DIÁLOGO ENTRE FLORES
Diálogo entre flores
Cenário: um jardim. Flores conversam.
- Não me empurre, por favor, tá?
- Não sou eu viu, é o vento!
- Então, como é que as suas folhas nem se mexem hein ? Só as minhas!
- As árvores mais altas pegam mais vento..
- Eu não sou árvore sua burra!! Sou flor!! Sou a rosa, a rainha das flores!!
- Bem, isso a gente já nasce sabendo (e também depende do gosto...e dos mitos, sua tonta)
- Você é mesmo a ....
- Maria sem-vergonha.
- Desculpe minha amiga, mas seu nome não é um tanto quanto inadequado...prosaico??
- Sei não, nunca me preocupei com isso. Acho esse troço de nome, meio besta e sem finalidade. Afinal, o que é que quer dizer um nome?
- Um nome é tudo minha filha, tudo!! É simplesmente uma questão de berço, educação, tradição...é ser bem nascida!!
- Bem nascida é?? Táaa..E o que é ser mal nascida??
- Bem nascida é...o que eu já disse antes. Ser bem criada, em uma família de tradição e bom gosto... com boa cultura...boas maneiras...ora, uma série de conceitos que definem as classes sociais. Entendeu criatura??
- Entendi claro!! Bem nascida né??
- Desculpe a pergunta minha cara, mas como é que você veio parar nesse jardim? Não sei se é do seu conhecimento, mas ele pertence a um descendente do Barão da Casa dos Bragança!! Aqui são cultivadas as plantas mais nobres de todo o planeta!! Crisântemos da Mandchuria, papoulas da Galícia, tulipas da Holanda, árvores anãs da China além muralha da dinastia Ming, enfim...
- Euuu?? Tá falando comigo dona??
- Você ai embaixo, não ouve direito?? Com quem eu poderia estar falando meu bem?
- Bem, eu vim de...maneira mais comum. No bico de um pássaro...o pólen, você sabe. Algumas irmãs minhas vieram através das abelhas, dos colibris, outras através do vento...eu sei que vim através do pólen porque voei sem saber , dentro de uma nuvem dourada e pousei aqui. Tudo muito simples. Como a vida...
- Polen!!?? Não tenho a menor idéia do que você está falando!!
- Polen, polen, moça. Polen de outra flor que os passarinhos vão levando pelos ares e deixam cair sobre a terra... e aí, uma nova flor nasce onde o pólen caiu...é tudo muito simples, eu já disse.
- Compreendo. Não pertenço a essa situação. Vim de navio para cá. Viajei dentro de um compartimento fechado no porão, um horror!! Tenho uma saúde delicada. Quase feneci, sabia??!! Quando cheguei aqui, me puseram num centro de recuperação. Agora estou melhor. Mas este clima é horrível, não acha?
- Já estou acostumada. Vim de uma família muito grande, minha mãe não tinha muito tempo pra cuidar de nós, cada um se virou como pôde. Cresci beirando os riachos, agüentei inundações e poeira, bichos que me comeram as folhas, tá vendo aqui, tenho até uma cicatriz no lado esquerdo do caule...Quando eu era menina, não havia cama para todos, dormíamos apertado, os pulgões comiam a gente à noite, e minha avó, que também dormia com a gente, roncava alto !! Era trabalhadeira, essa minha avó...bem boazinha viu??
- Meio...promíscuo, não acha??
- Não sei...nunca me dei conta disso. Vivíamos alegres, meus irmãos e eu; de vez em quando, uns petelecos do meu pai!! A gente acostumou!! Minha avó contava histórias e fazia balas de limão bravo e a gente acompanhava a correnteza do riacho, ia batendo nos seixos e se divertia à beça, cumprimentando os lambaris que iam pro trabalho cedinho...subia nas costas do peixe-boi que era muito paciente, brincava de circo com os colibris e aprendia a dançar com os tangarás, você precisava ver como eles dançavam bem!! Mais tarde, todos seguiram seu rumo...o meu, foi esse...ficar aqui nesse jardim meio escondida....observando. Bem que o jardineiro tentou me arrancar daqui com uma baita foice, pegou minha cabeça e zapt...doeu!
