Do Rio+20 ao Rio +100: crônica de uma ingênua utopia

Do Rio+20 ao Rio +100: crônica de uma ingênua utopia

Utopias, necessárias utopias. Mesmo que ingênuas... Uma homenagem à Rio+20! Com esperança...

Escrito no aeroporto de Congonhas, em 22 de junho de 2012, esperando vôo atrasado; concluído no sábado 23 de junho de 2012, em casa, antes do passeio na Pedra Bonita e Lagoa Rodrigo de Freitas.

Escurecia naquele domingo, 15 de junho de 2092, e Eduardo preparou-se para hologramar sua auto-avaliação diária de bem estar. Acabara de consertar o sistema subterrâneo de refrigeração de ar que não usava desde o último verão. Um verão em que a máxima atingira 38ºC nas praias em que chegava em menos de duas horas, descendo de bicicleta pela estrada exclusiva a ciclistas, desde a serra onde morava.

Pensou na Rio+100 e lembrou que seu avô comentara que na terça-feira da Rio+20, em junho, a temperatura tinha ultrapassado 35ºC naquele mesmo local. Mirou o equilibrador de demanda energética da região serrana da megalópole que unia as antigas cidades de São Paulo, onde nasceu, e do Rio de Janeiro, onde passou sua infância. Resolveu que usaria fontes eólicas para contribuir com o balanço geral. Até porque ele, e um grupo de amigos, investiam suas poupanças em títulos de dívida da cooperativa Éolo, a maior dentre as nove empresas que cuidavam deste sistema; a que já tinha atingido o tamanho máximo permitido. Pensou que devia transferir o dinheiro para a principal concorrente, a cooperativa Bóreas-Nótus, proveniente de uma recente fusão.

Transferiu a água coletada naquele dia ao reservatório central e a sobra desviou para a rede comunitária. A destinação seria para comunidades de menor poder aquisitivo. Apesar da população na região que correspondia ao antigo Brasil continuar estável em cerca de duzentos e vinte milhões de habitantes, e das questões de educação e saúde terem sido de fato universalizadas eficazmente com gestão local, uns quatro milhões ainda dependiam de apoio comunitário para energia, água e saneamento. Em especial naquela região, onde ainda havia enchentes nos meses de janeiro e fevereiro. O modelo político, com governança baseada na bacia hidrográfica inteira, implantado com apoio de seu pai em 2020, agilizava soluções e a solidariedade continuava existindo. A otimização do balanceamento energético intra e interegionais era um dos temas da Rio+100. Com bons indicadores de equilíbrio, a região poderia ser beneficiada na próxima alocação de recursos filantrópicos para o desenvolvimento das artes arquitetônicas e crédito para as microempresas da região.

O microprefeito, maior autoridade politica daquela bacia, agradeceria. Aprendera em hololivros que anteriormente este tipo de crédito era chamado “a fundo perdido”. Que nome estranho... Já se provara cientificamente que este tipo de recurso era o que proporcionava maiores incrementos no nível geral de bem estar, melhorando a vida dos diretamente beneficiados pelos projetos caros e demorados, bem como de toda a sociedade. Ainda bem que aquele dogma da taxa de juros e as "penitências" pelo pecado de não cobrá-los, haviam sido questionados e repensados de forma estrutural... Ele lembrou também da batalha que houvera para reduzir a importância relativa indicador PIB e enraizar os novos indicadores, existentes desde o final do século XX, mas só institucionalizados depois da Rio+20. Estes sim, eram relevantes como fundamentos para políticas públicas.

Na Rio+100, Eduardo apresentaria sua nova obra teatral, baseada na metáfora do balanceamento dinâmico de fontes energéticas com o também dinâmico balanceamento de valores entre gerações distintas. Crianças de até cinco anos honrariam sêniores de mais de noventa. Ainda estava cansado e feliz pelos ensaios exaustivos da semana anterior... Engajado, não sentia o tempo passar... Mas já estava com 84 anos não era mais um jovem: nem o descanso físico que se permitiu na sexta, sábado e domingo, com caminhadas pela Mata Atlântica tinham sido suficientes para restaurá-lo completamente...

