Mil Faces - Capítulo 5

As rajadas de luz do sol eram impedidas de entrar por completo no quarto pelas cortinas floridas que cobriam as janelas do cômodo onde Horácio dormia todas as noites, mas elas eram suficientes para mostrar o que havia ao redor. Ainda na madrugada havia pedido um colchão para Maria, e depois de feito colocou Rafaela para dormir em sua cama enquanto ele dormia no colchão que estava no chão. Não pretendia tirar os olhos dela, não enquanto ela estivesse naquele estado.

Sentou-se sobre o colchão ficando apenas um pouco mais alto que a cama. Encarava os cabelos rubros dela que naquele momento escondiam todas as feições dela. O vestido estava desarrumado ficando apenas um pouco acima que as suas coxas, Horácio não conseguiria negar que a mulher o atraía. Pegou uma mecha ruiva com a ponta dos dedos tentando pô-las atrás da orelha de Rafaela, quando conseguiu finalmente vislumbrou a pele clara dela. Os dedos ainda se encontravam no rosto quando ela acordou de súbito jogando a mão dele para longe e passando as duas mãos sobre os cabelos e os colocando para trás. Dessa vez a expressão dela era de completa confusão.

— Quem é você? — Ela disse procurando o fim do vestido e colocando-o no devido lugar. Ele imaginava o que ela estava pensando agora.

— Relaxa, não aconteceu nada demais. Você estava drogada, eu te encontrei em frente a uma boate, você desmaiou e eu te trouxe pra cá. — Ele disse com a voz mais calma do mundo, não conseguia controlar, mas a voz saía como num sussurro quando não estava tentando fingir ser outra pessoa.

— Você não me respondeu. Quem é você? — Dessa vez ela parecia irritada.

— Ninguém. Só alguém que lhe ajudou.

— Como é meu nome, eu te disse?

— Rafaela. Você me disse antes de desmaiar.

Nesse momento ela parecia ter tirado um enorme peso das costas, suspirou profundamente e se deitou na cama. Àquela hora ele ainda não havia entendido o porquê. Saiu do quarto à procura de algumas roupas para ela que foram dadas de má vontade pela dona pousada, isso até ele dar uma quantia em dinheiro para ela que era equivalente a dez vezes o valor das roupas velhas que a ruiva usava agora.

Tomaram café sem trocar uma palavra. Quando as xícaras e os pratos já estavam vazios ela disse:

— Preciso de roupas, não vou ficar usando isso aqui. — Os olhos deles se encontraram por um momento, ele não desviou o olhar. Negro com negro. Ela abaixou os olhos. — Por favor?

Depois de devidamente vestido procurou pelo cartão do taxista que o indicara a pousada, ligou e ele se pôs a caminho demonstrando estar feliz por ouvir a voz do cliente.

Pouco tempo depois o táxi buzinava em frente à pousada, desceu as escadas com Rafaela em seu encalço e olhou para todos que estavam ali hoje. Maria, a garota do interior que estudava por lá, o senhor e sua filha também, uma mulher de cabelos grisalhos que ele nunca tinha visto. Todos sentados na sala comum, alguns vendo TV, outros apenas conversando. À porta encontrou Marcos que lhe disse algumas palavras que não demoraram a fugir de sua cabeça, apenas disse tchau e seguiu em direção ao táxi.

O resto do dia foi normal. Foram até um dos shoppings locais. Horácio usou um cartão de crédito clonado, cuja conta iria chegar numa empresa carioca em pouco tempo, mas tempo suficiente para que o cartão e todos os dados nele estarem destruídos. Não era um processo difícil quando se conhece as pessoas certas. Comprou algumas roupas para si também. Comeram, mas não conversaram muito. Tudo que ela sabia era o que ele havia inventado para a sua nova vida, e tudo que ele sabia era vago demais. Vinte anos, problemas paternos, brigas com as amigas que estavam com ela no dia anterior. Ele duvidava de cada palavra que saía da boca dela, mas não dizia nada. Passava os cartões, mastigava, sorria uma vez ou outra e dizia apenas o necessário.

Já estava perto de anoitecer quando foram embora. Manuel estava de prontidão no estacionamento do local com seus óculos escuros e a expressão séria no rosto.

Dez minutos depois estavam em frente a pousada.

Desceram do Táxi.

O silêncio parecia entrar nas veias de Horácio, ele sentiu um arrepio passar pelo braço e chegar ao pescoço. A brisa era leve àquela hora e o calor já era ameno. A luz da fachada piscava. Os passos lentos andavam em direção a porta. A mão dela procurou o braço dele, era como se ambos sentissem o mesmo temor. Abriu a porta e olhou ao redor, nada de estranho.

Suspirou.

Deveria ser só um pressentimento, ele pensava naquele momento. Até que ouviu um barulho de algo sendo arrastado. Com um gesto disse para que ela ficasse parada. Caminhou em direção à cozinha tomando cuidado para que não fizesse barulho, foi até o balcão - que separava o fogão, os armários onde estavam os pratos, ingredientes e os utensílios que Maria utilizava para fazer as refeições todos os dias do resto da cozinha – e de trás do mesmo olhou em direção a porta que separava a cozinha da lavanderia. Naquele lugar havia uma mancha de sangue arrastado.

Mais dois passos e ele tropeçou em algo. Fazendo barulho demais. Quando olhou para ver o que havia atrapalhado seu caminho viu o corpo de um homem de cabelos longos vestido com uma camisa negra, calças jeans e tênis esportivos, no alto da cabeça havia uma enorme mancha de sangue e olhando bem se podia ver marca da bala que havia perfurado o crânio. A imagem daria um belo quadro. O sangue ainda saía do buraco, não estava morto há muito tempo. Olhou para baixo e viu a arma nas mãos dele, quando se abaixou para pegá-la observou o rosto de quem a segurava. Marcos, o que diabos você foi fazer? Ele pensou enquanto tirava a 9 milímetros das mãos do morto.

Conferiu quantas balas ainda havia na pistola. Era só puxar o gatilho. Ele havia dado só um tiro antes de morrer. Levantou-se olhando para a porta onde a mancha de sangue ainda estava fresca. Olhando bem viu que não era a mesma mancha. Agora duas marcas de sapato estavam destacadas entre o sangue. Não houve tempo suficiente para se virar antes que sentisse o cano gelado de uma arma na parte de trás da cabeça.

— Esse ai tentou dar uma de espertinho, mas você pode sair vivo daqui. Onde está a garota? — A voz grossa de um homem disse. — Rápido. — O homem destravou a pistola.

Gama Kaio
Enviado por Gama Kaio em 12/10/2012
Código do texto: T3929031
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