- Que coisa mais bizarra!! Como é que você pode estar falando comigo e ter perdido a cabeça??!!
- Olha dona rainha das flores!! Tem muita gente que tem cabeça e a perde no meio do caminho...não tem não??
- Mas do que é que você está falando ??!!
- Deixa pra lá...São metáforas...Chistes. O fato é que nós, as Marias-sem-vergonha, renascemos sempre; cortou aqui, já estamos renascendo ali. Não me pergunte o porquê. Pode ser um impulso, uma vontade, fé, por aí.
- Bem querida, devo lhe dizer que pertenço a uma outra linhagem, mais rara. Sou produto de enxertos, de pesquisas que duraram anos. Os homens japoneses estão realmente fazendo maravilhas com essa tecnologia!! Tudo muito grande, muito colorido. Existem até rosas azuis, imagine só!! Flores e vegetais, tudo imenso, moderno, tecnologia de ponta, tudo!!
- Mas... e o miolo, núcleo...essência de cada um; não ficou intacta??
- A cara amiga não estaria divagando um pouco? Quem é que está hoje interessado na essência de cada um ??!! Estamos na era da globalização, você sabe ler?? Não existe mais isso de individualismo, cada bairro, cada estado, cada nação, cada continente, cada jardim...
- E porque então, você me perguntou o que eu fazia neste jardim? Não está tudo globalizado como disse hein?? Porque então, eu não teria direito de estar aqui??
- Porque...bom, digamos...É como uma pirâmide compreende? Globalizado está....
- Não muito...Não muito, a gente trabalha por um salário de fome, morre por aí jogado na beira de estrada, e a senhora vem me falar em pirâmide social?
- É melhor pararmos por aqui não acha? Afinal, eu não deveria estar comentando nada, uma vez que sou estrangeira e tenho...anos-luz de tradição.
- Anos luz né dona?? Luz pra vocês, sombra pra nós. abutres, abutres mesmo!
- Tira ela daquiiii!! Tira já!! Meu Deus, que horror, estou sufocando, minhas pétalas...ai..ai..ai!!
- (zapt, zapt., zapt) Pronto, essa não amola mais. A senhora está pálida. Estresse na certa. Não se amofine. O festival de Cannes está chegando. A senhora concorre naquele filme em que aparece radiosa ao lado do sabão em pó...um pouco de luz e brilho e tudo estará esquecido...Bem que eu lhe avisei para não falar com esse pessoal de periferia...Essa gente é fogo! Fogo!! Há se a gente tivesse aqui aquela polícia especial...não sobrava um pra contar história.
- ( Eu nem ligo...vou nascer outra vez mesmo...)
Diálogo entre flores
Cenário: um jardim. Flores conversam.
- Não me empurre, por favor, tá?
- Não sou eu viu, é o vento!
- Então, como é que as suas folhas nem se mexem hein ? Só as minhas!
- As árvores mais altas pegam mais vento..
- Eu não sou árvore sua burra!! Sou flor!! Sou a rosa, a rainha das flores!!
- Bem, isso a gente já nasce sabendo (e também depende do gosto...e dos mitos, sua tonta)
- Você é mesmo a ....
- Maria sem-vergonha.
- Desculpe minha amiga, mas seu nome não é um tanto quanto inadequado...prosaico??
- Sei não, nunca me preocupei com isso. Acho esse troço de nome, meio besta e sem finalidade. Afinal, o que é que quer dizer um nome?
- Um nome é tudo minha filha, tudo!! É simplesmente uma questão de berço, educação, tradição...é ser bem nascida!!
