Campo de Luz [Parte 4]
Capítulo 4
Os sonhos tomam o lugar das pessoas, dos lugares, dos sentimentos quando estamos dormindo. Quando dormimos tudo é sonho e nossa realidade é um mundo onírico, feito de luz e desejos. Naoko e Megu entraram nesse mundo guiadas por seus sonhos profundos. Elas surgiram sob a copa de uma árvore, rodeadas por uma cidade de imagens translúcidas e de sombras iluminadas.
O campo de luz não possuía cor ou textura. Tudo parecia feito de fumaça e de alma. O céu, a grama, a árvore, a rua tudo parecia ser feito do mesmo material etéreo e furta-cor, cinza brilhante. A árvore não possuía folhas, seus galhos era cobertos por sininhos mudos de metal prateado reluzente. Não havia nenhuma brisa, apenas fiapos de aurora boreal que se prendiam em tudo que encontravam, depois se soltavam e seguiam flutuando, seguindo algum vento invisível que as garotas não podiam sentir.
- Será que esse é o Campo de Luz? – Megu perguntou enquanto se levantava e limpava o pó brilhante de suas roupas.
- Acho que sim – Naoko se levantou também. – Estou vendo algumas pessoas, vamos perguntar a elas.
As pessoas eram estanhas. Altas e magras. Usavam roupas antiquadas e desbotadas. Todos usavam máscaras. De porcelana, de ferro, de madeira, de plástico. Cada uma com um semblante e um sentimento.
- A Loja de Máscaras é por aqui? – Naoko perguntou para um homem que usava um cachecol listrado envolta do pescoço. Ele era imenso, do tamanho de um poste. Seus movimentos eram vagarosos.
- Naquela direção – ele olhou lá de cima e apontou um dedo comprido para o fim da rua.
- Muito Obrigada! – Naoko agradeceu, pegou Megu pela mão e disparou na direção que o homem havia apontado.
Havia uma pequena multidão do lado de fora da Loja de Máscaras. Estava muito movimentada. Um entra e sai constante de pessoas e muitas delas saíam com embrulhos nas mãos. Diminuíram o passo, as pessoas olhavam incessantemente para elas. Ficaram com um pouco de medo. As máscaras davam um ar sinistro às pessoas e escondiam suas verdadeiras feições. Elas entraram na loja, tentando chamar menos atenção possível. A primeira pessoa que viram foi Nohri. Estava no balcão fazendo um embrulho. A loja era espaçosa. Um balcão a dividia pela metade e atrás dele havia dezenas de estantes todas cheias de máscaras dentro de redomas de vidro. Por toda parte havia tripés de metal retorcido que seguravam doze velas cada um. O teto abobadado era de vidro e por ele era possível ver os espirais das nuvens foscas. Nohri estava mais magro e pálido, os olhos fundos e sem brilho.
- Eu gostaria de ver uma máscara de urso panda – Naoko brincou.
- Naoko??!! – ele disse. Ergueu o rosto do embrulho e saltou em cima delas. As abraçou com toda a saudade que sentiu. Estava chorando. – O que vocês fazem aqui? – ele perguntou enquanto abraçava Megu.
- Viemos levar você de volta – ela respondeu.
- Volte para cá, Nohri – uma mulher disse de trás do balcão. – Ela está vindo.
- Eu preciso voltar – ele disse apressado. – Fiquem mais um pouco, precisamos conversar – ele voltou para seu posto de vendedor.
A mulher que chamou Nohri não era como os outros do Campo de Luz. Era uma mulher comum. Olhos escuros e cabelos castanhos. Magra e de encantadora graciosidade. Luhzia surgiu entre as estantes. Usava um vestido comprido que logo cobriu toda a loja com seus tentáculos acetinados.
- Quem são essas garotas? – ela perguntou a Maniri, a mulher que chamara Nohri.
- São visitantes de algum lugar, senhora – ela respondeu imediatamente.
- Elas vão comprar máscaras também?
-Sim, sim – Nohri interveio. – Já estou providenciando o que elas pediram. Venham até aqui que mostrarei a vocês nossas máscaras de sentimentos felizes.
- Preste atenção nelas – ela levou um dos dedos aos lábios. – Não gostei desses rostinhos.
Ela virou-se e voltou para o interior da loja. Naoko não conseguia tirar os olhos do pescoço da atendente. Maniri também usava uma flor-jóia vermelha.
- Venham até aqui – Nohri as chamou.
Elas o acompanharam até uma prateleira lá no fundo, onde podiam conversar mais reservadamente.
- Como você veio parar aqui? – Megu perguntou.
- É uma longa história. Eu não sei exatamente, mas foi aquela mulher quem me trouxe para cá.
- Você irá fugir conosco agora mesmo!!! – Megu segurou em seu braço e jurou que nunca mais o soltaria.
- Não adianta fugir daqui – ele olhou para trás. – Vocês precisam encontrar onde eu estou dormindo, a única chance de fugir é acordar – ele disse com tristeza.
- Você tem alguma pista? Alguma idéia de onde possamos encontrá-lo? – Naoko perguntou.
- Havia um lugar – ele fez uma pequena pausa para pensar. – Um bar chamado Sono.
- Pode deixar! Iremos descobrir onde é – disse Megu.
Eles se abraçaram novamente e por último ele deu um beijo em Naoko.
- Estava com tanta saudade de vocês. Mal podia me agüentar.
- Nohri! – Maniri gritou.
- Então vocês não gostaram de nenhuma? – Ele disse enquanto acompanhava as garotas até o balcão.
- Infelizmente não – Naoko respondeu.
Luhzia apareceu novamente. Talvez, só para ver se as garotas já haviam ido embora. Ela não disse nada, apenas observou com seus olhos venenosos.
- Voltem se precisarem de alguma coisa – Nohri acrescentou.
- Claro, voltaremos sim – Megu conteve um risinho.
Elas saíram da loja sem olhar para trás. A presença de Luhzia fazia congelar o sangue nas veias, era agressiva e antipática. Seu olhar incomodava e dava calafrios. As pessoas continuaram olhando para elas, mas agora elas não se importaram. Queriam apenas se afastar da loja. Precisavam se acalmar, seus corações ainda estavam disparados. Nohri estava a salvo. Haviam dado um passo muito grande em sua busca. Depois de descansarem um pouco, sentadas em uma calçada algo lhes ocorreu. Como fariam para sair do Campo de Luz? Elas descobririam isso por si só. Logo, logo a manhã chegaria e quando acordassem estariam de volta.