Pensou na humanidade e nos problemas atuais, que o faziam sofrer muito. Considerava como mais crítica a questão de lidar com os mutantes, seres superativos que não dormiam e eram responsáveis por 75% dos crimes de violência e homicídios ao redor do globo. Esta minoria aumentava a taxas enormes, frente a uma população global estabilizada em torno de nove bilhões de habitantes desde 2075.

Seu segundo foco era o desafio da estagnação do índice de Gini em determinadas regiões. Apesar da média global estar em 0,270 (valor próximo do das antigas França e Finlândia na época da Rio+20), ainda havia regiões com índice de 0,500 (patamar, ascendente mas ainda ruim, do Brasil oitenta anos antes). Um terceiro tema que lhe chamava atenção era o mistério do efeito das emissões globais de CO2 sobre a biodiversidade: apesar de controladas desde 2050, previsões científicas se provaram otimistas demais e muitas espécies continuavam se extinguindo. As hipóteses recentes indicavam relação com a mudança de padrões das explosões solares e estas continuavam sendo estudadas pelos melhores cientistas. Havia ainda a alta discrepância nos resultados do PISA entre os povos próximos que habitavam e cuidavam da Floresta Amazônica, ainda que sujeitos a métodos educacionais similares. Enfim, muitas preocupações.

Sorriu ao pensar na origem desses “genes preocupados”: o pai que costumava apregoar que “Nas costas, sinto o peso do mundo; a leveza do canto matutino de pássaros na alma”... Assim como eram paternos os genes que o fizeram sofrer com a derrota da seleção brasileira para a seleção argentina na Copa de 2090. O futebol ainda mobilizava multidões, e tornou-se de fato unanimidade global após a operação global anticorrupção liderada pelo FBI. A prisão conjunta e congelamento dos bens de mais mil envolvidos, inclusive políticos, foi um dos marcos históricos da nova era, na qual a geopolítica continuava a modificar-se aceleradamente, numa nova lógica de ecossistemas econômicos e sociais. A Copa do Mundo homenageava e rememorava a antiga divisão política do mundo. A Copa de 2090 fora aberta com apresentação dos Brazilian Globe Soccers. A arrecadação seria convertida para o grupo de meninas dançarinas malabaristas da região da floresta Amazônica, as Green Girls, que a mãe insistia terem sido inspiradas num antigo grupo chamado Blue Man que teriam rumado ao ostracismo após virarEm símbolo de uma corporação global muita malquista. Os BGS e as GG foram projetos idealizados e implementados pelo avô, antes de entrar na política em 2016, ano das Olimpíadas no Rio de Janeiro.

Sem ver quanto tempo passara, Eduardo se deu conta que divagava; respirou fundo e focou nas memórias do dia. Escolheu os três eventos principais para guiar sua autoanálise. Pela manhã meditara holograficamente com a irmã: em conjunto, remotamente, em homenagem ao pai e à mãe. Vinte e cinco anos antes, aos cem anos do pai, o casal se dispôs ao suicídio assistido para doação de órgãos cujos tecidos e células, conjuntamente, salvaram dez crianças que não estavam respondendo aos tratamentos biogenéticos. Aquele era o enigma que a irmã Luana, com 82 anos, desejava um dia resolver: quais os determinantes que impossibilitavam 0,5% das crianças entre três e sete anos não poderem se aproveitar da nova tecnologia que, com radiação e meditação controlada, corrigia, ainda na primeira infância, riscos de tumores. A irmã colaborava com uma cooperativa de alta tecnologia, localizada na região do mesmo campus onde o pai se graduara, numa época em que o sistema educacional se baseava unicamente na presença física em “aulas” que ocorriam em instituições chamadas “universidades”.

Eduardo classificou a conversa com a irmã como um evento de “Significado”, posto que seu florescer pessoal dependia muito de interação com pessoas queridas, mediadas pelo prazer da arte e dos exercícios. Sorriu ao pensar que tal característica certamente tinha vindo dos genes de sua mãe. A meditação fora conduzida com apoio do equipamento de variação luminosa que ajudava na estabilização do cérebro em ondas teta, facilitadoras de estados de criação e originalidade; o fundo acústico fora uma releitura da "1812" Overture, Op. 49 de Tchaikovsky. A experiência mereceu uma boa avaliação.