- Bem nascida é?? Táaa..E o que é ser mal nascida??
- Bem nascida é...o que eu já disse antes. Ser bem criada, em uma família de tradição e bom gosto... com boa cultura...boas maneiras...ora, uma série de conceitos que definem as classes sociais. Entendeu criatura??
- Entendi claro!! Bem nascida né??
- Desculpe a pergunta minha cara, mas como é que você veio parar nesse jardim? Não sei se é do seu conhecimento, mas ele pertence a um descendente do Barão da Casa dos Bragança!! Aqui são cultivadas as plantas mais nobres de todo o planeta!! Crisântemos da Mandchuria, papoulas da Galícia, tulipas da Holanda, árvores anãs da China além muralha da dinastia Ming, enfim...
- Euuu?? Tá falando comigo dona??
- Você ai embaixo, não ouve direito?? Com quem eu poderia estar falando meu bem?
- Bem, eu vim de...maneira mais comum. No bico de um pássaro...o pólen, você sabe. Algumas irmãs minhas vieram através das abelhas, dos colibris, outras através do vento...eu sei que vim através do pólen porque voei sem saber , dentro de uma nuvem dourada e pousei aqui. Tudo muito simples. Como a vida...
- Polen!!?? Não tenho a menor idéia do que você está falando!!
- Polen, polen, moça. Polen de outra flor que os passarinhos vão levando pelos ares e deixam cair sobre a terra... e aí, uma nova flor nasce onde o pólen caiu...é tudo muito simples, eu já disse.
- Compreendo. Não pertenço a essa situação. Vim de navio para cá. Viajei dentro de um compartimento fechado no porão, um horror!! Tenho uma saúde delicada. Quase feneci, sabia??!! Quando cheguei aqui, me puseram num centro de recuperação. Agora estou melhor. Mas este clima é horrível, não acha?
- Já estou acostumada. Vim de uma família muito grande, minha mãe não tinha muito tempo pra cuidar de nós, cada um se virou como pôde. Cresci beirando os riachos, agüentei inundações e poeira, bichos que me comeram as folhas, tá vendo aqui, tenho até uma cicatriz no lado esquerdo do caule...Quando eu era menina, não havia cama para todos, dormíamos apertado, os pulgões comiam a gente à noite, e minha avó, que também dormia com a gente, roncava alto !! Era trabalhadeira, essa minha avó...bem boazinha viu??
- Meio...promíscuo, não acha??
- Não sei...nunca me dei conta disso. Vivíamos alegres, meus irmãos e eu; de vez em quando, uns petelecos do meu pai!! A gente acostumou!! Minha avó contava histórias e fazia balas de limão bravo e a gente acompanhava a correnteza do riacho, ia batendo nos seixos e se divertia à beça, cumprimentando os lambaris que iam pro trabalho cedinho...subia nas costas do peixe-boi que era muito paciente, brincava de circo com os colibris e aprendia a dançar com os tangarás, você precisava ver como eles dançavam bem!! Mais tarde, todos seguiram seu rumo...o meu, foi esse...ficar aqui nesse jardim meio escondida....observando. Bem que o jardineiro tentou me arrancar daqui com uma baita foice, pegou minha cabeça e zapt...doeu!
- Que coisa mais bizarra!! Como é que você pode estar falando comigo e ter perdido a cabeça??!!
- Olha dona rainha das flores!! Tem muita gente que tem cabeça e a perde no meio do caminho...não tem não??
- Mas do que é que você está falando ??!!
- Deixa pra lá...São metáforas...Chistes. O fato é que nós, as Marias-sem-vergonha, renascemos sempre; cortou aqui, já estamos renascendo ali. Não me pergunte o porquê. Pode ser um impulso, uma vontade, fé, por aí.
