Qual a natureza destas criaturas - as fadas? Será que elas realmente correspondem às imagens de doces e lindas criaturinhas aladas, que cabem na palma da mão , e que satisfazem os desejos dos humanos por pura simpatia?

Tudo começou quando nos mudamos  para a velha casa da Rua das Acácias. Ela ficava no final de uma rua sem saída, e o quintal dos fundos ia dar em uma trilha no meio de árvores coníferas, que conduzia a um lindo riacho. Desabitada há muito tempo, meu pai comprou a casa de uma velha senhora, que nos afirmou que ela era muito agradável e silenciosa (o que pudemos comprovar logo no início), mas que jamais deveríamos embrenhar-nos floresta adentro após o por-do-sol . Não deu muitas explicações enquanto meu irmão e eu estávamos por perto, mas vi quando ela, puxando minha mãe pelo braço, levou-a para um canto da sala de estar e ambas conversaram em voz baixa durante alguns minutos.

Meu pai perguntou-lhe o que tinham falado, mas minha mãe apenas disse, com um sorriso despreocupado: "Nada... apenas histórias de uma velha senhora supersticiosa."

Desde o início, eu e meu irmãozinho sentíamos como se estivéssemos sendo observados, toda vez que brincávamos no quintal. Especialmente quando meus pais saíam por alguns instantes, a fim de ir à cidade comprar algumas coisas que precisavam para a reforma da casa. Mamãe sempre dizia: "Podem brincar no quintal, mas não entrem na floresta!"

Naquele tempo, eu tinha quatorze anos, e meu irmãozinho mais novo, apenas cinco. Eu ficava encarregada de tomar conta dele enquanto meus pais estavam fora.

Uma  noite, acordei para beber água e, olhando pela janelinha que ficava por cima da pia da cozinha, avistei estranhas luzes que se moviam na floresta. Curiosa - pois nunca havia pensado que vaga-lumes pudessem ser tão grandes - abri a porta dos fundos e sentei-me em silêncio nos degraus da área de serviço, observando-as. Percebi que elas eram opacas no centro, tornando-se muito brilhantes nas extremidades, e variavam em tonalidades, entre o branco, o lilás, o azul-claro , o verde brilhante e um alaranjado bem pálido. Pareciam seguir uma certa ordem, pois às vezes giravam, como em uma ciranda, e outras vezes, movimentavam-se em uma dança sincronizada. Nem sei por quanto tempo fiquei sentada ali, observando-as, mas quando finalmente elas desapareceram uma a uma dentro da floresta, o dia já amanhecia.



De manhã, quando contei aos meus pais o que tinha visto, eles disseram que tratavam-se apenas de vagalumes, sem dar muita importância ao assunto. Mas eu sabia que tais insetos não poderiam ser maiores que o punho de um ser humano, nem tão coloridos.

Naquela tarde, meus pais precisaram ir até a vila a fim de resolver alguns assuntos, e novamente fiquei em casa, encarregada de olhar meu irmão menor. Por volta das sete da noite, ele adormeceu no sofá da sala, e levei-o no colo para o seu quarto, colocando-o na cama. Deixei a janela aberta, já que a noite estava quente, fechando apenas as cortinas, para que os mosquitos não entrassem no quarto.

Horas depois que meus pais haviam chegado em casa, minha mãe resolveu ir até o quarto de meu irmão para verificar se ele estava bem, pois ele ainda dormia. Chegou na sala de estar assustada minutos depois, e começou a correr pela casa, chamando o nome de meu irmãozinho.  Assegurei-lhe de que eu o tinha colocado na cama, e todos passamos a procurar por ele sem sucesso. Chamamos a polícia, que colocou vários homens procurando  por ele na floresta.

Todos os homens da vila vieram ajudar, carregando suas lanternas e espingardas. Mas apesar de procurarmos durante mais de uma semana, não encontramos nem sinal de meu irmão.