Outro evento importante foi o encontro com Ahmadinho e Levi. Os três tinham estudado teatro-artesanal-musical juntos na região do Tibete, um país que ainda se mantinha com as mesmas fronteiras originais, pelo efeito simbólico que carregava. Os três haviam se especializado no estilo de arte Conatus, e se formaram no mesmo ano em que o Tibete foi simbolicamente consagrado com o centro humano da arte e da espiritualidade.

Enquanto Eduardo voltou ao seu local de nascimento, na parte do planeta que era a fonte de energia limpa e de alimentação saudável para a humanidade. Os amigos resolveram morar juntos em Jerusalém. Participavam da comunidade que discutia e negociava uma unificação teológica global. Ainda tinham muito trabalho com os conservadores de cada uma de suas comunidades originais... Infinitas reuniões holográficas e presenciais... Eduardo não acreditava no sucesso de tal empreitada. Porém sabia que carregava “genes céticos” e por isso pouco discutia sua opinião com os amigos. O judeu e o muçulmano aproveitaram a Rio+100 para visitá-lo e era isso que importava. Enquanto retiravam frutas do pomar do telhado, para o lanche da tarde, Levi fez um comentário agressivo sobre decisões de Israel nos anos anteriores à Rio+20. Eduardo notou ligeira mudança na face de Ahmadinho. Emocionalmente treinado, ele não retrucou, mas Eduardo sentiu a tristeza no amigo muçulmano e se sentiu impelido a conversar com ele. Puxou papo sobre longos caminhos curtos e curtos caminhos longos e desandaram a conversar sobre o rabino Nilton Bonder. Levi entendeu a deixa, entrou na conversa com análises elogiosas do Alcorão e o clima voltou ao normal. Eduardo era bom nessas coisas. Considerou aquilo um evento de “Relacionamento” e se deu uma nota média-alta. Embora tivesse obtido resultado desejado, ainda se sentia “mal pelos outros” e queria se re-habituar para sentir uma merecida positividade nesse tipo de situação, que racionalmente sabia ser uma de suas virtudes de grande potencial humano.

O grande evento do dia tinha sido assistir, com os amigos, o histórico filme holográfico “A Batalha Correta”. O cinema evoluíra e a tecnologia permitia mostrar personagens e cenários em quatro dimensões, a obra recontava sobre o encontro de líderes mundiais, duas semanas depois da Rio+20. O evento Rio+20 fora considerado um fiasco. Apesar do clima pacífico, predominavam confrontos irracionais entre o primeiro, o segundo e o terceiro setor. Conflitos ideológicos de posições que dificultavam o diálogo sobre reais interesses. As vozes aumentavam de tom.

Mas à Rio+20 seguiu-se o encontro político histórico, um episódio ilustrativo do potencial der reação da raça humana; do porquê da espécie ainda estar no topo da cadeia evolutiva. As protagonistas foram mulheres, como bem lembrava a obra prima cinematolográfica. As atrizes foram perfeitas em cada gesto e, com a maquiagem e tinturas corporais provenientes de ativos da biodiversidade regeneráveis, pareciam de fato com as pessoas que representavam.

A humildade de Dilma convidando Marina da Silva para um encontro com a Chanceler Angela e a Sra. Obama. Revoluções nas agendas globais advindas da coragem da primeira presidenta brasileira de convocar a reunião inesperada. O aceite imediato de todas, em tese improvável, que levou toda a grande imprensa do mundo a se movimentar para uma ilha da falida Grécia, depois para a Acrópole de Atenas; e daí para Tóquio e depois Shangai, em julho e agosto daquele ano de 2012... Da Grécia à China, dois extremos econômicos do mundo em 2012. Dois berços de grandes filósofos...

Primorosa era a cena que mostrava a objetividade e agilidade de Michelle ao convencer o marido a enfrentar, em época eleitoral, o Congresso Americano. Bem como sua criatividade ao envolver personalidades femininas da sociedade civil do Irã, Iraque, Etiópia, China, Japão, Chipre e Coréia. Ninguém entendeu bem a presença de Chipre, mas historiadores dizem que isto acabou por evitar uma preeminente intervenção financeira no país. Críticos acusaram Michelle Obama de possuir informações privilegiadas... Enfim, grandes momentos da humanidade sempre destacaram Grandes Líderes e, provavelmente, muita informação privilegiada.

