A Escolha

A Escolha

Era meia-noite quando Robert chegou a sua casa. Tornou-se costumeiro ficar até mais tarde no escritório. Como bom advogado que era, não permitia qualquer tipo de atraso em um processo, a burocracia da legislação já lhe bastava.

A sala estava vagamente iluminada pelo abajur que ficava em uma mesa ao lado do telefone. Tirou os sapatos, despiu-se do casaco e deixou-se cair no sofá. Com trinta e cinco anos, achava que sua disposição estava beirando os cinqüenta.

Após alguns minutos, tomou coragem e rumou para o quarto. O simples subir à escada depois do trabalho parecia uma interminável maratona. Ao chegar ao corredor, procurou abafar seus passos, pois David, seu garotinho de apenas quatro anos , poderia vir a acordado.

Entrou brevemente no quarto do filho para dar-lhe um beijo de boa noite. Sentou-se na beira da cama e ficou ali alguns minutos a olhar para aquela criaturinha. De sono pesado,David não percebeu quando os lábios do pai tocaram sua face rosada. Era idêntico a Robert,de cabelos escuros e olhos claros,rosto magro,porem saudável. Entretanto os lábios eram iguais aos da mãe.

Saindo com o mesmo silencio ao qual entrou,se dirigiu para o quarto do casal.

Lílian já estava dormindo. Da mesma forma com que beijou o garoto, assim fez com sua esposa. Não queria acordá-la. Não desejava que o excesso de trabalho se transformasse em um incômodo para sua família, por isso, deixou-a repousar.

Como de costume, foi até a sacada de seu quarto para observar a noite antes de dormir. Isso o acalmava, fazia com que os problemas do dia distanciassem-se.

Encostou-se no para-peito da sacada, fechou os olhos e pôs-se apenas a respirar. A brisa estava fria e calma. Esta passava por sua fronte, e como os carinhos de sua esposa, faziam-no esquecer do restante do mundo. Por alguns mínimos segundos, perdeu a noção de tempo e espaço.

Era maravilhoso poder suspirar em paz depois de um dia exaustivo de trabalho. Aqueles momentos em silencio, ali, sozinho, eram-lhe preciosos.

Robert tinhas as características de um homem que poderia se dizer feliz. Realizou seu sonho de exercer a advocacia, casou-se com a mulher a qual amava desde o namoro e que dera-lhe o filho mais lindo que um pai poderia querer.

Contudo, não se considerava um homem feliz. Não entendia o porquê, afinal, sua vida era extremamente estruturada, mas algo estava incompleto. E o que mais o incomodava era o fato de não saber o que estava faltando.

Mesmo de olhos fechados, Robert percebeu uma claridade e um estranho calor que parecia fluir de algum lugar atrás de si. Virou-se e o que viu era tão lindo quanto surreal. Para sua própria surpresa ele não se assustou, pois naquela figura não havia nada a se temer. Disso ele sabia.

Nunca antes ele havia nem ao menos sonhado com uma criatura tão incrivelmente bela. Seus olhos pareciam refletir toda a vida que existia no universo,sua face era tão alva que iluminava e dissipava todas as sombras que antes permeavam o local,os lábios transmitiam um sentimento de extrema benevolência para com todos os outros seres da terra,sejam eles justos ou ímpios. Somente os cabelos negros extremamente longos e abafavam ao menos um pouco toda a gloria daquela criatura,caso ao contrario,parecia que toda a humanidade seria consumida por todo o esplendor que a envolvia.

Enquanto a observava o tempo não existia.

Robert percebeu que não conseguia mais deixar de admirar a face daquele anjo, e também não fazia nada para isso: era impossível, como se sua existência estivesse unida àquela presença. Os olhos dela foram penetrando através dos seus,mergulhando em sua alma até que não existia mais nada apenas os dois. De súbito, toda a luz e diminuiu bruscamente.

-desculpe Robert. Eu nunca vim para esta dimensão, por isso esqueci-me de que os homens não estão acostumados conosco ,nem com a luz de nosso plano astral. Esta melhor agora para você?

Toda a luz avassaladora e a beleza que a envolviam pareciam terem sido “guardadas” em seu corpo, porem continuava sendo o ser mais belo que já vira.

- Quem é você?

- Os homens não tem permissão para saberem nosso nome,desculpe.

-Mas por que esta aqui?

- Vim à mando de meu Senhor e Mestre,dar-lhe um recado e fazer-lhe uma proposta.

Robert ficou intrigado: será que a loucura o havia atingido tão prematuramente.

-Mas quem é seu mestre?

-Ele tem vários nomes,alguns perderam-se com o tempo,outros perduram até os seus dias. Cada povo o chama de acordo com suas crenças, porem seu verdadeiro nome não é permitido a homens ou a qualquer outro ser do universo.

-Foi me permitido arrebatá-lo através das muralhas das décadas. Seus olhos verão o que muitos apenas vislumbram em sua mera imaginação. Não podemos perder mais tempo com indagações- Estendendo-me sua mão direita,esta disse em voz imponente- Coloque a sua sobre a minha.

Robert ao colocar sua mão sobre a da criatura sentiu uma sensação extremamente desagradável. Era como se seu corpo estivesse dissolvendo-se , todo ele parecia queimar,como se cada partícula sua fosse desintegrada,porem o que mais doía eram seu olhos estes queimavam como brasas.