Os vizinhos fizeram de tudo para ajudar-nos: traziam-nos refeições, varriam a casa para nós, enfim, faziam o que era possível para que nossa tribulação não fosse pior que o necessário. Mas após um mês de buscas, as esperanças de encontrar meu irmão tornavam-se cada vez mais remotas. Um alerta foi expedido pela polícia, e fotos de meu irmão foram espalhadas por todo o estado, em jornais, revistas e lugares públicos. Mas mesmo assim, jamais o encontramos.

Seis anos depois, meus pais não tinam se recuperado totalmente da perda. 

Eu ainda via as luzes na floresta, às vezes, mas não mais tentei falar a respeito delas com meus pais, pois eles tornavam-se impacientes. Eu pensava que elas poderiam ter alguma coisa a ver com o desaparecimento de meu irmão, mas meus pais sempre me diziam: "Já temos problemas demais, portanto, guarde suas fantasias para si  mesma!"

Quando completei vinte e um anos de idade, meus pais concordaram em dar uma festa de aniversário em minha homenagem. Convidamos todos os nossos amigos e vizinhos, e fizemos uma grande festa ao ar livre, com muita música, luzes e animação. Por instantes, parecia que meus pais estavam tendo momentos realmente felizes, e que não se lembravam do desaparecimento de meu irmão.

Tarde da noite, quando quase todos os convidados já tinham ido embora, resolvi afastar-me um pouco para olhar o luar - que estava lindo, redondo e brilhante. Olhando para dentro da floresta, meu coração tornou-se novamente triste, pois lembrei-me de meu irmão com tanta intensidade, que quase pude sentir sua presença. O luar estava tão claro, que era possível distinguir as folhas umas das outras nos arbustos e copas de árvores.

Eu estava triste e cansada, mas ao mesmo tempo, maravilhada com a bezela daquela noite, quando de repente, entre os arbustos, pensei ter visto um rosto conhecido. Fixei a vista, e foi quando meu coração quase saiu pela garganta: lá estava meu pequeno irmão, exatamente com a mesma aparência que ele tinha ao desaparecer! Fiquei um minuto paralisada, olhando para ele, e ele, para mim.

Como podia ser que, após todos aqueles anos, ele tivesse permanecido com a aparência de um menino de cinco anos?

Tentei aproximar-me, e quando cheguei a mais ou menos quatro metros de distância dele, ele emitiu um som parecido com um grunhido de advertência. Estanquei. Ele saiu de trás do arbusto, e percebi que seu corpo nu tinha uma tonalidade esverdeada, e seus cabelos revoltos e despenteados tinham crescido quase até sua cintura. apesar de ser parecido com meu irmão, a estranha criatura à minha frente era exatamente isto: uma estranha criatura. Se houve, da parte dele, algum reconhecimento - e acho que, por instantes, alguma coisa em sua mente me reconheceu - ele não o demonstrou com veemência. Percebi que aquela criatura tinha sido meu irmão - mas não o era mais. Seria impossível trazê-lo para junto de nós e esperar que ele voltasse a ser quem fora.

De repente, ouvimos um assovio agudo vindo de dentro do coração da floresta, e ele virou-se de costas para mim, começando a caminhar para longe. Chamei-o pelo nome; ele se voltou por um instante, nos entreolhamos, e admiti que não mais pertencíamos ao mesmo mundo. Ele virou-se de costas novamente, e tornando-se uma luz verde-esmeralda,  desapareceu.

Nunca mais o vi, nem sequer comentei com meus pais a respeito do que tinha visto naquela noite. Guardo este segredo dentro de mim. Depois daquilo, também não vi mais as luzes que dançavam. Talvez  temendo que eu descobrisse seu segredo, elas se afastaram para sempre.


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Esta é uma história de ficção. apenas um conto.
Ana Bailune
Enviado por Ana Bailune em 21/10/2012
Reeditado em 31/07/2015
Código do texto: T3944235
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