- Bem querida, devo lhe dizer que pertenço a uma outra linhagem, mais rara. Sou produto de enxertos, de pesquisas que duraram anos. Os homens japoneses estão realmente fazendo maravilhas com essa tecnologia!! Tudo muito grande, muito colorido. Existem até rosas azuis, imagine só!! Flores e vegetais, tudo imenso, moderno, tecnologia de ponta, tudo!!
- Mas... e o miolo, núcleo...essência de cada um; não ficou intacta??
- A cara amiga não estaria divagando um pouco? Quem é que está hoje interessado na essência de cada um ??!! Estamos na era da globalização, você sabe ler?? Não existe mais isso de individualismo, cada bairro, cada estado, cada nação, cada continente, cada jardim...
- E porque então, você me perguntou o que eu fazia neste jardim? Não está tudo globalizado como disse hein?? Porque então, eu não teria direito de estar aqui??
- Porque...bom, digamos...É como uma pirâmide compreende? Globalizado está....
- Não muito...Não muito, a gente trabalha por um salário de fome, morre por aí jogado na beira de estrada, e a senhora vem me falar em pirâmide social?
- É melhor pararmos por aqui não acha? Afinal, eu não deveria estar comentando nada, uma vez que sou estrangeira e tenho...anos-luz de tradição.
- Anos luz né dona?? Luz pra vocês, sombra pra nós. abutres, abutres mesmo! - Tira ela daquiiii!! Tira já!! Meu Deus, que horror, estou sufocando, minhas pétalas...ai..ai..ai!!
- (zapt, zapt., zapt) Pronto, essa não amola mais. A senhora está pálida. Estresse na certa. Não se amofine. O festival de Cannes está chegando. A senhora concorre naquele filme em que aparece radiosa ao lado do sabão em pó...um pouco de luz e brilho e tudo estará esquecido...Bem que eu lhe avisei para não falar com esse pessoal de periferia...Essa gente é fogo! Fogo!! Há se a gente tivesse aqui aquela polícia especial...não sobrava um pra contar história.
- ( Eu nem ligo...vou nascer outra vez mesmo...)
Diálogo entre flores
Cenário: um jardim. Flores conversam.
- Não me empurre, por favor, tá?
- Não sou eu viu, é o vento!
- Então, como é que as suas folhas nem se mexem hein ? Só as minhas!
- As árvores mais altas pegam mais vento..
- Eu não sou árvore sua burra!! Sou flor!! Sou a rosa, a rainha das flores!!
- Bem, isso a gente já nasce sabendo (e também depende do gosto...e dos mitos, sua tonta)
- Você é mesmo a ....
- Maria sem-vergonha.
- Desculpe minha amiga, mas seu nome não é um tanto quanto inadequado...prosaico??
- Sei não, nunca me preocupei com isso. Acho esse troço de nome, meio besta e sem finalidade. Afinal, o que é que quer dizer um nome?
- Um nome é tudo minha filha, tudo!! É simplesmente uma questão de berço, educação, tradição...é ser bem nascida!!
- Bem nascida é?? Táaa..E o que é ser mal nascida??
- Bem nascida é...o que eu já disse antes. Ser bem criada, em uma família de tradição e bom gosto... com boa cultura...boas maneiras...ora, uma série de conceitos que definem as classes sociais. Entendeu criatura??
- Entendi claro!! Bem nascida né??
- Desculpe a pergunta minha cara, mas como é que você veio parar nesse jardim? Não sei se é do seu conhecimento, mas ele pertence a um descendente do Barão da Casa dos Bragança!! Aqui são cultivadas as plantas mais nobres de todo o planeta!! Crisântemos da Mandchuria, papoulas da Galícia, tulipas da Holanda, árvores anãs da China além muralha da dinastia Ming, enfim...
- Euuu?? Tá falando comigo dona??
- Você ai embaixo, não ouve direito?? Com quem eu poderia estar falando meu bem?
