Mil Faces - Capítulo 8
A pousada estava fechada. E pelo jeito parecia que não abriria nunca mais. O serviço tinha sido rápido e limpo. Os corpos dos moradores, fora o de Marcos, estavam todos na varanda. Manuel disse após fazer a limpeza que parecia que tinham sido mortos um por um, pela forma em que o sangue estava seco nas vítimas a primeira a morrer havia sido a estudante e o que estava com o sangue mais fresco era o velho que estava por ali na manhã. Horácio lembrou-se do sorriso que a garota sempre o apresentava e sentiu um arrepio correr por seu pescoço.
Manuel também disse que não cobraria pelos assassinos. Algo haver com honra. Horácio não engoliu, mas aceitou a “gentileza”. Não era a primeira vez que via gente daquele tipo. Nem todos eram realmente pessoas ruins, mas escolheram trabalhar pras pessoas erradas. Matar não era um prazer verdadeiro, mas não matar não era uma opção.
A poltrona da sala afundava em baixo do peso de Horácio enquanto os pensamentos referentes à noite que havia acabado de passar lhe percorriam a memória. A ligação que havia feito. Rafaela, se é que esse era realmente seu nome. Manuel e a forma como ele havia aparecido de prontidão. Tudo aquilo se agitava em sua mente quando a palma da mão da garota passou em frente aos olhos, num movimento para atrair a sua atenção. Por instinto o braço se levantou rápido e segurou o da garota com força.
— Ai! – Ela exclamou com um gritinho fino.
— Desculpa. – Ele disse soltando o braço dela com gentileza.
— Olha, eu não sei quem você é, nem por que continua me ajudando. Não sei nem se Horácio é seu nome de verdade, mas... Eu queria te agradecer.
Horácio levantou os olhos quando a ouviu falando sobre o seu nome e ficou ali olhando para a forma desconcertada que ela dizia aquelas palavras.
— Meu nome é Horácio, eu já disse. Mas o seu não é Rafaela. Quando você vai começar a falar a verdade? – Era engraçado falar sobre a verdade quando se é uma mentira. O sorriso era inevitável nos lábios dele nesse momento.
— Meu nome. – Ela suspirou – Sabe, não sei se quero ter um nome.
Ele a entendia.
— Mas o seu nome está vindo atrás de mim para me matar e acho que ainda não está na minha hora de morrer. Se seu nome pode matar, talvez ele possa salvar também.
Ela desabou na poltrona ao lado dele. Pela ligação que havia feito e pelas coisas que haviam acontecido nos últimos dias, ele já tinha uma noção de quem era ela. Não seria difícil saber se ela estava mentindo ou não.
— Meu pai tem muito dinheiro. Isso em si já é um problema. Desde pequena sonhei em ser jornalista...
— Eu quero saber o seu nome, isso eu quero saber depois. – Ele disse, interrompendo-a.
— Marina Campos Marques.
— Finalmente uma verdade. Agora pode continuar a sua história.
Ela deu um sorriso que parecia ser mais um sinal de medo do que de alegria, era como se dizer o nome fosse o mesmo que colocar o pescoço na forca.
— Como eu dizia, eu sempre quis ser jornalista, mas meu pai odiava a imprensa, na verdade ele ainda odeia. Mas digamos que eu nunca fui a melhor filha do mundo e fui contra todas as vontades dele. Saí do sul do estado para vir estudar jornalismo aqui e sabe... o curso me abriu os olhos para as coisas que eu nunca havia prestado atenção quando era mais jovem.
— Que seu pai não era rico apenas pelo próprio suor?
— Sim, também. Mas principalmente o tipo de sujeira que aconteceu aqui hoje. Quando eu voltei pra casa e comecei a juntar as peças tudo que eu conseguia sentir era nojo do meu próprio pai...
Ela olhou para o chão e parecia que não ia terminar de contar até que a voz se ergueu novamente.
— Então eu decidi dar um jeito nisso, sabe. Eu não podia fechar os olhos pra isso. Aí eu decidi expor tudo que eu sabia, ou pelo menos aquilo que eu podia comprovar. Minha fé no que eu havia estudado por quatro anos me cegou completamente, o ódio do meu pai pela imprensa não o mantinha afastado de tudo isso, a pessoa que procurei não demorou pra ganhar dinheiro em cima disso. Foi ai que começaram a vir atrás de mim, esses dois não foram os primeiros. E não vão ser os últimos. Se você quiser ficar vivo essa é a hora de ir embora.
Ele não tinha intenção de morrer, mas também não conseguiria simplesmente deixar a garota à própria sorte, ainda mais uma garota que valia algumas centenas de milhares de reais.
— Então seu pai é um dos peixes grandes. – Ele disse se ajeitando na poltrona.
— O maior.
Aquilo poderia ficar interessante, ele tinha em mãos a filha do homem que havia matado as únicas pessoas que o haviam acolhido em muito tempo. Só não sabia bem o que fazer com ela. Matá-la talvez tirasse as pessoas da sua cola, entregá-la poderia encher os seus bolsos de dinheiro, mas poderia vir com uma bala na testa junto com o pacote.
— Você tem algum dinheiro?
— Eu não tenho nada, a primeira coisa que ele fez foi bloquear todos os meus cartões de crédito. E não dá pra trabalhar quando qualquer um pode apontar uma arma na sua cabeça.
— Contar para a polícia não ajudaria. Certo?
Ela sorriu.
— Ajudaria a te mandar para o inferno e eu para casa de novo, para meu pai fazer seja o que for que ele pretenda. Talvez se fosse à polícia federal, mas não consigo confiar. Todo mundo tem um preço.
Horácio não sabia quanto valia, mas a garota ali na frente dele parecia valer muito. A decisão que ele pretendia tomar poderia matá-lo ou torna-lo milionário e com uma vingança executada com sucesso.
— Eu posso te ajudar a se livrar dele pra sempre.
Os olhos dela se abriram mais que o normal. Ele sorriu.
— Como?!
— Você teria algum problema em roubar o seu pai?
----------------------
OBS: Desculpas aos que estão acompanhando a formação dessa obra (que está me deixando mais feliz à cada dia) pela demora para que este Capítulo viesse a ser escrito. Passei um tempo sem internet, sem fonte de pesquisa e principalmente sem inspiração. Espero manter um ritmo acelerado agora. Abraços, à todos os que adoram as Mil Faces dessa história!