Mil Faces - Prólogo

- O que você está querendo dizer com isso?

- O que você acabou de ouvir, Mário. Você não é ninguém! - O nome ecoou na mente do garoto por algum tempo antes que ele conseguisse pensar no que responder, e demorou ainda mais pra ele entender que ela se dirigia realmente a ele. – Você vai ficar ai calado? Não vai dizer nada?

Ele não disse nada.

A noite estava fria e ao passar a mão sobre a orelha sentiu o frio penetrar na sua pele sem pedir permissão, soltou um pequeno grunhido e continuou a sua caminhada sem destino algum. O garoto não conseguia organizar as ideias com clareza, a única coisa que sabia e com certeza absoluta era que ele não era ninguém. Mário nunca foi um nome bonito. Ele pensou. Nem mesmo foi meu nome.

Os postes piscavam alternadamente em torno da rua da cidade em que o garoto que antes fora Mário morava desde que era apenas mais uma das crianças que corriam atrás de uma bola até o final da rua e voltavam para o lugar do qual partiram só para ter de fazer o mesmo trajeto novamente. Ele se lembrou de tudo aquilo. Dos gritos sufocados nas gargantas secas dos seus colegas de infância, do barulho dos carros buzinando para que os garotos saíssem do meio da rua e principalmente do calor que sentia nos pés ao correr na areia quente e reconfortante daquela cidade que sempre foi sua.

Mas agora ele era ninguém, e ninguém não tem nome, nem mãe, nem amigos de infância, nem lembranças e muito menos uma cidade pra chamar de sua.

A lua não estava muito longe de ir embora quando ele chegou em frente a casa de paredes azuis e portão baixo e enferrujado. Abriu o portão de casa devagar tomando cuidado para não fazer barulho demais e entrou apressadamente na pequena casa, teve de se abaixar como sempre fizera para passar na porta e por poucos segundos voltou a ser Mário, antes que se lembrasse que não era ninguém novamente.

Entrou no quarto, olhou para todos os pôsters de todos os filmes que tinha visto em sua curta vida, viu a luminária acesa e onde a luz apontava se encontrava um pedaço de papel que Mário havia rabiscado um dia. Não demorou pra achar uma caneta e escreveu um bilhete rapidamente. As roupas estavam todas postas na bolsa antes de ter se passado um quarto de hora.

O sol começava a aparecer quando fechou o portão devagar e deu uma última olhada na casa que chamou de sua por quase 17 anos, mas que agora não o pertencia mais.

...

A mãe de Mário acordou e chamou o filho para tomar café pensando que ele havia voltado para casa durante a madrugada como sempre fazia após devanear, já que era só aquilo que ele fazia desde muito tempo. Ela mantinha o pulso forte, mas o coração de mãe sempre amolece perante a tristeza de um filho e não era diferente com ela, as palavras que havia dito ainda martelavam em sua cabeça.

Quando percebeu que o filho não atendia aos seus chamados entrou no quarto procurando por ele e a única coisa que encontrou foi um bilhete meio amassado, mas que continha a caligrafia que ela conheceria entre milhões de outras que pertencia ao seu filho e que se parecia tanto com a do pai, mesmo que nunca tenham tido tempo de ver a letra um do outro. Passou os olhos rapidamente pelas letras dispostas, mas só depois de um tempo entendeu o que realmente havia lido.

“Ninguém pode se manter em pé sozinho, se eu sou Ninguém hoje é por que ainda não me encontrei. Hoje não sou mais Mário, mas não serei Ninguém para sempre.

O bilhete não levava assinatura.

Gama Kaio
Enviado por Gama Kaio em 02/10/2012
Código do texto: T3912933
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