Mil Faces - Capítulo 1
Obs: Se você ainda não leu o prólogo, é só acessar a minha página que facilitará bem mais o entendimento do texto.
O azul nos olhos parecia ficar cada vez mais profundo à cada vez que ele os encarava no espelho. Meus olhos. Ele pensou. Os olhos de Rafael. Passou a mão nos cabelos longos e despenteados, frutos de um longo ano de crescimento, desde que ele era Martín - o espanhol boa pinta que dava golpes em senhoras nas praias do Rio de Janeiro - e não Rafael. Mas por trás de todas aquelas facetas ele sabia que era Ninguém e nada poderia fazer com que fugisse daquilo.
Ele sabia que estava no Maranhão, não lembrava o nome da cidade, mas não seria difícil achar uma cabine fotográfica ou algum lugar onde as pessoas tiravam fotos para por em seus documentos, porém isso era algo para outro dia e esse pensamento acabou voando da cabeça dele rapidamente. A bolsa com tudo que ele precisava estava em cima da cama.
Alguns telefones celulares, roupas normais, o pequeno netbook, escova de dentes, protetor solar, dinheiro, várias identidades falsas precisando apenas de fotografia e assinatura e o que ele estava procurando: A máquina de cortar cabelos que ele havia comprado ainda no Rio de Janeiro. Pegou também um estojo branco do tamanho de uma caixinha de joias.
Voltando à frente do espelho olhou mais uma vez no fundo dos olhos de Rafael, abriu-os bem antes de colocar o dedo na Íris do olho esquerdo e tirar aquela imensidão azul da face. Quem sou eu? Ele não queria saber a resposta. Foco, foco. Mas era mais fácil pensar do que fazer, enquanto o olho direito era azul o esquerdo mostrava o mais negro que um olho poderia ser. Balançou a cabeça virando o rosto pro lado e encarando as cortinas do hotel barato em que se encontrava tremulando como a vela de um barco num dia de tempestade. Sete anos fugindo... Tirou a outra lente sem encarar o espelho.
Ajustou a máquina para o corte mais baixo e foi vendo enquanto os tufos de cabelo caiam de forma desigual e mostravam um rosto diferente do que ele estava habituado. Um novo rosto, um novo nome, uma nova vida.
Pela manhã quando foi pagar a diária que ele havia passado no motel a recepcionista não o reconheceude imediato, mas não deixou de lhe dar um sorriso. Ele tinha esse efeito sobre as mulheres, era bonito por natureza, não que se gabasse de tal fato, mas o mesmo o ajudava diversas vezes.
— Está mais bonito assim.
— Muito obrigado, ér... — Ele disse enquanto procurava o nome no crachá que ela levava no peito — Eliza.
— Vai voltar essa noite?
— Não volto mais.
Deu uma última olhada no local onde havia passado a noite antes de se dirigir a rodoviária local. Quando chegou olhou direto para a placa onde as letras estavam dispostas “Rodoviária Municipal de Caxias-Ma”. Procurou por uma cabine fotográfica, onde tirou três fotos destinadas aos documentos. Depois de tiradas foi até o banheiro, entrou em um dos compartimentos e colocou a foto na identidade, tomando cuidado para que tudo ficasse perfeito. Qual vai ser meu nome? Tentou pensar em alguma coisa e se lembrou de um trecho que lera certa vez perdido entre anotações, não se lembrava à quem pertencia, só sabia que era de algum Teatrólogo antigo, decidiu portanto chamar-se Horácio.
— Há mais coisas entre o céu e a terra... – Sussurrou para si mesmo antes de sair do banheiro e ir em direção ao local onde se compravam as passagens.
— Por favor uma passagem pra Belém.
— Não temos, senhor. Acabaram de esgotar, as empresas estão com um problema ao se direcionar ao norte do País, algo a ver com as estradas. Parece que as chuvas lá estão muito fortes...
Ele não estava interessado em ouvir o papo furado do homem sobre os defeitos do País em que viviam, procurou na lista que se encontravam as capitais e a disponibilidade de ônibus naquele dia.
— Teresina, Piauí. – Horácio disse.