Não conseguia ver nada exceto uma luz prateada que envolvia toda sua visão. De súbito, ouviu-se um estalido. Sua visão havia retornado, entretanto, preferia que não houvesse-a. Parecia estar em ,o que outrora,era uma cidade. Porem pouco havia ali para que pudesse chegar a esta conclusão.

Estava devastada, como se tivesse sido alvo de algum ataque bélico. Não havia vestígios de vida no local. Tudo o que avistara eram escombros e destroços do que antes eram casas, prédios, lojas. Olhou para o céu, mas não pode ver o firmamento: uma espessa nuvem negra a tudo encobria. A cidade estava mergulhada na escuridão, exceto por alguns raios de luz solar que, conseguiam transpor o tapete negro que encobrira o local. A poeira arrastava-se por toda a parte.

Caminhando para melhor reconhecer o lugar,onde antes havia o que ser parecia uma cafeteria,agora eram apenas um amontoado de destroços de mesas, banquetas e cadeiras estavam espalhados pelo local. Ali avistou os primeiros corpos totalmente encobertos por uma poeira velha e morta. Seja o que fosse que tenha ocorrido, não estava sendo esperado por aqueles que ali jaziam.

-Robert,como esta se sentindo?

A seqüência dos acontecimentos o deixaram tão fora de si que tinha já tinha se esquecido de quem o trouxera para aquela calamidade.

- Onde estamos?

- Em um futuro não muito distante daquele em que você saiu. Avançamos algumas décadas em seu tempo, para que assim eu pudesse mostrar-lhe o futuro de sua raça e por que ela terá de ser dizimada.

Como se seu ser tivesse tomado consciência de todos os atos subitamente,Robert,com um misto de desespero e incredulidade perguntou:

- Mas como...porque,quem fez isso?

- O homem atingiu o ápice de suas ambições,Robert. O que você esta a observar é o resultado da ganância de sua raça. Seu mundo entrou em colapso no momento em que não pode mais comportar as necessidades desenfreadas daqueles que habitavam-no.

-Para ficar mais claro para você,veras de maneira mais ampla.

Sem avisar como houvera feito antes, a criatura segurou firme no braço de Robert. Neste momento ele sentiu novamente toda cadeia de reações que haviam-no assolado na primeira viajem.

Quando reencontrou seus sentidos,estava no meio de uma de uma cidade. Haviam pessoas correndo para todos os lados. Gritos e murmúrios eram ouvidos de todos os cantos. As lojas estavam sendo saqueadas e o exercito estava conflitando contra as massas. Parecia que todo o armamento bélico tinha sido canalizado para exterminar a população.

- O que é isso?

-Os recursos do mundo não mais capazes de atender a todos,portanto,apenas os poderosos querem usufruir deles,para isso as massas devem ser erradicadas.

O cenário era terrível, crianças, mulheres, idosos, todos estes eram mortos com a mesma gana. Nas laterais da rua estavam amontoados de corpos. Caminhões abriam espaço entre eles para poderem continuar o genocídio.

Mães arrastavam seus filhos na esperança de se abrigarem,porem os projeteis eram mais rápidos, atingindo os indefesos e expulsando a vida que antes os habitava.

Sentiu um aperto em sua mão,após isso estava plainando sob a terra,podendo-a observar inteiramente. Estava morta e tempestuosa como nunca visto antes. Estava quase totalmente encoberta por uma camada negra e púrpura.

-O que são aquelas nuvens negras?

- É a energia que emana dela. Continue olhando,pois feras como seu mundo desencadearia o apogeu de toda a vida existente.

Robert continuou a observar. Não existia mais Terra,esta era uma massa uniforme e negra,com força destrutiva própria. Consumindo tudo ao seu redor. Todos os povos, de todas as eras estavam sendo devastados, até que não restava mais nada,apenas o escuro e o silencio.

Robert olhando novamente para a criatura assustou-se. Ela estava curando, suas lagrimas eram cristalinas. Toda sua luz avia se dissipado, seus olhos estavam sem o brilho de outrora. Sua pele perdera a luz.Ela estava observando a escuridão que se sobrepôs à vida.

Olhando para ele,disse:

-Entende porque seu mundo será destruído antes que os fatos que lhe mostrei ocorram?

Robert agora entendia.

Levemente sentiu um toque em seu ombro.

Estava novamente na sacada de sua casa,como se nunca tivesse saído de lá.

Robert, já lhe mostrei o que deveria ser revelado a ti. Agora você tem que fazer sua escolha. Não poderá retroceder em sua decisão. Seu planeta não vera à próxima manhã.Antes que esta chegue ele já não mais existira. Permaneça aqui e seja consumido juntamente com ele,ou venha comigo para outro plano.Entretanto, apenas sua presença esta sendo esperada.

-Minha vida não pertence ao seu mundo,mas sim ao meu. Se ele terminara, é justo que eu termine junto com ele.

-Bem,se é este seu desejo. Não posso demorar-me mais. Foi um prazer conhecê-lo.

-A propósito, meu nome é Dandára.

-Mas você não disse que não temos permissão para sabê-lo?

- Você não é mais um deles, Robert. Sua escolha o modificou.

Revestida novamente de toda sua gloria, Dandára partiu em uma explosão de luz.

Retornando a seu quarto Robert viu que seu filho havia se juntado a mãe. Deitou ao lado dele de maneira a poder abraçá-los. Percebeu que não sentia mais o vazio de antes. Tudo o que ele queria estava ali em seus braços.

Paulo Literal
Enviado por Paulo Literal em 25/09/2012
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