O Menino que Falava Mandarim
Eu tenho uma especial amiga que viajou. Era tarde quando descobri que ela veio do espaço, ou do lugar do qual eu nada sei, onde as sensações são diferentes e os sentimentos
são sempre outros. À noite quando ela se vai do pensamento, continuo esperando que ela tenha esquecido algo. Então, quando se lembra, penso tudo de novo, e no fim das contas ela nunca se vai do pensamento.
Havia um tempo em que eu esperava que ela compreendesse o mandarim. Mas quando descobri de onde ela realmente veio, entendi que jamais entendia, pelo simples fato óbvio de não vir de onde vim. Afinal, ela realmente veio do espaço, ou do lugar do qual eu nada sei!
Desde que a conheci tive o enorme trabalho de aprender a escrever em mandarim, só para conversar. Como é difícil e complicado isso! E como para ela, nada de complicado é!
Mas quando isso acontece, pode ser que as cenas se invertam no final, mesmo que ninguém diga que o fim é a mesma coisa que o final. De qualquer forma eu sempre ficava atento, porque ela aparecia nas horas e formas diferentes. De repente ela se vai, ou por acaso vem, às vezes reluzente, outras vezes repleta de cores como a
manhã ensolarada.
Eu queria conhecer o espaço de onde ela veio. Na verdade, se eu tivesse feito isso antes, é provável que hoje compreendesse bem os usos e costumes. Tudo que sei de lá, como meu tio disse,
é que faz frio, há sempre trovoadas, erupções vulcânicas e enchentes à tarde, e durante o dia os céus se enegrecem e cobrem o horizonte com uma escuridão tão aterrorizante que as pessoas
transitam sempre muito rápido sem olharem para as outras, a fim de não serem notadas pela massa atmosférica obscura. Eu tremo só de pensar! mas ela é feliz! Então não tem problema! Ela diz que é feliz naquele lugar estranho, onde os metrôs levam você de uma extremidade à outra enquanto lê um parágrafo de texto jornalístico, sem
qualquer sentimento ou sensação na dor da gente... impressionante!
Eu ainda não entendi por que motivo acreditei que ela entendesse mandarim. Não tinha razão para deduzir. Quando ela se foi para sua esbelta cidade, eu não sabia dizer sequer adeus
em mandarim, inglês ou espanhol, e apesar de sempre usar o português, por algum motivo muito nobre ou encantado acreditei que ela compreenderia melhor se usasse mandarim. Mas foi surpresa quando descobri que no lugar de onde ela veio não há mandariam, inglês, espanhol, e nem mesmo o português! A solução foi usar outra língua. O importante foi tentar.
Tentei. Russo ou romeno? Afinal sou músico, e os russos e romenos são bons músicos. Só que minha amiga agora viajou!
No fim das contas, como entendi que na terra dela nada havia de mandarim, espanhol, inglês e nem mesmo português, descobri que escrevi o silêncio, toquei música no silêncio e
caminhei no silêncio do lugar do qual nada sei, onde as sensações são diferentes e os sentimentos são sempre outros...