- Bem, eu vim de...maneira mais comum. No bico de um pássaro...o pólen, você sabe. Algumas irmãs minhas vieram através das abelhas, dos colibris, outras através do vento...eu sei que vim através do pólen porque voei sem saber , dentro de uma nuvem dourada e pousei aqui. Tudo muito simples. Como a vida...
- Polen!!?? Não tenho a menor idéia do que você está falando!!
- Polen, polen, moça. Polen de outra flor que os passarinhos vão levando pelos ares e deixam cair sobre a terra... e aí, uma nova flor nasce onde o pólen caiu...é tudo muito simples, eu já disse.
- Compreendo. Não pertenço a essa situação. Vim de navio para cá. Viajei dentro de um compartimento fechado no porão, um horror!! Tenho uma saúde delicada. Quase feneci, sabia??!! Quando cheguei aqui, me puseram num centro de recuperação. Agora estou melhor. Mas este clima é horrível, não acha?
- Já estou acostumada. Vim de uma família muito grande, minha mãe não tinha muito tempo pra cuidar de nós, cada um se virou como pôde. Cresci beirando os riachos, agüentei inundações e poeira, bichos que me comeram as folhas, tá vendo aqui, tenho até uma cicatriz no lado esquerdo do caule...Quando eu era menina, não havia cama para todos, dormíamos apertado, os pulgões comiam a gente à noite, e minha avó, que também dormia com a gente, roncava alto !! Era trabalhadeira, essa minha avó...bem boazinha viu??
- Meio...promíscuo, não acha??
- Não sei...nunca me dei conta disso. Vivíamos alegres, meus irmãos e eu; de vez em quando, uns petelecos do meu pai!! A gente acostumou!! Minha avó contava histórias e fazia balas de limão bravo e a gente acompanhava a correnteza do riacho, ia batendo nos seixos e se divertia à beça, cumprimentando os lambaris que iam pro trabalho cedinho...subia nas costas do peixe-boi que era muito paciente, brincava de circo com os colibris e aprendia a dançar com os tangarás, você precisava ver como eles dançavam bem!! Mais tarde, todos seguiram seu rumo...o meu, foi esse...ficar aqui nesse jardim meio escondida....observando. Bem que o jardineiro tentou me arrancar daqui com uma baita foice, pegou minha cabeça e zapt...doeu!
- Que coisa mais bizarra!! Como é que você pode estar falando comigo e ter perdido a cabeça??!!
- Olha dona rainha das flores!! Tem muita gente que tem cabeça e a perde no meio do caminho...não tem não??
- Mas do que é que você está falando ??!!
- Deixa pra lá...São metáforas...Chistes. O fato é que nós, as Marias-sem-vergonha, renascemos sempre; cortou aqui, já estamos renascendo ali. Não me pergunte o porquê. Pode ser um impulso, uma vontade, fé, por aí.
- Bem querida, devo lhe dizer que pertenço a uma outra linhagem, mais rara. Sou produto de enxertos, de pesquisas que duraram anos. Os homens japoneses estão realmente fazendo maravilhas com essa tecnologia!! Tudo muito grande, muito colorido. Existem até rosas azuis, imagine só!! Flores e vegetais, tudo imenso, moderno, tecnologia de ponta, tudo!!
- Mas... e o miolo, núcleo...essência de cada um; não ficou intacta??
- A cara amiga não estaria divagando um pouco? Quem é que está hoje interessado na essência de cada um ??!! Estamos na era da globalização, você sabe ler?? Não existe mais isso de individualismo, cada bairro, cada estado, cada nação, cada continente, cada jardim...
- E porque então, você me perguntou o que eu fazia neste jardim? Não está tudo globalizado como disse hein?? Porque então, eu não teria direito de estar aqui??
- Porque...bom, digamos...É como uma pirâmide compreende? Globalizado está....
- Não muito...Não muito, a gente trabalha por um salário de fome, morre por aí jogado na beira de estrada, e a senhora vem me falar em pirâmide social?
