhos semicerrados, assim como que muito indignado com aquela representante do povo que não cuida do que é seu; acomodou sua família no ninho limpo e bem construído e, o que era ainda melhor, sem perigo de desabar.
Mas Lili, que havia resolvido ficar teimosa, pensou: vou ficando por aqui e vou vivendo, não quero mais sair. O único problema é que fico enjoada com frutas azuis e tenho saudades de minha mãe. Também, quero rever aquele pastor negro que ao me olhar parecia sorrir ... um sorriso lindo!
E aí, veio um enorme barulho, correria de animais e pânico.
O gorila se mandou e nem pensou no seu tamanho; a doninha pulou para trás de uma moita e só ficaram seus olhos marcados, como se fossem óculos, de fora; o porco-espinho nem se lembrou de suas poderosas armas; da irara só se viu os pesinhos sumindo atrás de um tronco e o ouriço tremia todo e prometia mudar o seu modo de vida: - nunca mais espeto ninguém!
Tudo por causa da rainha Blue-Blue: uma onça azul-claro, de pintas azul-marinho, que ao ver a menina ficou furiosa e ordenou:
- Prontidão de todos os meus guardas! Intruso em nosso meio! Inimigo e jantar para muito tempo...hi! hi! hi! hi!... – E, esfregava as patas – Prendam-na, mas não maltratem. Quero que ela fique bem gorda para a nossa grande festa anual. Dizia isso com uma mão na cintura e a outra com o dedo apontado, ordenando. Logo que a grande rainha se retirou com seu ridículo séqüito, formado por gatos do mato, todos apareceram, com a certeza de que ela não voltaria, pois era vaidosa e dormia cedo, para cuidar da pele.
A menina esperneou, gritou, mas foi para a gaiola assim mesmo.
Aí, começaram a desfilar todos os animais da floresta e cada um dizia qualquer coisa assim, como:
-Não disse que a rainha viria?
-Você é teimosa e agora vai virar guisado, hu!, hu!
-Quem nasceu pra lagartixa, nunca chega a jacaré, he! He!
-Você nunca vai ser azul como nós, ho! Ho!
- Menina azul não existe, ha!, ha!
E Lili foi ficando confusa e triste enquanto eles passavam.
No final do desfile, bem escondido, disfarçado com um galho de folhas azuis, aparece o pastor negro, que faz sinal para ela ficar calada. Ele diz baixinho:
- Calma que eu vou salvar você. Demorei porque o caminho é muito longo e precisamos ter cautela, psiu...Não se mexa, finja que não me viu, aqui não tem ninguém!
Então, ele foi até perto dos cachorros-do-mato que eram seus amigos de outros tempos e falou dos seus planos para levar a menina. Convenceu a todos e então distraíram os gatos-do-mato que eram os guardas, arranjando uma grande pancadaria entre iraras, rapozinhas e gambás. E o cheiro não ficou nada agradável.
A rainha dormia longe dali e não viu nada. Precisava de sono para ficar sempre linda e mandona.
Durante a briga, que durou muitas horas, os cachorros-do-mato soltaram a menina e disseram:
- Corram vocês dois! Corram muito, e depois que passarem pelo rio e as pedrinhas, terão que escalar a grande pedra de onde vieram!
Então, Lili e o pastor correram apavorados e chegaram exaustos na grande pedra, indo se esconder atrás de sua base para descansar. Não sabiam que hora era aquela, pois, no país encantado, não anoitecia nem amanhecia.
Lili sentiu fome, mas não podia comer nada azul que enjoava. Maçã... Arg! Cuspiu. Deitou-se no chão e disse para o pastor:
- Como vamos subir nessa pedra?
- Não sei, vamos pensar com calma.
- Como você sabia meu nome?
- Eu sempre sei tudo sobre você.
- E como é o seu nome?
- Eu me chamo Alf, mas nunca fui teimoso, como um colega meu que veio do espaço. E agora pare de perguntar e fique quieta, ora bolas!
Ela escondeu o rosto num montinho de grama e começou a se lamentar: “agora eu quero minha mãe, quero minha comida, quero meus irmãos, quero minha cama, quero meu pai, quero minha babá e meus amiguinhos e bla bla bla...Por que fui fugir sem pensar? E sentiu que mãos quentes e carinhosas a carregavam e uma voz delicada falando: - Não chore querida!
Lili olhou e era um anjo todo de azul – até as asas – mas com a pele igual à dela. Maravilhada, ela já no colo dele, pôde ver que era real. O anjo então contou muitas coisas para ela sobre o Céu e a Terra, Deus, família, compreensão, amizade e também lhe explicou que o Alf era dele, mas que poderia ficar com ela enquanto os dois quisessem e fossem amigos. Para isso, era só ela ficar boazinha. Ele explicou que estaria sempre por perto olhando por ela e sua família.
- Agora pense na mamãe e feche os olhinhos. – Disse o anjo.
Lili obedeceu e acordou com a voz de sua mãe:
- Filhinha, o que foi? Você estava sonhando?
Ela pulou, abraçou a mãe, e pediu comida, mas recomendou:
- Leite bem branco e o resto colorido! Nem uma xícara azul eu não quero, e também não quero mais ser azul! Arg!
E a mãe, que não entendeu nada, foi preparar o lanche, enquanto a babá ria aliviada num cantinho, sem ninguém ver.
E então, entram os dois irmãos dela brigando e só se ouvia: - É meu! – Não, é meu! E se socavam e gritavam. Quando a mãe conseguiu entender, era por causa de um lindo cão pastor que estava sentado no portão com uma cara de quem estava sorrindo e parecia que veio para ficar.
- FIM -
Celeste - Novembro de 1995