Efeitos especiais jogando com o tempo, luzes, sons e espaços espelhavam a alta capacidade de execução daquele quarteto de mulheres que, em dois dias de trabalho intenso e ininterruptos, escreveu o “Compromisso com a Mãe”, baseado na Carta da Terra. O grupo foi apelidado de MODA, em homenagem às iniciais de Marina, Sra.Obama, Dilma e Angela. Até hoje se discute se o predomínio brasileiro na indústria fashion global adveio do apelido do grupo, ou se já era um fenômeno nascente que só se acelerou. Enfim, o MODA aterrissou as intenções conceituais dos infinitos documentos escritos nos eventos políticos anteriores em um único compromisso e formalizou programas pragmáticos de transformação. Houve a ação financeira de unificação monetária gradual, com a moeda única, Gaia, gerenciada por uma instituição central que reunia, em tempo integral, os melhores economistas de todo o mundo, mas também psicólogos, filósofos, físicos, biólogos e teólogos. Ainda em implementação em 2092, a união monetária vinha sofrendo com as postergações da quitação de dívidas das antigas Grécia, Itália, Espanha, Portugal, Irlanda e Argentina. Houve a regulamentação central da emissão de ativos governamentais de longo prazo e teto à dívida planetária total. Tal atraso até teve um lado bom: Hugito Chavez Nieto, o único líder político contra a ação global, já estava quase convencido da impossibilidade de manter o Bolívar. A regulação unificada dos sistemas financeiros acabou com os antigos paraísos fiscais e reduziu ferozmente a capacidade de crescimento das indústrias das drogas e contrabando de armas. Em modelo “big bang”, no dia 07 de setembro de 2012, foram eliminadas incondicionalmente todas as barreiras alfandegárias não-tributárias. A confusão dos meses seguintes, que era prevista, foi o mal necessário a uma dos mais importantes movimentos econômicos da humanidade. O complemento foi o congelamento imediato, com redução gradual das tarifas tributárias no comércio global. E, mais gradual ainda, o fim de subsídios às indústrias de petróleo, mineração e agrícola.

A OMC foi ampliada e adquiriu responsabilidades sobre o meio ambiente. Seu primeiro projeto foi precificar os principais serviços ambientais e, após muita discussão, organizar o mundo sobre as emissões de gases do efeito estufa: o mercado de título foi eliminado e em seu lugar foi criada uma estrutura global única de tributação. Idem para a água e espaços de descarte de resíduos, inclusive oceanos e espaço sideral. Os serviços ambientais precificados causaram imediata realocação de investimentos, inicialmente no G20, com novo foco em infraestrutura sustentável e incentivo à P&D. Em 50 anos foi implementado o compromisso de desarmamento integral da humanidade, com redirecionamento de verbas para educação e saúde. Os esforços e todo o arsenal de conhecimento acumulado em tecnologia bélica foi a semente de projetos para a colonização espacial, subterrânea e submarina em bases sustentáveis.

Extraordinários efeitos secundários ainda apareciam e melhoravam a vida de qualidade dos humanos: da mudança radical nos sistemas educacionais, ocorrida em torno de 2025, à proliferação de pequenas e ágeis empresas e cooperativas em todo o mundo. O capitalismo se reinventou com a onda empresarial de implosão dos grandes conglomerados, na década de 80. Como mamutes darwinianamente buscando sobrevivência, os conselhos de administração defenestraram executivos preocupados com o próprio umbigo e em sustentarem suas remunerações inconsistentes com os resultados que entregavam, e impingiram spin-offs das unidades de negócio mais dinâmicas; era a única maneira de sobreviverem em mundo de inovações sustentáveis e com o desempenho empresarial quantificado por métodos contábeis mais lógicos, que levavam em conta e tributavam os custos ambientais e não mais, por exemplo, o custo de pessoal.

Por indicação unânime, foi Marina quem liderou a negociação com os grandes “prejudicados” da época: empresários de indústrias em cadeias de valor ainda enterradas na mentalidade da era fóssil, a indústria bélica formal e a “informal”, opositores políticos da iniciativa, tanto os esperados do primeiro setor quanto alguns inesperados do terceiro setor. Máscaras caíram...

Uma das grandes cenas do filme foi a da lágrima escorrendo do olho de Marina ao fim do diálogo, em reunião no Tibete, com Hu Jintao, líder do Partido Chinês. Assim que este aceitou tornar as reservas financeiras da China as primeiras a serem transformadas em Gaia, caso seus vizinhos asiáticos fizessem o mesmo.