- É melhor pararmos por aqui não acha? Afinal, eu não deveria estar comentando nada, uma vez que sou estrangeira e tenho...anos-luz de tradição.
- Anos luz né dona?? Luz pra vocês, sombra pra nós. abutres, abutres mesmo! - Tira ela daquiiii!! Tira já!! Meu Deus, que horror, estou sufocando, minhas pétalas...ai..ai..ai!!
- (zapt, zapt., zapt) Pronto, essa não amola mais. A senhora está pálida. Estresse na certa. Não se amofine. O festival de Cannes está chegando. A senhora concorre naquele filme em que aparece radiosa ao lado do sabão em pó...um pouco de luz e brilho e tudo estará esquecido...Bem que eu lhe avisei para não falar com esse pessoal de periferia...Essa gente é fogo! Fogo!! Há se a gente tivesse aqui aquela polícia especial...não sobrava um pra contar história.
- ( Eu nem ligo...vou nascer outra vez mesmo...)
Diálogo entre flores
Cenário: um jardim. Flores conversam.
- Não me empurre, por favor, tá?
- Não sou eu viu, é o vento!
- Então, como é que as suas folhas nem se mexem hein ? Só as minhas!
- As árvores mais altas pegam mais vento..
- Eu não sou árvore sua burra!! Sou flor!! Sou a rosa, a rainha das flores!!
- Bem, isso a gente já nasce sabendo (e também depende do gosto...e dos mitos, sua tonta)
- Você é mesmo a ....
- Maria sem-vergonha.
- Desculpe minha amiga, mas seu nome não é um tanto quanto inadequado...prosaico??
- Sei não, nunca me preocupei com isso. Acho esse troço de nome, meio besta e sem finalidade. Afinal, o que é que quer dizer um nome?
- Um nome é tudo minha filha, tudo!! É simplesmente uma questão de berço, educação, tradição...é ser bem nascida!!
- Bem nascida é?? Táaa..E o que é ser mal nascida??
- Bem nascida é...o que eu já disse antes. Ser bem criada, em uma família de tradição e bom gosto... com boa cultura...boas maneiras...ora, uma série de conceitos que definem as classes sociais. Entendeu criatura??
- Entendi claro!! Bem nascida né??
- Desculpe a pergunta minha cara, mas como é que você veio parar nesse jardim? Não sei se é do seu conhecimento, mas ele pertence a um descendente do Barão da Casa dos Bragança!! Aqui são cultivadas as plantas mais nobres de todo o planeta!! Crisântemos da Mandchuria, papoulas da Galícia, tulipas da Holanda, árvores anãs da China além muralha da dinastia Ming, enfim...
- Euuu?? Tá falando comigo dona??
- Você ai embaixo, não ouve direito?? Com quem eu poderia estar falando meu bem?
- Bem, eu vim de...maneira mais comum. No bico de um pássaro...o pólen, você sabe. Algumas irmãs minhas vieram através das abelhas, dos colibris, outras através do vento...eu sei que vim através do pólen porque voei sem saber , dentro de uma nuvem dourada e pousei aqui. Tudo muito simples. Como a vida...
- Polen!!?? Não tenho a menor idéia do que você está falando!!
- Polen, polen, moça. Polen de outra flor que os passarinhos vão levando pelos ares e deixam cair sobre a terra... e aí, uma nova flor nasce onde o pólen caiu...é tudo muito simples, eu já disse.
- Compreendo. Não pertenço a essa situação. Vim de navio para cá. Viajei dentro de um compartimento fechado no porão, um horror!! Tenho uma saúde delicada. Quase feneci, sabia??!! Quando cheguei aqui, me puseram num centro de recuperação. Agora estou melhor. Mas este clima é horrível, não acha?
