Refazendo as Contas.
Ele ficava ali,sentado junto à porta,no degrauzinho que levava ao jardim de entrada da casa.Ficava esculpindo alguma obra de arte naqueles tocos de madeira,cujos restos serviam de adubo para a roseira meio-combalida e as Onze-Horas que teimavam em abrir ao meio-dia.Um cachorro vira-lata era seu companheiro e confessor.Contava tudo para ele,o cão,sobre sua vida,amores filhos e outras amenidades.O cão só escutava de orelha empinada,sempre se coçando das pulgas danadas.A casinha era simples.Uma sala,um quarto,banheiro,cozinha e uma areazinha no fundo.Não precisava de mais nada.Era o suficiente para uma vida pacata.Morava no fim de uma rua daquela pequena cidade modorrenta.Tudo era igual todos os dias.Em frente,um enorme bosque de eucalíptos dava um ar sombrio a tudo.Passarinho nenhum chegava lá por dentro daquelas árvores.Talvez o cheiro ácido das folhas espantava qualquer ave.Era meio soturno,principalmente à noite.Enfim,estava ali por opção,por uma vida pacata,depois de tanto prazeres aproveitados e muito bem vividos.E contava pro seu amigo Cão as histórias muitas,alegres e tristes.Quando havia tristeza ,o cachorro colocava a cabeça entre as pernas e abaixava as orelhas,em sinal de consternação pelo amigo. -*A Vida é para ser vivida*-dizia ele ao cão ouvinte e depois arrematava com uma afirmação peremptória-*Mas,a Vida nos cobra as escolhas e atos.* O cão assentia com os olhos esbugalhados.As horas passavam lentas...Os filhos mal o vistavam,quem sabe por ocupações diversas e falta de tempo! Tambem pudera! Quantas vezes deixou os filhos para viajar e ,por que não,se divertir a valer? A Vida cobra seu preço e como é caro! O jardinzinho precisava de mais cuidados,pensava ele enquanto cortava os tocos de madeira.Talvez fizesse ,um dia,uma verdadeira obra-de-arte para expor em alguma galeria. Sonhos...porem factíveis.Nem carro passava na rua,pois era o fim de tudo,um fim-de-mundo dentro de uma cidade. Um cheiro de feijão cozido impregnava os ares.Era hora de desligar o fogo e preparar o almoço.Seu e dele.o amigo cão.Não tinha hora para nada.Prá que? Já cumprira muitas obrigações com hora marcada e chateações inerentes,agora deixava a própria Vida ditar as ordens e seguir seu rumo em direção ao Infinito.Pensava em quanto havia errado e o quanto mais poderia ter feito.Somos reféns de nossas escolhas e atos,refletia ele.Olhou para o seu amigo e entrou para preparar sua refeição e do cão. A Vida tinha sido benfazeja com ele e por isso agradecia sempre.Um cheiro de alho frito espraiou-se pelos arredores espantando todo espírito vagabundo e trazendo a idéia de um feijão gordo sendo preparado com muito angu e azeite.Pequenas coisas que se tornam prazerosas,dependendo do seu ponto de vista em relação ao que é *viver bem*. -Na Vida tudo tem seu preço.-e foi brincar de ser feliz.