E abandonar o Tibete caso os Estados Unidos, Rússia, Coréia, Índia, Paquistão concordassem em participar de um programa de expansão interplanetária, com o concomitante redirecionamento da indústria bélica para este fim. O abraço do Grande Líder na pequena amazona contrariou protocolos formais do encontro e arrancou aplausos simultâneos no mundo inteiro que assistia a tudo em equipamentos que eram chamados de televisão a cabo e Internet. Não houve o Tsunami que a mídia catastrofista esperava, pelo uníssono das palmas em frequência repetitiva.

Foi o abraço inesperado que, talvez por isso, simbolizou uma nova forma de interagir da Nação Asiática com o resto do mundo.

Empolgante é uma palavra insuficiente para descrever cada negociação da Marina, acompanhada pelos líderes religiosos de todas as correntes, sempre de mãos dadas. Ao lado das quatro celebridades, cinematográfica, da música, da literatura e da arte que foram escolhidos em uma eleição com um bilhão de votantes, conduzida em parceria entre a rede Avaaz e o Facebook. Justin Bieber era o único integrante do grupo do gênero masculino.

A delegação foi suportada, economicamente e na estratégia de negociação, por empresários visionários da nova economia.

O holofilme fora eleito a décima maravilha da humanidade e era o símbolo maior da era que já começava a ser chamada de “A Ressureição Humana” por historiadores que discutiam semelhanças e diferenças em relação à Renascença. Diversos estudos dissecavam Berlin, Nova York, Brasília e Florença, procurando identificar, em bases científicas, as causas deste tipo de fenômeno humano de ruptura, com o qual vez por outra, a esperança vencia o medo.

Os humanos da geração de Eduardo e Luana puderam presenciar a inauguração, com quase dez anos de atraso em relação aos respectivos projetos, e muita reclamação da juventude da época, da primeira megalópole submarina. A inauguração se dera durante a Rio+90 e o projeto ia bem. A capital permanecia instalada e 1400 W e 400 N, no exato local do antigo “Pacific Trash Vortex” ou “o Great Pacific Garbage Patch”, na região batizada de “Marina Humana”.

A primeira cidade subterrânea no deserto subsaariano nasceu na Rio+95, como piloto para colonização em outros planetas. A primeira cidade lunar provavelmente estaria pronta na Rio+105. As denúncias de corrupção já tinham sido investigadas e a conclusão fora que o atraso ocorrera por pura incompetência de gestão e por recorrentes problemas nos sistemas de TI, na década inicial do projeto.

Eduardo lembrou-se da filha, que morava em Marina. Ela se dedicava ao estudo de um plano de soluções de longuíssimo prazo para a Humanidade. Plano que envolvia colonização espacial sustentável e trabalhava com a visão de, antes do ano 4024, propor uma solução de sobrevivência para a Humanidade, inclusive com seleção de espécies animais e vegetais indispensáveis, para quando, muito além no futuro, nosso Sol se transformar em Gigante Vermelha e depois em Anã Branca. A inspiração do estudo veio da antiga ficção científica – a série Fundação – criada por Isaac Asimov.

A nota dez que Eduardo deu a este evento adveio de seu orgulho e gratidão de poder estar vivendo em tal momento da humanidade. Aí percebeu um “detalhe técnico”: a teoria da Psicologia Positiva, ciência criada por Martin Seligman, que ganhava peso na época da Rio Eco-92 e atingiu uso amplo em 2050, não previa em que dimensão encaixar este evento. Não era pura emoção positiva, nem puro engajamento, nem puro relacionamento positivo, nem puro significado, nem pura realização. Pensou que a teoria, que tinha virado quase um dogma humano, sendo usada em quase todos os lares e sistemas educacionais do planeta, merecia ser revista. A teoria, assim como a educação, a arte e mesmo a humanidade acaba, na prática, sendo outra, pensou Eduardo. E sentiu sono. Entoou o koan musicado com o qual apagava eletronicamente a iluminação da sua casa. Baixou manualmente, da parede de garrafas recicladas, sua cama com o colchão dermocosméticoortopédico. Deitou e dormiu, como desde sempre faziam os humanos.

E sonhou com uma peça para a Rio+110. Uma peça sobre a integração pacífica dos mutantes na sociedade terrestre.