- Já estou acostumada. Vim de uma família muito grande, minha mãe não tinha muito tempo pra cuidar de nós, cada um se virou como pôde. Cresci beirando os riachos, agüentei inundações e poeira, bichos que me comeram as folhas, tá vendo aqui, tenho até uma cicatriz no lado esquerdo do caule...Quando eu era menina, não havia cama para todos, dormíamos apertado, os pulgões comiam a gente à noite, e minha avó, que também dormia com a gente, roncava alto !! Era trabalhadeira, essa minha avó...bem boazinha viu??
- Meio...promíscuo, não acha??
- Não sei...nunca me dei conta disso. Vivíamos alegres, meus irmãos e eu; de vez em quando, uns petelecos do meu pai!! A gente acostumou!! Minha avó contava histórias e fazia balas de limão bravo e a gente acompanhava a correnteza do riacho, ia batendo nos seixos e se divertia à beça, cumprimentando os lambaris que iam pro trabalho cedinho...subia nas costas do peixe-boi que era muito paciente, brincava de circo com os colibris e aprendia a dançar com os tangarás, você precisava ver como eles dançavam bem!! Mais tarde, todos seguiram seu rumo...o meu, foi esse...ficar aqui nesse jardim meio escondida....observando. Bem que o jardineiro tentou me arrancar daqui com uma baita foice, pegou minha cabeça e zapt...doeu!
- Que coisa mais bizarra!! Como é que você pode estar falando comigo e ter perdido a cabeça??!!
- Olha dona rainha das flores!! Tem muita gente que tem cabeça e a perde no meio do caminho...não tem não??
- Mas do que é que você está falando ??!!
- Deixa pra lá...São metáforas...Chistes. O fato é que nós, as Marias-sem-vergonha, renascemos sempre; cortou aqui, já estamos renascendo ali. Não me pergunte o porquê. Pode ser um impulso, uma vontade, fé, por aí.
- Bem querida, devo lhe dizer que pertenço a uma outra linhagem, mais rara. Sou produto de enxertos, de pesquisas que duraram anos. Os homens japoneses estão realmente fazendo maravilhas com essa tecnologia!! Tudo muito grande, muito colorido. Existem até rosas azuis, imagine só!! Flores e vegetais, tudo imenso, moderno, tecnologia de ponta, tudo!!
- Mas... e o miolo, núcleo...essência de cada um; não ficou intacta??
- A cara amiga não estaria divagando um pouco? Quem é que está hoje interessado na essência de cada um ??!! Estamos na era da globalização, você sabe ler?? Não existe mais isso de individualismo, cada bairro, cada estado, cada nação, cada continente, cada jardim...
- E porque então, você me perguntou o que eu fazia neste jardim? Não está tudo globalizado como disse hein?? Porque então, eu não teria direito de estar aqui??
- Porque...bom, digamos...É como uma pirâmide compreende? Globalizado está....
- Não muito...Não muito, a gente trabalha por um salário de fome, morre por aí jogado na beira de estrada, e a senhora vem me falar em pirâmide social?
- É melhor pararmos por aqui não acha? Afinal, eu não deveria estar comentando nada, uma vez que sou estrangeira e tenho...anos-luz de tradição.
- Anos luz né dona?? Luz pra vocês, sombra pra nós. abutres, abutres mesmo! - Tira ela daquiiii!! Tira já!! Meu Deus, que horror, estou sufocando, minhas pétalas...ai..ai..ai!!
- (zapt, zapt., zapt) Pronto, essa não amola mais. A senhora está pálida. Estresse na certa. Não se amofine. O festival de Cannes está chegando. A senhora concorre naquele filme em que aparece radiosa ao lado do sabão em pó...um pouco de luz e brilho e tudo estará esquecido...Bem que eu lhe avisei para não falar com esse pessoal de periferia...Essa gente é fogo! Fogo!! Há se a gente tivesse aqui aquela polícia especial...não sobrava um pra contar história.
- ( Eu nem ligo...vou nascer outra vez mesmo...)